Perguntaram-me há poucos dias se, na minha opinião, José Sócrates se deveria demitir. Por mais estranho que pareça, não soube imediatamente responder – o que já de si é significativo –, pelo que resolvi dedicar-me um pouco a pensar nisto.
É preciso alertar que a questão não é se Cavaco Silva deveria ou não demitir José Sócrates, o que, face ao exemplo estabelecido por Jorge Sampaio relativamente a Santana Lopes, obrigaria o actual Presidente da República a destituir o nosso actual primeiro-ministro, não uma, mas uma centena de vezes. A questão é saber se José Sócrates, de moto próprio, deveria ou não demitir-se, em vista dos inúmeros casos alegadamente irregulares, ilegais e/ ou criminais em que, justa ou injustamente, se encontra hoje publicamente envolvido.
Esclareçamos, em primeiro lugar, que a questão não deve colocar-se de um ponto de vista ético. Com efeito, quando o senhor primeiro-ministro mente descaradamente na Assembleia da República, onde supostamente somos representados (como, por exemplo, naquele caso do relatório que dizia e insistia ser da OCDE), não se pode esperar, consequentemente, que se demita por razões morais.
A questão, do mesmo modo, não pode colocar-se de um ponto de vista estético (isto é, no âmbito de uma certa concepção de beleza que deveria envolver e sublimar os actos públicos), pois que quem desgraçadamente tenha visto as casas projectadas e/ou assinadas pelo Eng. Sócrates, imediatamente saberá que ele nunca se demitirá por quaisquer motivos que incluam a mais vaga noção da pulcritude.
A questão, assim, só poderá pôr-se de um ponto de vista, por assim dizer, legal, isto é, à luz de uma certa jurisprudência estabelecida por anteriores demissões de outros primeiros-ministros. Neste sentido, vejamos:
1. Mesmo que considerássemos, em sentido muito lato, o triste acidente de Sá Carneiro como uma certa forma de demissão, tal não nos parece ter qualquer aplicação ao caso de Sócrates, que, pese embora ter fumado num avião logo após ter aprovado a lei que o proibia, prontamente reconheceu o erro e prometeu deixar de fumar, sem que por isso tenha pago qualquer multa. Julgo, no entanto, que a medida deveria ser extensiva, por exemplo, aos condutores embriagados, que, no caso de, visivelmente contritos, convincentemente prometerem largar definitivamente a bebida, deveriam seguir em paz o seu caminho.
2. O caso da demissão de Guterres, porém, pode afigurar-se bem diferente, pois que a razão da sua demissão foi o facto do país se ter tornado num pântano, ecossistema que reconhecidamente se mantém. No entanto, como há uns posts atrás já disse, esta é uma decisão discricionária, que de modo nenhum obriga o actual primeiro-ministro. Ao contrário de Guterres, aliás, Sócrates é o nosso querido Shrek: um ogre divertido e resmungão, que gostando francamente do seu pântano, de lá de nenhum modo quer sair.
3. Temos, por fim, o caso de Durão Barroso, mas aqui não vislumbramos nenhuma solução possível, já que, em vista das dúvidas ultimamente suscitadas em torno das habilitações académicas do senhor primeiro-ministro, cremos que ele, para já, terá alguma dificuldade em conseguir arranjar lá fora um empregozito melhor.
Por aqui, portanto, não nos safamos. Tentaremos, no entanto, por uma certa analogia, analisar ainda o caso à luz da demissão de alguns ministros, ainda que sem esperança de melhor sorte. Vejamos:
1. O ministro Jorge Coelho, na altura em que altruisticamente se demitiu, prejudicando, como é público e notório, a sua vida pessoal e profissional, fê-lo por ter caído a ponte de Entre-os-Rios. Ora, Sócrates quer fazer exactamente o contrário, isto é, construir pelo menos uma ponte (entre outras coisas baratuchas que mais tarde pagaremos para assim enfrentarmos esta crise), pelo que este caso, obviamente, não se lhe aplica.
