sábado, 31 de janeiro de 2009

Os trabalhos e os dias

Venho só marcar o ponto de Janeiro. Para além de pessoalíssimos humores, mais ou menos radicais, que até a mim intimidam, tenho estado técnica e invulgarmente ocupado. Faço a lista das minhas culpas, cheio de ciúmes do quality time que estas coisas me roubaram:
Tive um affair com este filme que, entretanto, já me trocou por mais de 200 mil espectadores.

Aventurei-me, com instintos homicidas, no terreno de públicos vícios do documentário. Este acabou exibido pela RTP.

Dei comigo voyeur das privadas fraquezas (ou forças) do nosso incontrolável ditador, cuja angústia sexual vai surpreender os telespectadores quando a SIC a exibir em breve.
Entretive-me com a hermenêutica da "anatomia do ciúme" entre intelectuais. Já a podem encontrar nas livrarias.
Desesperado, chamei em meu socorro o Agente ZigZag. Não é todos os dias que nos deixam entrar na história de um traidor, amante, herói e espião, numa linha de fazer inveja ao Le Carré. À venda.
Volto em Fevereiro se os meus trabalhos e os meus dias o autorizarem e os meus humores forem tocados por aquele módico de narcisismo que motiva toda a escrita.

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O tampão

A experiência profissional de dez anos, em dois planos distintos, até porque também sou trabalhadora dependente, as novas questões económicas, das empresas, e os seus reflexos sociais, temáticas como o desemprego ou os novos conceitos como a flexisegurança e a deslocalização, fazem-me sobretudo questionar paradigmas.
Que sentido e qual a valia de um edifício jurídico erigido sobre e para um modelo económico que mudou dramaticamente nas últimas décadas? Que dizer da realidade paralela dos milhares de trabalhadores falsamente independentes que não gozam de qualquer tipo de protecção? Como é possível que existam dois sectores - público e privado - com uma realidade tão díspar? Como é que se harmonizam os direitos dos trabalhadores com a realidade das empresas? Qual é hoje o papel dos sindicatos? Quais as consequências na economia e na competitividade nacional do regime existente?Como é que outros países têm abordado estas questões? Com que resultados?

Pode e deve o Direito do Trabalho ser um ramo de direito que busca soluções gerais que resistam ao avanço do tempo, conseguindo assim perenidade mas perdendo relevância no plano social, ou pelo contrário, ao querer intervir e dessa forma procurando a legtimidade pela caução da realidade, torna-se frágil e presa fácil de interesses difusos?

Escrevi este texto há dois anos, como parte da minha carta de motivação ao mestrado científico em Direito do Trabalho.
Lembrei-me dela por estes dias ao ver que o drama económico e social do desemprego, embora mencionado diariamente, não tem convocado nenhum especialista da área do Direito do Trabalho a manifestar-se.

Por estes dias, quando se fala do desemprego, fala-se apenas da necessidade de baixar a taxa social única, e de subsídios, ou seja fala-se do QUANTO, dos custos do trabalho. Isto é, essencialmente do Direito de Segurança Social.

Todavia, falta a coragem para encarar o problema do COMO, como se contratam os trabalhadores. Não é este o momento, para encarar o problema das formas legalmente admissíveis de contratar em Portugal? Ou de discutir a questão dos subsídios sociais, reforçando a sua concessão, mas em medidas efectivas combinadas com o mercado de trabalho? De que é que adianta conceder incentivos, se se desincentiva a contratação? Ora, o COMO, compete ao Direito do Trabalho.

Neste caso primam pela ausência, mais do que os políticos, os Professores e cultores do Direito do Trabalho. Pelo menos, que houvesse a coragem para fazer as perguntas. Por exemplo, seria ou não de abordar a possibilidade de adoptar medidas legais excepcionais, e limitadas no tempo, face ao quadro absolutamente execepcional em que vivemos?

Se contiuarmos a dificultar a contratação vamos criar um "tampão", de que o Estado, e todos nós, são os prejudicados, porque o Estado vai pagar com subsídios, aquilo que deviam ser os empregadores a pagar com salários.

Os Professores que conheço e com quem tive oportunidade de discutir a questão, nas universidades públicas, em Lisboa e em Coimbra, e numa Universidade privada - a Católica em Lisboa - discordam todos de mim. Esses Professores abarcam o leque partidário que vai desde o PCP,o PS,o PSD e o CDS.

Chegou o tempo de políticos e de Professores, com uma nova visão ( que é nova porque é a que resulta da experiência da vida de quem tem hoje trinta ou quarenta anos), procurarem novas soluções, que sejam efectivas soluções para a sociedade, para quem trabalha e para quem emprega.

Não posso admitir que me digam, como me disseram na entrevista, que eu estava aceite no mestrado, mas que ali não era o lugar para discutir o papel do Direito do Trabalho, mas tão somente as soluções do direito vigente.

Se o Direito se demite assim de dar soluções aos problemas, que os políticos chamem a si essa responsabilidade, que sempre foi sua, dando-lhe uma nova VISÃO. É certo que vão contar com a contestação de uns quantos, mas Portugal inteiro está à espera.

Esta análise impõe-se: antes que o desemprego atinja uma taxa de dois dígitos.

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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Casei...

...com uma politóloga, professora de Ciência Polítca e agora tambérm blogger. Isto agora ainda vai fiar mais fininho. Lá em casa estamos sempre de acordo.

