Pensar a ideologia do fazer
Acontece que agir sem pensar é impensável ou nunca deu bons resultados (como lembrou Alan Filkenkraut uma das mentes mais livres e notáveis do actual espaço público francês). É verdade que França e Portugal partilham uma certa cultura da inércia (não é por acaso que em Portugal frequentemente se associa a inércia com a prudência e a acção com a inconsciência…). No entanto, a instauração de um eventual primado da acção é um absurdo gerador de equívocos. Um bom exemplo dos inúmeros equívocos que podem resultar de uma filosofia deste tipo é a crescente importância que se atribui à ciência aplicada por comparação com a ciência pura (e algumas ciências sociais). A "tese" é que a ciência aplicada é "produtiva": traduz-se em resultados concretos, produz riqueza, dá sentido à investigação e permite relacioná-la com o mundo real (em particular, com o mundo empresarial). Ao contrário a ciência pura (e frequentemente, grande parte das ciências sociais) produziriam um conhecimento abstracto, se não mesmo esotérico, e desprovido de um verdadeiro valor acrescentado para a comunidade. No entanto, sem Newton não teriam havido várias das invenções que hoje utilizamos… As ciência puras são as infra-estruturas do conhecimento: são elas que fornecem as estradas e os mapas para a ciência aplicada chegar a algum lado. Mas, acima de tudo, com as ciências sociais, produzem a massa crítica de base e formam recursos humanos. Neste sentido, e ao contrário do que por vezes se advoga, é bem provável que faça mais sentido que o Estado financie sobretudo investigação pura ou na área das ciências sociais. Na verdade, o mais natural é que a investigação aplicada, com uma hipotética tradução imediata em produtos de mercado, esteja sujeita ao juízo desse mesmo mercado e consiga o seu financiamento no mundo empresarial (o Estado poderia, quando muito, ajudar ao contacto entre estes dois mundos). Ao contrário, a investigação em ciências puras e nalgumas áreas das ciências sociais, pode ser vista como um bem público: de que todos beneficiam mas de "acesso livre" sem que possa, por essa razão, ter um valor de mercado e financiar-se neste. O financiamento pelo Estado deste tipo de ciência corresponderia assim ao financiamento de infra-estruturas públicas. Na verdade, e talvez paradoxalmente, essa devia ser a prioridade da política científica do Estado. A outra investigação deveria assentar no mercado.
É por isso que, se bem que concordando com grande parte do post anterior do Nuno Lobo Antunes, não posso, ao contrário dele, partilhar do aforismo de Bernard Shaw de que "quem sabe faz, quem não sabe ensina". Pelo contrário, a incapacidade de reflexão crítica e autónoma que o Nuno bem nota é sobretudo consequência de não se saber pensar nem ensinar a pensar. Neste sentido é, igualmente, importante não esgotar o pensamento em metafísica… (o nosso problema talvez seja sobretudo esse: a ausência de uma cultura analítica que promova um espírito mais crítico e autónomo). Há certas formas de pensamento que limitam o pensamento futuro.