A responsabilidade histórica
É o que vemos nas tabernas
e na televisão. Falam-nos de responsabilidade histórica. A Europa tem
responsabilidade histórica, coisa que mais ninguém tem. Invocação de privilégio
aristocrático único, quem o invoca deve ser visto com particular admiração, ou
suspeita. Porque julgas ter o que mais ninguém tem? O que te leva a sentir tão especial?
O problema é que a responsabilidade
histórica… não é um conceito histórico. O adjectivo «histórica» está plantado
como uma peruca torta numa cabeça mirrada que não a sustenta, como uma coroa
feita para mais imperial cabeça. Não é tarefa histórica atribuir responsabilidades.
Essa é tarefa de advogados, juízes, executores. Porque se precisa de usar o adjectivo
«histórica» para fazer algo que a História não pode fazer?
Este conceito levanta
mais um outro problema. É que quem fala da responsabilidade histórica dos seus antepassados
mostra não conhecer bem os seus costados. Talvez não tenha sido claro para
todos, mas os arranques industriais são feitos explorando em primeiro lugar os
próprios provos, e só depois outros. Talvez tenha ficado algo esquecido, mas
havia um proletariado inglês, alemão, francês, belga. Que significa isso? Que
os primeiros explorados pela expansão capitalista são os próprios povos. Foi o
que fez a Europa ao longo do século XIX, foi o que fez a China desde o fim do século
XX.
A maioria das pessoas
descende, não dos dominantes, mas dos dominados. Por isso, se alguém diz que
tem responsabilidade históricas porque os seus antepassados exploraram outros, terá
de verificar bem se não estará a violar não apenas a estatística, mas
igualmente a sua história familiar. O mais provável é que seja descendente da criadagem,
de proletariado, tão explorados quanto o nativo nas colónias. Posso por isso anunciar
uma boa nova: não têm responsabilidade histórica. Os seus antepassados foram
tão explorados quanto o indígena, são descendentes de explorados, tal como o colonizado.
A sensação desagradável
que julgavam sentir pelos privilégios que tiveram os seus antepassados é apenas
fruto de alguma presunção. Olhem-se ao espelho. Descendem de degradados, é de
baixo coturno, tem finalmente motivo para se alegar pelo facto. Não têm responsabilidades
históricas.
Resta portanto saber quem
tem responsabilidade histórica. Mas é evidente: os descendentes dos dominantes.
E quem são estes? A nobreza, é evidente. São os nobres quem descende de uma
mais longa linhagem de exploradores, esses sim têm responsabilidades históricas.
Mas também aqui nos deparamos
com um problema. É que desde há cerca de quarenta anos me dizem que não existo.
Que não há nobres. E ficamos todos felizes. Os únicos com vocação para serem culpados
são considerados inexistentes pela mesma ideologia que procura culpados a todo
o transe.
As responsabilidades históricas
são assim um conceito espúrio que apenas pode nascer em mentes muito fracas:
são privilégio de europeus, e não de mais nenhum povo que teve impérios. Os turcos e árabes podem ter impérios, mas não
têm responsabilidades históricas. Pena que só atinge uma raça, estranha doença.
Provoca sintomas ginecológicos em homens, até estes descobrirem que lhes é impossível
apanhar a doença.
São descendentes de explorados,
e ainda não perceberam que se podem reivindicar vítimas. E os únicos, os restantes,
únicos culpados, de tal maleita não existem. Exclusividade, intensidade, reflectividade
e inexistência. Cheira quase a criação de uma estrutura algébrica. Mas por quem
não sabe fazer contas. Pode, por isso, o leitor alegrar-se sempre que vir
alguém invocar responsabilidades históricas. Significa apenas que tem semblante
não decorativo, e interior não funcional.
Façamos uma síntese. Quem
fala de responsabilidades históricas:
1) 1) É confuso:
confunde História com contabilidade e direito;
2) 2) É racista:
considera que a responsabilidade não vem do que se pratica, mas de uma raça,
tem um pensamento racista (se forem outras culturas a fazer os mesmos que os europeus
já acha que não têm responsabilidades; assim os turcos e os árabes, que fizeram
impérios a que devemos muito);
3) 3) É desprezante:
despreza o proletariado;
4) 4) É desprezante de si mesmo:
despreza os seus antepassados;
5) 5) É presunçoso:
quando se sente responsável sente-se de origem nobre;
6) 6) É inconsistente:
o único responsável consistente que existiria, ele mesmo diz que é inexistente.
Em suma, não é muito dotado
sob o ponto de vista intelectual. O que em si não é pecado. Salvo quando se demonstra
que é ideias que pretende criar. Que um destituído intelectual queira fazer
desporto, em nada tem de condenável. Que queira ter ideias… Apenas mostra que
quem o segue com ele sente afinidades… Intelectuais.
Alexandre Brandão da
Veiga