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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Da Visão: Baton na Cueca




Em tempos, em pleno Senado Brasileiro, um político pediu a palavra, sacou de uma pilha de documentos que alegadamente seriam a prova cabal da existência de um escandaloso esquema de corrupção e gritou, a alto e bom som: «Isso aí, seus deputados, isso aí é baton na cueca!». O episódio, delicioso como por vezes é a política brasileira, voltou-me à memória, adivinha-se porquê, com o recente ressurgir do chamado «caso Freeport». Sobre o qual vale a pena escrever algumas notas.
1 – A primeira, sejamos sérios, é que ainda não estamos perante um caso de «baton na cueca». Pelo menos, e parafraseando o senador brasileiro, «na cueca do Primeiro-Ministro». A fazer fé na imprensa, a história está mal contada, «cheira mal» e está plena de contradições. Há demasiadas coincidências, demasiadas declarações comprometedoras, demasiados indícios, para que possa ser ignorada ou para que não seja rapidamente investigada. Mas para já é só fumo.
2 – A segunda é a seguinte: no longo prazo pouco interessará este caso em concreto. O que importa que fique claro, se queremos fazer alguma coisa acerca do futuro deste país, é que, mesmo que desta vez nada de ilegal tenha acontecido, Portugal criou todas as condições administrativas, processuais e legais para que a corrupção possa medrar. A burocracia, já se sabe, é a mãe da corrupção.
2 – O terceiro ponto que vale a pena registar é a excelência e a inteligência da assessoria política e de comunicação de José Sócrates. O Primeiro-Ministro tardou umas horas a reagir, mas quando o fez foi de um profissionalismo desarmante. Pleno de ironia, controlado, dir-se-ia que calmo, pediu que a justiça fosse célere mas sobretudo lembrou a coincidência entre o duplo rebentar deste escândalo e o calendário das legislativas. De uma penada, ressuscitou a tese da cabala e passou da defesa ao ataque. Em poucas palavras: resistiu ao primeiro «round» e passou a bola para o terreno kafkiano dos processos da justiça.
3 – E isso leva-nos ao quarto ponto: o país merece uma explicação sobre os «timings» deste processo. Haverá seguramente muito boas razões para que ele se arraste há tantos anos. Mas, para o comum dos mortais, é de facto difícil de perceber porque reemerge, de tempos a tempos, e sempre em vésperas de eleições. Se não há aqui uma gestão de informação bem planeada, parece. E seria bom, a bem da credibilidade da justiça, que alguém explicasse as razões de tanta coincidência.
4 – Quarta nota: tenho criticado muitas vezes a liderança e a política de comunicação do PSD. É chegada a altura de reconhecer que Manuela Ferreira Leite fez, nesta matéria, o que se espera de um líder da oposição responsável: ficou em silêncio. «A César o que é de César» e a líder do PSD tem-se recusado a comentar (pelo menos não o fez ainda à hora em que escrevo) um assunto que está ainda no domínio da justiça e sobretudo que não parece ficar por aqui. Além de formalmente correcta é a forma mais inteligente de lidar com o tema. Quando falar (se falar), Manuela Ferreira Leite fá-lo-á com uma dupla autoridade: a de quem é reconhecidamente «impoluta» e a de quem soube esperar pelos avolumar de provas que o justifiquem. Guardou para si o direito a desferir a última estocada.
5 – Mas relembro: não andemos, nós também, com o carro à frente dos bois. «Baton na cueca» é coisa séria e, até ver, ainda ninguém o encontrou.

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terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Ai, Deus, e u é?

Temos nós aprendemos na escola as flores de verde pino do rei D. Dinis.

Ai, flores, ai, flores do verde pino
--- Ai, flores, ai, flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
Ai, Deus, e u é?
Passa-se o mesmo com a base de dados das aquisições públicas. Queremos aceder a ela. Queremos aceder a ela (http://www.base.gov.pt/Paginas/Default.aspx) e apenas temos como resposta
Ai, flores, ai, flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
Ai, Deus, e u é?
Não se acede à base da transparência. Diz-se que se fomenta a transparência, e acho bem que se fomente. Mas tentando aceder a ela, apenas ouvimos a trova:
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?
Ai, Deus, e u é?
Tentamos aceder novamente e eis que surge de novo a resposta:
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi à jurado?
Ai, Deus, e u é?
Ao que perante a nossa perplexidade ouvimos responder:
Vós me preguntades polo vosso amigo?
E eu ben vos digo que é sano e vivo.
Ai, Deus, e u é?
E como? Perguntamos nós. E eis que descobrimos uma solução (http://transparencia-pt.org/?search_str=%22Presid%C3%AAncia+do+Conselho+de+Ministros%22)
Vós me preguntades polo vosso amado?
E eu ben vos digo que é vivo e sano.
Ai, Deus, e u é?
Em Portugal as pessoas queixam-se de uma sociedade civil não actuante e mole. Mas eis que descobrimos que esta sociedade civil afinal tem momentos de glória e actividade. Foi um conjunto de cidadãos que deu transparência à coisa (http://transparencia-pt.org/?page_id=2):
E eu ben vos digo que é sano e vivo
e seerá vosco ante o prazo saido.
Ai, Deus, e u é?

Basta? É evidente que não. Mas os governos nunca bastam sem sociedades que lhes dêem desafios. Porque em nome da transparência não deixa disponível o governo o dito site das aquisições públicas? Porque ficamos a saber, nada mais nada menos que serve de flores em geometria não euclidiana uma empresa http://publicacoes.mj.pt/pt/Pesquisa.asp?sFirma=&dfDistrito=&dfConcelho=&dInicial=&dFinal=&iTipo=0&sCAPTCHA=&pesquisar=Pesquisar&dfConcelhoDesc=&iNIPC=508769531
A apressada senhora Maria (http://publicacoes.mj.pt/pt/Pesquisa_Detalhe.asp?iID=1340421) constituiu a sociedade mesmo a tempo (Insc. 1 - AP. 15/20081016 11:42:08 UTC - CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE, DESIGNAÇÃO DE MEMBRO(S) DE ÓRGÃO(S) SOCIAL(AIS)).

