O que diferencia o cristianismo das outras religiões? III
Mas
faça-se um outro teste. Em qualquer parte do mundo faça o leitor uma análise,
tente reconhecer os cristãos. Entre os cristãos árabes vai encontrar quem traz
trajo beduíno, entre os cristãos curdos, estes não se distinguem dos
muçulmanos, na Europa numa sala não se distinguem os cristãos dos ateus, ou
budistas recém-«convertidos».
O
cristianismo não traz consigo uma etnia, hábitos étnicos. Não obriga a portar véus,
deixar crescer a barba, ou usar cintos ou fatos de cores especiais.
Que
fez Jesus que tivesse influência nisto? Diz que veio, não para abolir a lei,
mas para a aperfeiçoar, completar, levá-la ao seu termo, consoante se prefira
como tradução. Em que se traduz isto? Num duplo movimento paradoxal: numa
limpeza e numa intensificação.
Numa
limpeza. Do quê? De tudo o que é étnico. O homem não foi feito para o Sabat, o
Sabat foi feito para o homem, não é pecado o que entra na boca, mas o que sai
dela, e assim por diante. E uma intensificação. Praticar adultério não é apenas
saltar para cima da vizinha, é o simples facto de se pensar nisso. O cristianismo
não é uma religião nua porque houve um acaso histórico que o faz assim. O
cristianismo é uma religião nua porque o seu Fundador a criou assim.
Falta
o último teste. Quer isto dizer que o cristianismo é imune à cultura em que se íntegra?
Não. O facto de ter nascido num mundo de língua grega implicou que os seus
primeiros testemunhos fossem escritos em grego. Toda a cultura grega determinou
a expressão do cristianismo. Fora numa língua pobre como o árabe nunca se colocaria
a questão da essência, substância e pessoas divinas. A discussão entre a «homoousia»
e a «homoiousia» não se levantaria (não se preocupe o leitor, perceber este conceito
não é essencial para a demonstração). O cristianismo romano é diferente do
grego, não por a religião ser diversa, mas porque o seu desdobramento cultural
é diverso. Os cristãos árabes transportam o cristianismo de forma diversa dos cristãos
europeus.
Também
esta ligação não é causal. O Papa Bento XVI, no seu discurso de Ratisbona, tão
mal compreendido pelo comentadores políticos (mas há algo que eles compreendam
bem?) bem tentou transmitir que a ligação não era casual, mas fazia parte da economia
da salvação.
Em
suma, o cristianismo é uma religião nua, não traz consigo uma etnia, mas não é neutro
culturalmente. É uma religião incarnada, e por isso dissemina-se de acordo com
o ambiente, expressa-se de acordo com ele, deixa-se incorporar por ele.
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