É a China imperialista?
Uma deliciosa criatura, mostrada
como ressumando intelectualidade, é apresentada num programa de rádio.
Português vivendo na China, ilumina-nos com a sua infusa sapiência que reduz a
uma frase: «O que é espantoso é que, se bem virmos, a China nunca foi expansionista
nem imperialista».
É realmente espantoso.
Não o que se espanta diz mas que não se espante com o que diz.
Nem vale a pena falar das
tentativas de expansão da China para a Ásia Central. Ainda hoje em dia há
turco-mongóis no Ocidente da China. Seria útil perceber como os chineses
dominam turco-mongóis. Nem vale a pena falar do que acham historicamente os coreanos
da ausência de espirito expansionista dos chineses.
Também nem vou falar da
expansão chinesa junto dos países europeus mais fracos, como forma de entrada em
sectores estratégicos da Europa. Portos, bancos, energia, indústria de luxo
italiana e francesa. Poderiam ser dados muitos exemplos.
Basta pensar no que hoje
em dia se passa. E passa-se de forma tão evidente que merece apenas referência.
Vejamos quatro situações:
1)
Taiwan. Foi colonizado no século XVII
pelos chineses. Só depois dos portugueses e dos holandeses. A pretensão chinesa
a Taiwan é bem mais fraca que a pretensão portuguesa a Angola. Qual a diferença?
Os chineses usaram a técnica que usaram mais tarde no Tibete. Invadiram a ilha
com a sua população, tornaram irrelevante a originária população austronésia, e
transformaram-se na maioria demográfica. Caso houvesse cinquenta milhões de
portugueses a invadir Angola, Portugal teria maior pretensão a deter Angola que
a China a deter Taiwan. A Europa é colonialista, mas a China sofre muito por o
seu território ter sido dividido por um mero acaso histórico. Que sentido de
justiça.
2)
Tibete. A doce criatura não reparou que o
Tibete é fruto de conquista? Como fizeram com Taiwan, invadiram o território
fazendo com que a maioria da população fosse chinesa, Han.
3)
China ocidental. O mesmo tratamento está a
ser feito em relação à China ocidental em que os Uigures, turco-mongóis, estão
aos poucos a tornar-se em minoria no seu próprio território.
4)
Mar da China. O Mar da China chama-se
assim, não por ser chinês, mas porque os europeus por simplicidade chamaram-no
assim. As exigências da China, da tão pouco expansionista China, no Mar dito da
China preocupam profundamente as Filipinas, a Coreia, a Birmânia, e o Japão. Decidiram
que, dado que os europeus o chamaram «da China», deveria ser chinês. E fazem
avançar barcos militares impedindo as pescas e a possessão de terras ancestrais
por parte dos outros povos.
É evidente, há sempre
bons argumentos. A China tem uma grande população. Coitadinhos, precisam de sítio
onde a colocar. Já vimos argumentos compulsivos como este na História. A teoria
do Lebensraum é um bom exemplo.
Mas se compararmos com a Índia,
verificamos que não é a população que o impõe. A Índia tem 1,2 mil milhões de
pessoas, com uma densidade populacional de cerca de 326 pessoas por km quadrado
num território de 3,2 milhões de quilómetros quadrados. Quais são os valores da
China? 9,6 milhões de km quadrados de território. 1,3 mil milhões de pessoas.
Qual a densidade populacional? 139 pessoas por km quadrado. Se este fosse um argumento
legítimo, teríamos de deixar a Índia conquistar cerca de seis milhões de quilómetros
quadrados. Talvez destruindo o Paquistão, e conquistando uma boa parte da Asia
Central.
A questão não é a de
dizer bem ou mal dos chineses. Este caso dá-nos duas lições:
1)
Os chineses não são melhores nem piores
que os outros povos. Quando têm poder usam-no e querem-no aumentar. São tão
expansionistas quanto os outros povos são.
2)
Com a ideologia do ódio de si, os europeus
sentem as pretensões da China ou legítimas (Taiwan, China ocidental), ou
aceitáveis (Tibete) ou apenas desconfortáveis (Mar da China).
No que respeita ao cachopo
que vive na China, já o sabemos: padece do mal europeu, de achar que os outros
povos vivem sem pecado, fora da História, e acha que só o europeu padece do
pecado original. Deglutiu o cristianismo pelo orifício errado, e por isso é
natural que nos presenteie com consistente resultado.
Alexandre Brandão da Veiga
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