Ainda bem. O sítio dos contratos públicos não está acessível pelos seus efeitos cómicos. Governar é coisa séria, e não se brinca com coisas sérias.

E eu ben vos digo que é vivo e sano
e seerá vosco ante o prazo passado.
Ai, Deus, e u é?



Alexandre Brandão da Veiga

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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

O que eu sei sobre as mulheres


Espantosamente, a Ana Sousa Dias achou que eu deveria saber algo de interessante sobre as mulheres e decidiu entrevistar-me. Saiu na Pública de ontem. Gostava de partilhar isto, quanto mais não seja porque o texto é dela - e ela escreve muito bem.

"Sei muito pouco sobre as mulheres, mas isso é um lugar-comum. Teoricamente, teria obrigação de saber mais porque cresci numa família de mulheres: a minha mãe e três irmãs mais velhas. O meu pai faleceu quando eu tinha seis anos, tenho umas memórias muito longínquas dele. Meio a brincar, digo que tive quatro mães.

Há uma questão de comunicação. Tendencialmente, os homens são animais do hemisfério esquerdo, ligado às questões da lógica, do espírito analítico, do raciocínio numérico, aritmético. O hemisfério direito está ligado a outras questões - à intuição, à comunicação não verbal, à linguagem dentro de contexto. Felizmente, todos temos hemisfério esquerdo e direito. Mas as mulheres são mais intuitivas, de decisão mais rápida e imediata, com uma comunicação não verbal dentro de contexto mais perceptível. Os homens precisam de mais tempo e mais dados para tomar decisões, são mais racionais, se as coisas não estão preto no branco não são capazes de se aventurar.

Na casa da minha mãe, às vezes parecia que elas estavam a falar entre si em código. Diziam uma coisa imprecisa, entendiam-se e eu ficava sempre de fora. Quando a minha mulher foi lá pela primeira vez, a minha mãe a certa altura disse-lhe - "Ó Catarina, passa aí o coiso dos coisos." Ela percebeu: era a base para pôr os tachos quentes. Eu vivia lá em casa e não sabia. E a ela bastou-lhe olhar para perceber o contexto. Ainda hoje falamos sobre isso. Isso faz parte da comunicação informal que funciona via hemisfério direito. Nós devemos ter umas ligações menos eficientes.

Acho que se aplica aqui o princípio de Pareto [Vilfredo Pareto, 1848-1923], estabelecido por um economista que viu que 80 por cento da riqueza em Itália era detida por 20 por cento das pessoas. A regra dos 80-20 funciona bem em muitos contextos. Por exemplo, 80 por cento do nosso trabalho é feito em 20 por cento do tempo. As mulheres funcionam assim: tomam decisões com 20 por cento dos dados e 80 por cento das vezes a decisão está certa. Os homens são mais analíticos, mais chatos, precisam de mais dados, correm o risco de paralisar por excesso de análise.

O maior prémio mundial da Matemática, a medalha Fields, nunca foi atribuído a uma mulher. É espantoso, porque as ciências duras - Física, Química, Biologia - precisam de material, de laboratórios, e há mulheres com Nobel nessas áreas. A Matemática é papel e lápis, pode ser feita em casa. Em Portugal, sempre houve muitas estudantes mas depois ficavam no ensino, não iam para a investigação. Talvez seja um fenómeno geracional. Isto tem raízes históricas, evidentemente.

A francesa Sophie Germain [1776-1831] queria fazer Matemática mas não podia inscrever-se na École Polytechnique por ser mulher. Fez-se passar por um homem para ter acesso aos apontamentos, tomou um lugar de um aluno chamado Antoine-Auguste Le Blanc que deixou de ir às aulas. Estudava em casa, submetia os trabalhos resolvidos. O maior matemático da altura, Joseph Lagrange, chamou o Monsieur Le Blanc porque as soluções eram extraordinárias: apareceu-lhe à frente uma mulher. Ela fez contribuições importantes em Matemática mas, quando faleceu, o epitáfio identificava-a simplesmente como "rentière-annuitante", uma mulher que vivia de rendimentos.

A alemã Emmy Noether [1882-1935] foi uma matemática de primeira linha. Em 1915, David Hilbert, o mais destacado matemático de então, convidou-a para trabalhar com ele em Gottingen mas o departamento não aceitou, por ser uma mulher. Ficou quatro anos a dar aulas e a fazer investigação sem ser paga, até aceitarem contratá-la. O Hilbert perguntava, com muita graça: "Mas isto é um departamento de Matemática ou é um balneário?" Não foi há tanto tempo assim, foi há 90 anos!

A par do rigor lógico, a investigação matemática tem uma componente de intuição que é subvalorizada. São necessários os dois hemisférios: o direito para adivinhar os resultados e o esquerdo para prová-los. À partida, as mulheres não têm qualquer handicap para a profissão matemática.

Sou casado há mais de 18 anos e às vezes descobrimos coisas inesperadas um no outro. Temos interesses comuns, às vezes dizemos a mesma coisa ao mesmo tempo, sabemos que gostamos do mesmo tipo de filmes, exposições, literatura. Conhecemo-nos cada vez melhor. Não obstante, o universo feminino para mim é bestialmente misterioso. Quando vejo nas revistas femininas coisas como os jogos de sedução, parece-me a descrição da vida em Marte. Não me considero um nerd, mas penso - onde é que isto acontece?"

Ana Sousa Dias (a partir de uma conversa com Jorge Buescu)

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Só sei que nada sei

Tenho lido o que se tem escrito, ouvido tv, sobre o caso Freeport.

Quem tem responsabilidades públicas, políticas, diz o que tem de dizer, que a justiça fará o seu trabalho. Ou não comenta. Parece-me bem e o adequado face ao caso.

No entanto, nos outros casos, jornais, comentadores, opiniadores, parece-me que deixam escapar uma questão fundamental: a natureza da corrupção, e sobretudo a de grande escala, a forma como opera.

