SERMÃO AOS POVOS
Sê condescendente com a memória, que ela te esquece.
Critica os políticos, e serás sempre justo: porque são eles o teu espelho.
Opina sobre tudo. Só abona em teu favor teres a coragem de enveredares por terrenos que te são completamente estranhos.
Usa a tua liberdade de expressão sem freios. Descansa que o teu ridículo não durará muito. Também serás esquecido.
Preserva o povo. Já resta tão pouco. É uma espécie em vias de extinção. O que sobra é o que não está em lugar nenhum, gente a meia-haste, um funeral de categoria.
A única tragédia do plebeu enriquecido é o facto de ser efémero. Não é por isso muito importante. Acumula títulos que na melhor das hipóteses lhe vêm do mérito. Diferencia-se de mil maneiras o melhor que pode e esquece que é igual aos outros que estão ocupados no mesmo esforço de diferenciação. As cores dos cartões de crédito apagam-se com mais facilidade que as dos brasões.
Chamas louco a quem tem juízo e a quem o é apenas por medo e não por justiça. E tens razão no teu motivo mesmo que não a tenhas no teu juízo.
A tua rapidez a emitir conclusões é directamente proporcional à tua incompreensão dos seus pressupostos.
Continua confundindo o atrevimento com a coragem.
O sentimento da igualdade tem geralmente a ver com a baixeza dos comparandos ou a menoridade de vistas.
Julgas-te superior pelos cargos que ocupas. Julgas que o mérito os justifica. A uns e outros, mesmos que existam, a caducidade dará uma palavra mais dia, menos dia.
Revoltam-te tanto mais nos outros os seus defeitos quanto eles são os teus.
Quando gritas contra a injustiça é ela que te aborrece ou antes apenas o facto de dela seres vítima?
Despreza a grandeza e destruirás quem faz por ti. Confia cegamente nela e a mesma passa a padecer dos teus defeitos.
É o olhar dos outros que te aflige? Talvez seja o momento de desviares os teus olhos para melhor paisagem.
Quem está disposto a dar prontamente a sua opinião geralmente não está disposto a dar mais nada.
Quem chora por um soneto não o faz necessariamente por uma criança. Quem o faz por uma criança pode ser igualmente grosseiro.
Julga os outros, mas apenas para seres julgado.
Quando chamas de loucura a grandeza dás ao que vês o nome que mereces. Nem tudo o que te aflige é condenável.
Destruíste os antigos títulos e agora corres aflito a criar uma nova profusão de títulos. A tua ânsia de os criares é fruto de teres contestado a validade de todos os títulos quando não os tinhas. Agora sofres por precisares do que desprestigiaste.
Não cubras a tua vulgaridade com títulos. Colas assim a poeira ao teu corpo.
Quem fala com frequência nas pratas de família deve verificar se a genética não lhe deixou nas mãos marcas do limpa-pratas.
É uso hoje em dia ver-se mulherzinhas cheias de jóias no campo ou na praia. Jóias de peixeira, é certo, mas sempre são jóias de família.
A tecnologia permite a disseminação do bem-estar, mas não da distinção.
Define-nos muitas vezes mais o que nós aceitamos ouvir que o que dizemos.
Se insistes para que sejamos todos iguais pergunto-me pelos motivos da tua insistência e onde pretendes colocar essa igualdade.
A relatividade é o desespero dos sábios e o descanso dos ignorantes. Os primeiros apenas a aceitam como uma desistência os segundos como uma forma de legitimação.
A ânsia de mostrar bons sentimentos é sempre sinal do que nos faltam verdadeiros. E boas ideias.
Alexandre Brandão da Veiga