Maldito liberalismo III
Se o liberalismo é
fortemente etnocêntrico é porque não pensou o cristianismo. Tem-no como um
dado, nada mais. Nunca pensou no que era a Europa, tem-na como um dado, nada
mais. E, por isso, no fundo pensa que todos almejam ser europeus, todos querem ser
livres. Nesse pecado mortal, a liberdade que está no centro do seu pensamento,
tem um custo: o da uniformização. Para se ser liberal, todos têm de se
europeizar, cristianizar, sob o ponto de vista cultural. Cada um pode ter a sua
religião, mas tem de a viver cristãmente. Os hábitos tribais e étnicos são
apenas meras aparências formais, e não podem ter substância nem serem fundantes
da vida. No fundo, somos todos iguais, todos queremos a liberdade. O irrealismo
antropológico não podia ser maior.
Que não haja uma efectiva
crítica do liberalismo significa apenas que o liberalismo não está presente no espaço
público. Os jornalistas e comentadores inventam um espantalho de neoliberalismo
e julgam que estão a defender ou bater no soberano, e afinal apenas defendem ou
batem num boneco de palha. São os velhos hábitos da gleba de onde vêm que
preservam. Criaturas conservadoras por excelência, apenas podem ser para o que
o folclore os moldou.
Por isso, o liberalismo
vai sendo deixado incólume nas suas grandezas e nas suas fragilidades, no fundo
intocado, apenas porque ignorado. Um pouco hoje em dia como o marxismo, seu
irmão. Também este lida mal com a escatologia, por a ver unívoca, também este
lida mal com a irreversibilidade por a ver unidireccional sem saber bem porquê,
também este é profundamente etnocêntrico (basta ver como Marx atira para um
mesmo caixote de lixo o «modo de produção asiático»), por achar que todos os seres
humanos almejam o mesmo. E ambos os movimentos tentando explicar o homem como se
não tivesse nem desejo sexual, nem aspirações espirituais. Irmãos rivais, ambos
algures num alçapão da História, padecem de glórias paralelas e esquecimentos
comuns.
Quanto ao liberalismo a
crítica ao «neo» tem-no deixado intocado. Como uma princesa adormecida que não envelhece,
mas age pouco. E, no entanto, merecia mais crítica porque merecia mais vida.
Alexandre Brandão da
Veiga
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