Estas pessoas têm da corrupção uma ideia cinéfila: uma conversa explícita, comprometedora, de preferência gravável, uma mala cheia de dinheiro. Tal e qual como no filme português Call Girl. Tudo muito óbvio e para a posteridade. Provas, muitas e para todos os gostos e todos os ordenamentos jurídicos.

Agora, por causa disso, nos media procura-se afanosamente o dinheiro, muito dinheiro, todo juntinho.

É claro que quem se dedica a estas questões sabe como é que estas coisas efectivamente se passam.

Sabem que quase sempre há poucas conversas, nada escrito, nem sempre o preço é dinheiro, mas sim trocas cruzadas de favores, uma terceira entidade que é beneficiada, favores pessoais, emprego, cargos, visibilidade, chantagem com questões do foro pessoal, e muitos técnicos especializados ( em leis, fiscais, contabilidade) envolvidos.

Nestes casos, a fronteira entre legalidade e ilegalidade é sempre ténue - e nem sequer é por acaso.

Talvez fosse bom ouvirmos especialistas nesta área -corrupção- para que tivessemos maior conhecimento sobre o fenómeno e se deixasse de imaginar malas cheias de dinheiro.

Só para dar um exemplo: nos EUA foi desmantelado um cartel que funcionou durante muitos anos. Havia quatro empresas que concertaram os preços e fizeram-no durante anos. Nunca houve acerto de contas, nunca houve contactos.

Sabem como? De acordo com a fase da lua. Em cada fase da lua, cada uma delas era raínha absoluta, ditando o seu preço.

Simples,engenhoso e eficaz, não?

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Pentimento: "A Troca"

O mais recente Clint Eastwood a estrear em Portugal é uma desilusão. Não belisca o lugar de Clint (já pus moedas num parquímetro de Carmel, a terrinha pacata junto ao Pacífico da qual o senhor foi "mayor", portanto posso tratá-lo assim) entre os grandes directores americanos vivos, ao lado de Coppola, Scorsese, John Sayles, Spielberg, Woody Allen e Michael Mann. Mas Eastwood é, entre todos, o que melhor continuou, actualizando, (os outros revolucionaram, e Eastwood - e Sayles - não são de revoluções, são de reformas) a tradição do cinema clássico americano, nascido em 1929 e morto por volta de 1960 (Godard, Antonioni, Cassavettes e Karel Reisz carregaram o caixão).
"A Troca", baseado num caso que abalou a Califórnia em 1928, é um melodrama sobre a luta de uma mãe solteira (Jolie, impecável) para encontrar o filho de nove anos desaparecido, depois de a polícia de Los Angeles lhe entregar um rapaz que ela jura não ser o seu. Durante meio filme, a máquina do destino é posta em marcha, e o percurso de Christine Collins é feito de sofrimento e angústia contra a indiferença, a incúria e as conveniências políticas da LAPD, num quadro social de época que amordaça as mulheres que se atrevem a sair de um certo silêncio parcimonioso. Christine/Jolie é desprezada, insultada, enfiada num sanatório e tida como louca, e nós sofremos as suas agruras como se fossem nossas - é a arte de Eastwood.
Mas, a certa altura, opta-se pela distensão do tempo dramático quando mais deveríamos acelerar rumo ao objectivo que nos foi proposto de início: conseguirá Christine encontrar o filho Matthew? O filme começa a ocupar-se de dois julgamentos (o do presumível assassino de Matthew, numa replicação dos Wineville Chicken Murders que chocaram a América dos anos 20, e o das forças policiais de Los Angeles, que enganaram e oprimiram Christine), colocando o espectador demasiado à frente das personagens: as cenas são longas, arrastam-se, e todos já pressentimos o seu inevitável desfecho.
Quando pensamos ir regressar ao que nos trouxe à sala - e a pobre mãe, recupera o filho? -, Clint faz mais um desvio, mostrando-nos com pormenor a execução por enforcamento do presumível assassino, numa cena de opções éticas e estéticas dissonantes do resto do filme - a "câmara subjectiva" do infanticida o que está ali a fazer? -, sem qualquer tipo de informação útil para a progressão da intriga (Clint, sendo um firme opositor da pena de morte, quer mostrar-nos a lenta e cega violência da solução de Estado, mas já o tinha feito em "Crime Real").
Ao regressarmos - finalmente - ao que nos levou a sair de casa, enfrentar a chuva, aturar os arrumadores, gastar doze euros, suportar os telemóveis, tolerar os espirros, ignorar os lapsos de focagem e tentar esquecer o cheiro das pipocas, Eastwood (já estou irritado, é altura de o tratar pelo apelido) retira-nos a recompensa emocional, rematando tudo num epílogo apressado.
Não se trata da brilhante austeridade - e do quase bergmaniano "silêncio de Deus" (desculpem, tropecei no texto de um crítico português encartado e ia quase caíndo) - de "Million Dollar Baby" e "Mystic River". Trata-se de uma inexplicável ruminância de factos e recursos dramáticos no coração emocional do filme - o desenlace da via sacra de Christine -, deixando-nos sempre dois passos à frente da protagonista. Eastwood sabe bem a diferença entre surpresa e suspense, mas parece ter-se esquecido momentaneamente dela em troca de um respeito demasiado estrito pela sequência dos factos (o filme baseia-se, muitas vezes de forma literal, em documentos depositados na Câmara de L.A. e nas transcrições originais dos julgamentos).
Eastwood de qualidade, sem dúvida, mas bem longe do Clint "vintage". Esperemos pelo próximo, que chega já em Fevereiro: "Gran Torino".

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Só me faltava mais esta!