2. Temos também o caso de Isaltino Morais, que por causa de uma conta que malfadadamente mantinha na Suíça com um sobrinho se demitiu das suas ministeriais funções. Aqui, na verdade, o caso fia mais fino, já que o envolvimento da família de Sócrates nesta teia de negócios mal explicada vai já a um ponto de permitir inscrevê-lo directamente na Associação Portuguesa das Famílias Numerosas. Há aqui uma nuance, no entanto, que importa cuidadosamente analisar. É que Isaltino se demitiu por causa de um negócio que envolvia um sobrinho. No caso de Sócrates, porém, fala-se, é verdade, da mãe, do tio, do primo, até mesmo de um senhor que não lhe é nada, pertencendo antes à conhecida estirpe dos Smiths de Alcochete… mas não há, de facto, nenhum sobrinho, pelo que é, no mínimo, discutível, que este caso, assim, se lhe aplique.
3. A este propósito, aliás, poderia também lembrar-se a demissão de Leonor Beleza, mas o caso, lá está, passou-se com um irmão, pelo que obviamente não se aplica ao nosso Sócrates.
4. O caso mais estranho é o de António Vitorino, que verdadeiramente nunca ninguém percebeu porque é se demitiu, pelo que tanto serve para defender uma coisa como a outra. O facto, porém, é que o mesmo é hoje da opinião que Sócrates não se deve demitir, o que, embora não se percebendo, torna difícil a fundamentação contrária.
5. Há ainda, ultimamente, o caso de Freitas do Amaral, que abandonou o cargo de ministro por já não aguentar as dores nas costas. Ao que sabemos, porém – e de acordo, aliás, com o próprio –, Santos Silva só gosta de malhar nas pessoas da direita, pelo que também aqui o caso dificilmente se estenderá aos costados do nosso primeiro.
Continuamos, portanto, sem resposta. Temos de atrever-nos, por isso, a ir mais longe, a esses recantos autárquicos onde o povo, conhecedor do carácter de quem o governa, sabe bem escolher para além dos desenganos da justiça. Talvez aqui se possa achar a solução.
1. À cabeça temos Fátima Felgueiras, cuja ligação à América latina e o alegado saco azul que, dizem, serviria para financiar clubes locais, poderia à partida indicar algumas semelhanças com o nosso Sócrates e com toda esta estranha história do Freeport. Mas o facto é que a senhora Dona Fátima foi para o Brasil, de onde voltou com a beleza de outros tempos, enquanto Sócrates preferiu a Venezuela, de onde não se vê que tenha vindo remoçado. Quanto ao resto (em que, francamente, aliás, não acredito), o facto, que é relevante, é que nos vídeos em que nos dizem estar a falar o senhor Smith (os quais, tirando o facto de falarem em inglês, poderiam bem ser os das reportagens da Casa Pia), nunca se ouviu falar em sacos, mas sim em envelopes, os quais passando, segundo dizem, sempre por debaixo de uma mesa, ninguém pode afirmar com toda a certeza que eram azuis. Também este caso, portanto, não nos ajuda.
2. Há ainda Valentim Loureiro, que até na Liga se patenteia Major, mas, na verdade, ele nunca se demitiu, sendo que o que distribuía, na campanha, eram frigoríficos, pelo que só por manifesta má-fé se poderia querer comparar este caso com o de José Sócrates, que só com reconhecido direito se auto-intitula engenheiro e que aquilo que distribui na campanha são os fantásticos, os fabulosos, os inquebráveis, os domésticos e bonitos computadores Magalhães.
3. Resta-nos, portanto, uma última hipótese, que é a de Avelino Ferreira Torres. Ora, este senhor, com obra manifestamente feita, com uma capacidade de comunicação eficaz e apropriada aos seus eleitores, e recentemente absolvido de todos os crimes de que foi tão longa e injustamente acusado, em tudo me parece assemelhar-se ao nosso pobre primeiro-ministro. A solução, portanto, talvez aqui se encontre. Não porque Sócrates se demita, como o Sr. Torres também não se demitiu. Mas porque tendo Sócrates transformado a nossa vida política num contínuo e indescritível Big Brother, com o qual todos nós, todos os dias, somos inevitavelmente confrontados, talvez possamos, numa destas semanas que lá mais para a frente se avizinham, expulsá-lo da casa que agora ocupa, tal como ao dito Avelino parece que da da TVI também expulsaram.
Pedindo sinceramente desculpa a quem com alguma atenção me leu até aqui, a conclusão é a seguinte:
1. Sim, é óbvio que ele se deve demitir.
2. Não, é certo que ele não se demitirá.
3. Temos, por isso, que telefonar todos para aqueles números que passsam em baixo do ecrã e, o mais depressa possível, mandá-lo embora.