Parece hoje muito certa aquela afirmação de Montaigne, que diz: «Não há menos tormento no governo de uma família do que no de um Estado inteiro.»
Não se preocupem que não vou aqui falar sobre a história do Freeport e do eventual envolvimento que nele possa ter tido o nosso primeiro-ministro. As pessoas devem ser investigadas - quando tal se justifique - com ordem e com correcção pela justiça e pelos jornais e nesse âmbito, apenas, devem essas suas acções ser julgadas e avaliadas. Neste caso, além disso, tudo indica que não poderemos queixar-nos, como sempre nos queixamos, da ineficácia da nossa justiça e dos nossos jornais, porque ambas as investigações, ao que parece, estarão a ser desenvolvidas em Inglaterra. Esperemos, apenas, que, desta vez, não seja só para inglês ver.
Há, no entanto, uma conclusão política que talvez se possa já tirar de todo este processo. Refiro-me às putativas medidas de esquerda que, tendo sido tomadas por este governo, todos teimavam em afirmar que mais não eram do que meras jogadas políticas para conquistar esse eleitorado mais radical, que alegremente se afastava do espectro socialista de Sócrates. Ora, vemos agora como isso pode ser infame e totalmente falso. Com efeito, podemos hoje aventar, não sem razão, que as várias medidas de ruptura que este governo introduziu no âmbito das políticas de família, não terão tanto a ver com questões eleitorais, nem ideológicas, mas com a experiência pessoal negativa que, neste campo, é, de uma forma evidente, a do nosso primeiro-ministro. É que, como disse Marcelo Rebelo de Sousa, para uma figura pública, de facto, é uma maçada ter uma família assim!

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Um bom exemplo

Os americanos vão poder acompanhar a implementação do American Recovery and Reinvestment Plan, mal este seja aprovado pelo Congresso. Um exemplo a seguir na Europa. Ler mais aqui.

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quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A Democracia é o que fazemos dela

Ainda a propósito do post anterior e do comentário da Sofia Rocha: a sociedade civil anglo-saxónica é muito exigente face ao poder politico.
Dois exemplos de hoje:
O jornal Washington Post lançou esta manhã um excelente site Who Runs Washington que permite conhecer em detalhe oos membros do Governo, Congresso, Agências Federais, etc.
Nesta fase de lançamento, a criação dos textos sobre cada um das personalidades é da responsabilidade do jornal. Numa segunda fase, serão os próprios leitores a produzir e editar os textos, numa lógica de wiki moderado.
Aqui no Reino Unido, uma iniciativa governamental para restringir o acesso público às despesas dos deputados acaba de ser cancelada, graças à sociedade civil.
Mais de 7,000 cidadãos criaram um grupo especial no Facebook, enviaram 4,000 mails para 90% dos deputados e imprimiram centenas de panfletos para entregar aos representantes do seu círculo eleitoral.
O movimento foi iniciado pela "denúncia" da iniciativa no site TheyWorkForYou, da responsabilidade da MySociety, a organização lançada por Tom Steinberg para aumentar a participação dos cidadãos na vida política.
Em suma: a Democracia é o que fazemos com ela. Com a massificação das redes sociais na net, o tempo do comando e controlo terminou.

Actualização: acaba de ser lançado um site para verificar o cumprimento das promessas do 44º Presidente Americano. PolitiFact compiliou 500 propostas de Barack Obama, as qquais serão agora acompanhadas pelo Obameter. As promessas serão classificadas como "No Action", "In the Works" ou "Stalled". Mal a Administração Obama lance as iniciativas politicas relativas ao seu compromisso eleitoral, o site classifica-las-á como "Promise Kept", "Compromise" ou "Promise Broken". A ideia, interessante e graficamente muito apelativa, é do St. Petersburg Times, de Tampa, Florida. Vale a pena ver com atenção o Obameter.

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"Open Government"

Uma das primeiras directivas do Presidente Obama, em linha com a sua candidatura. Open Government é a Democracia liberal no Século XXI. Transparência, participação, poder descentralizado. O paradigma da colaboração, da criação colectiva, da “wikipedia” e do “open source”, aplicados a politica. Não é de democracia directa que estamos a falar, é de melhor democracia representativa.
Bons sinais vindos do outro lado do Atlântico.

MEMORANDUM FOR THE HEADS OF EXECUTIVE DEPARTMENTS AND AGENCIES

THE WHITE HOUSE

Office of the Press Secretary


January 21, 2009


MEMORANDUM FOR THE HEADS OF EXECUTIVE DEPARTMENTS AND AGENCIES

SUBJECT: Transparency and Open Government

My Administration is committed to creating an unprecedented level of openness in Government. We will work together to ensure the public trust and establish a system of transparency, public participation, and collaboration. Openness will strengthen our democracy and promote efficiency and effectiveness in Government.

Government should be transparent. Transparency promotes accountability and provides information for citizens about what their Government is doing. Information maintained by the Federal Government is a national asset. My Administration will take appropriate action, consistent with law and policy, to disclose information rapidly in forms that the public can readily find and use. Executive departments and agencies should harness new technologies to put information about their operations and decisions online and readily available to the public. Executive departments and agencies should also solicit public feedback to identify information of greatest use to the public.

Government should be participatory. Public engagement enhances the Government's effectiveness and improves the quality of its decisions.

Knowledge is widely dispersed in society, and public officials benefit from having access to that dispersed knowledge. Executive departments and agencies should offer Americans increased opportunities to participate in policymaking and to provide their Government with the benefits of their collective expertise and information. Executive departments and agencies should also solicit public input on how we can increase and improve opportunities for public participation in Government.

Government should be collaborative. Collaboration actively engages Americans in the work of their Government. Executive departments and agencies should use innovative tools, methods, and systems to cooperate among themselves, across all levels of
Government, and with nonprofit organizations, businesses, and individuals in the private sector. Executive departments and agencies should solicit public feedback to assess and improve their level of collaboration and to identify new opportunities for cooperation.

I direct the Chief Technology Officer, in coordination with the Director of the Office of Management and Budget (OMB) and the Administrator of General Services, to coordinate the development by appropriate executive departments and agencies, within 120 days, of recommendations for an Open Government Directive, to be issued by the Director of OMB, that instructs executive departments and agencies to take specific actions implementing the principles set forth in this memorandum. The independent agencies should comply with the Open Government Directive.

This memorandum is not intended to, and does not, create any right or benefit, substantive or procedural, enforceable at law or in equity by a party against the United States, its departments, agencies, or entities, its officers, employees, or agents, or any other person.

This memorandum shall be published in the Federal Register.

BARACK OBAMA

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III. Apagamento e intensificação

É comum a intensificação ser vista como uma forma de cobardia, e muito mais heróica a aceitação quase estóica do apagamento. Tudo acaba, temos a coragem de o assumir. Mas a verdade é que tanto o apagamento como a intensificação suscitam medo. Não é mais corajoso quem aceita o apagamento. Pode-se mesmo dizer que a intensificação coloca bem maiores problemas, bem maiores medos.

Que sejamos finitos acaba no fundo por ser rotina. A vida ensina-nos que as coisas acabam. Que acabe de quem gostamos é doloroso, mas que nós acabemos mostra que esse sofrimento é também ele finito. Desemboca-se no comodismo. Muito mais assustadora é a intensificação. Estamos muito mais mal preparados para ser eternos que para acabar. E o tédio da infinitude, da eternidade, a admissão que estaremos sujeitos a uma nova experiência, muito mais radicalmente diferente de tudo o que o dia a dia nos afirma, requere afinal de contas muito mais coragem que dizer pura e simplesmente: depois, tudo acaba. Que bom. Que alívio.

O tédio, mas igualmente um outro medo. Estamos formados para associar a vida à tarefa. Que tarefa poderemos ter na eternidade? Que tipo de vida destituído de tarefa? Poderia existir? Por isso, quando se pensa nos últimos fins deparamo-nos com uma difícil escolha: ou nada fazer e ser esmagado pelo tédio ou em alternativa pelo torpor, ou ter tarefa, se infinita correndo nós o risco de ela ser superior às nossas forças, se finita desembocando depois do seu fim, afinal e mais uma vez, no tédio.

Toda a procura de fundamento é, ou incompleta, ou escatológica. Quando tentamos explicar um fenómeno natural, ou um fenómeno histórico, ou simplesmente as nossas motivações e comportamentos do dia a dia, terminamos sempre num fundamento que damos por final, mesmo que os seus fins tenham fronteiras difusas. Mas se paramos – e paramos sempre quando damos fundamentos – a honestidade obriga-nos a reconhecer que se poderia dar mais um passo. Perguntar mais um “porquê?”. As regras de bom-tom mandam-nos parar algures. É por razões funcionais que se pára. Mas quando se quer escavar o fundamento até ao fim, quando se deve efectivamente fazê-lo, quem pára apenas desiste. É por pudicícia que o faz. Parece mal, a nossa época não o admite. É de mau tom. Uma obscenidade.

Mas se pára quando deve avançar, ou está cansada, ou deixou-se corroer por um espírito pequeno burguês, em que as aparências são bem mais importantes que a glória. Parece mal, logo, não se faz. O pequeno burguês parasitou o que seria medida de contenção proba, a suspensão do juízo, e corroeu o que cheire a infinito. Não há pessoas providenciais nem superiores, não há fins últimos, não há absoluto. Temos no caminho do fundamento de nos deparar com um muro. Senão – parece mal. Partir o muro, ter coragem de ver mais longe, ousadia de mau gosto para árbitros da arte recém-promovidos.

Mas e se ir mais longe fosse afinal a única forma de andar? E se partir muros fosse libertação? O cultor do apagamento puro e simples não é corajoso afinal. Apenas pretende encontrar um muro onde se encoste e possa nele encontrar a soalheira tarde à espera de uma sombra que o obnubile.




Alexandre Brandão da Veiga

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quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Generation Gap

Nos anos oitenta, nas aulas de inglês do liceu, ouvi pela primeira vez a expressão "Generation Gap". Esta era usada essencialmente para tipificar o comportamento dos jovens rebeldes dos anos sessenta que, de melena, ou guedelha, ouvindo os Beatles, desfiavam a autoridade paterna.
Era fácil perceber o conceito e nunca mais pensei no conceito, até agora.
Há poucos dias li Marcelo Rebelo de Sousa a dar as boas vindas aos clube dos sexagenários a Pacheco Pereira. Vi o Mário Crespo a entrevistar Alberto João Jardim, ambos a dizerem que já tinham essa idade. Poderia acrescentar Miguel Júdice, António Barreto, Manuel Alegre, tantos outros.
Essa circunstância, mais do falar dessa pessoas - ouço-os, leio-os, concordo ou discordo do que dizem, do que escrevem - mostra-me uma sociedade - a nossa - que quase só se expressa por vozes que são herdeiras de referências e de um mundo que já não existe.
Quem tem trinta anos, possivelmente cresceu em democracia, frequentou infantários, tem pais divorciados,fala línguas, tem amigos e parentes a viver noutros países, viajou, fez estágios não remunerados, já trabalhou em cinco sítios diferentes, navega na net, é adepto incondicional das novas tecnologias, recicla lixo, tem os maridos a ajudar em casa e que levam os filhos ao parque.
Para com os nossos mais velhos, não é ingratidão, falta de reconhecimento, nem ignorância, é apenas uma sensação de distância, de chá frio. Sentimos aquela empatia de vaga pertença que experimentamos relativamente aos parentes mais afastados e que vemos só de vez em quando.
Do meu ponto de vista, esta circunstância explica a falta de interesse da minha geração pela vida política e pela coisa pública em Portugal.
É uma questão de desfasamento, de falta de reconhecimento, de falta de identificação.
Lembram-se daquela canção, de fazer chorar as pedras da calçada, do Rui Veloso que falava de um concerto no Tivoli e sobre a lição de não se amar quem não houve a mesma canção?
É isso mesmo.
Porém, é forçoso reconhecer que este Generation gap só irá desaparecer quando a minha geração deixar o conforto e a segurança do lar e fizer por participar, por ser parte, por ajudar, por ser a voz de outros tantos que cresceram como ele, com as mesmas referências.
Nada se resolve ficando na net, em chats, a delirar com o Dartacão, a MTV e o Casino Royal do Herman, parecem uns velhinhos, não de sessenta, mas de oitenta anos!

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Cinco cêntimos afrancesados

A preocupação nacional com os números entende-se. Para muitos podem ter uma expressão muito complexa, quando falamos em percentagens e milhões que, pela sua grandeza, não conseguimos imaginar.
Sugiro por isso um exercício simples, ao alcance de qualquer um.
Quem passar por estes dias na Av. Fontes Pereira de Melo, na zona das Picoas, poderá ver dois mupis de uma cadeia nacional de hipermercados - do Continente, passe a publicidade.
Talvez por ter trabalhado na distribuição comercial alimentar, me interesse tanto por este sector de actividade. Todavia, é consensual que é um sector de grande peso na economia nacional e muito sensível às variações do poder de compra:factura muitos milhões, emprega muita gente.
Com crise ou sem ela ninguém deixa de comer, diz-se. Mas será mesmo assim?
A distribuição alimentar tem um grande orçamento em publicidade e marketing. Todos nos lembramos de ver a sua publicidade na tv e habituámo-nos a ter as caixas do correio cheias dos seus desdobráveis.
Lembram-se da picanha? Em Portugal ninguém sabia o que era até os hiper e supermercados a venderem. O mesmo para as frutas tropicais e tantos outros produtos.
Foram outros tempos. Sabem o que estes dois mupis, num dos sítios mais caros da capital, anunciam?
Lombo, porco preto, papaia, pera abacate?
Nada disso.
Frango a 1.69 o kilo e pão a 0.05 a unidade. Acrescentam que é "bijou".
Nunca tinha visto um mupi a publicitar o produto mais básico da alimentação. Um produto de cinco cêntimos.

Economia portuguesa com nome francês, é o que é.

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II. Apagamento e intensificação

O vulgo toma por relativismo o que mais não é que necessidade de generalização. Quando estou no lado de baixo de uma rua, penso que a tenho de subir. Quando estou do lado de alto, penso que tenho de descer. É a minha situação que muda a tarefa e a perspectiva. Mas posso generalizar a coisa, e pensar que afinal é uma mesma rua, como uma mesma característica. É uma rua inclinada.

O verdadeiro relativismo não é generalização. É sempre uma desistência e uma forma de reaccionarismo. Não quero sair da minha situação, agarro-me a ela como verdade absoluta e digo que os da rua de cima serão tão legítimos quanto eu apenas por a sua verdade ser diversa.

O problema é que só se superam os relativismos pela generalização e esta implica rarefacção. Viver num mundo rarefeito assusta este verdadeiramente animal que é o homem. Como perceber a consistência do que é essa rarefacção é obra a que poucos se dedicam com pertinência.

Por isso todo o pensamento fundamentado é escatológico. Só quem se força a perseguir os fins últimos exige de si mesmo fundamentação. A suspensão de muita filosofia, a suspensão do juízo mais ou menos pirrónica tem efeitos metodológicos muito profundos nas mãos de alguns, mas esses são poucos e deixaram metade da obra por fazer. Praticaram um desvio corajoso e fecundo muitas vezes, mas apesar de tudo um desvio. Evitaram defrontar-se com os problemas últimos e acabam por isso como Heidegger a benzer-se clandestinamente nas igrejas mais escondidas.

Perante esse mundo rarefeito a que a generalização conduz, perante esses fundamentos aparentemente difusos, existem duas possíveis estratégias: o apagamento e a intensificação.

É evidente que o lugar comum oporia os dois extremos, no budismo o apagamento do nirvandna, no cristianismo a intensificação. Lugar comum nunca formulado e por isso mais presente.

O apagamento não é monopólio do budismo. A fusão com o "nous" aristotélico, as doutrinas do Uno neoplatónicas (nesse aspecto os neoplatónicos são bem mais neo aristotélicos, apesar de si mesmos) seria bom exemplo igualmente. E a negação das oposições (o nirvandna) não é forçosamente um apagamento. Da mesma forma o cristianismo, sobretudo na sua vertente mística, apresenta fusões com o divino, tanto como a divinização do homem.

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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Portugal 2009 - descubra as diferenças


Comissão Europeia
a) novas
PIB -1,6%
Desemprego 8,8%
Inflação 1%
Défice orçamental* 4,6%

b) anteriores
PIB 0,1%
Desemprego 7,9%
Inflação 2,3%
Défice orçamental* 2,8%

"Economist"
PIB -2%
Desemprego 8,9%
Inflação -0,3%
Défice orçamental* 4,5%

OCDE
PIB -0,2%
Desemprego 8,5%
Inflação 1,3%
Défice orçamental* 2,9%

Governo
PIB -0,8%
Desemprego 8,5%
Inflação 1,2%
Défice orçamental* 3,9%

* em % do PIB

Nota: Ao contrário da regra, as diferenças são mais que 7. E há pistas que podem ser encontradas aqui, aqui e aqui.

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I. Apagamento e intensificação

A ciência das coisas últimas. Escatologia. Palavra que sofreu em inglês evolução semântica simultaneamente estranha e expectável. Indo às coisas últimas atacamos sempre terreno estranho, e daí que “escatológico” em inglês assuma hoje em dia estatuto semelhante ao “pornos”, ao porco. É evidente que o Apocalipse é o texto mais incómodo de entre os canónicos. Era de prever que algum dia, mais tarde ou mais cedo, se prestaria a inspirar sentidos menos próprios. Mas o mundo quântico não é menos estranho para o mundo quotidiano e tem no entanto uma respeitabilidade social hoje em dia bem maior no espaço público.

Reconheçamo-lo: estranho seria que os átomos se ligassem entre si por ganchinhos, como certo materialismo superficial do século XVIII e início do século XIX supôs. Maxwell e Mach bem perceberam que essa visão era algo desprovida, e bem sabemos como os materialistas oficiais recusaram a noção de campo em física. Estranho seria que o mundo quântico tivesse as mesmas regras que o nosso mundo visível. Seria de desconfiar que escondesse estados ainda mais fundamentais. E quando o mundo quântico se vai tornando uma evidência, essa desconfiança cresce em relação ao próprio mundo quântico.

Num mundo que se recusa a pensar firmemente a estranheza, o que está fora do quotidiano, a não ser em aspectos parcelares, é natural que a escatologia tenha má imprensa. As coisas últimas, os fins últimos, os fundamentos últimos, o destino último. Tudo que o não admita mais avanço, porque é o suporte do próprio avanço, apenas pode assustar um pensamento que é timorato na sua base tanto que se manifesta no mal-estar e na displicência.


Uma cultura tem sempre de construir com as suas próprias forças a sua imagem do mundo. Pede emprestado, rouba, mas em última análise é a si que vai buscar, nem se seja à sua capacidade de diferir e sintetizar o que recebeu. E por isso, para o mal e para o bem, é junto da escatologia pagã indo-europeia e do cristianismo que encontramos as forças para pensarmos essas coisas últimas.

Mas as coisas últimas assustam e por isso a turba foge delas, cultivando o que julga ser relativismo, e julgando esse relativismo sustentado por um pensamento verdadeiramente abstracto.

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sábado, 17 de janeiro de 2009

30.000 Expectativas


Há poucos dias aqui no blog, Carlos Jalali relembrava-nos o papel da gestão de expectativas.
Face aos números e percentagens de desemprego em Portugal, este tornou-se um problema premente. Presente quer nos media, a justificar editoriais,artigos, opinião. Presente também no discurso político.
Já vi o Governo anunciar que cerca de 30.000 desempregados, inscritos nos centros de emprego, seriam encaminhados para instituições sem fins lucrativos para aí prestarem trabalho.
Vi este anúncio ser reiterado esta semana na Assembleia da República pelo Primeiro-Ministro.
Por detrás deste número abstracto - 30.000 - existem 30.000 pessoas, 30.000 rostos, 30.000 expectativas.
Trinta mil pessoas que acreditam, ao ouvir o Primeiro-Ministro de Portugal, quando diz que vão poder trabalhar, sentir-se mais dignas e inseridas na sociedade.
Algumas destas pessoas foram aos Centros de Emprego, outras telefonaram. A todas os centros de emprego dizem que nada sabem, que não têm indicações, nem "ordens superiores". Simplesmente desconhecem o assunto.
Gostava de ver em Portugal um maior escrutínio, dos cidadãos, dos partidos, dos media, sobre o que se afirma sobre a coisa pública.
Será que é legítimo criar 30.000 expectativas e não as cumprir?
E como chamamos a alguém que o faz?

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quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Valha-nos a Lapónia!

Em Janeiro de 1872, na sua Campanha Alegre, ao ano novo que então começava perguntava Eça de Queiroz o que traria à Pátria? E logo a seguir acrescentava: «É justo que pensemos na Pátria. Porque, enfim, temos uma Pátria. Temos pelo menos – um sítio. Um sítio verdadeiramente é o que temos: isto é – uma língua de terra onde construímos as nossas casas e plantamos os nossos trigos. O nosso sítio é Portugal. Não é propriamente uma nação, é um sítio. Já não achamos mau! A Lapónia nem um sítio é: apenas uma dispersão cabanas na vaga extensão da neve. Podemos pelo menos desdenhar a Lapónia. A miserável Lapónia. Como a nossa organização é mais rica, a nossa raça mais digna! Nós ao menos temos um sítio.»
É esta a resposta que quero dar ao post que o Pedro Norton tem aqui em baixo. Porque não devemos esperar do PSD, nem de outro qualquer partido, que faça de nós aquilo que não somos – e que não queremos ser: um país, que junto persegue um destino comum.
Qualquer viagem por este nosso sítio no-lo mostrará. Dou-vos o meu exemplo desta manhã. Vindo da auto-estrada de Cascais, entro na CRIL onde, assim que se forma a longa fila de carros que se encostam à direita para depois entrarem na segunda circular, encarreiro também atrás deles. Mas logo uma perturbadora quantidade de estrangeiros nos passa despreocupadamente pela esquerda, seguindo a toda a velocidade até à dita saída, onde, forçando a sua entrada nesta vagarosa mas ordeira fila, logo entram na segunda circular.
Ora, este é o retrato deste nosso triste país – e não vejo quem aqui lhe meta ordem. Porque se é óbvio que os 10 ou 20% de energúmenos que chegam 2 ou 3 minutos mais cedo ao fim do caminho, atrasam em 5 ou 10 minutos a chegada de todos os outros ao seu destino, provocando um prejuízo geral muito superior ao seu pequeno e particular benefício, é também evidente que isso pouco ou nada interessa à mentalidade incorporada nesta gente - que somos nós!
Este é o sistema que verdadeiramente nos governa – o salve-se quem puder! Das estradas à economia e desta à administração do país, estamos habituados a ver passarem-nos pela esquerda e a entrarem mais à frente, ganhando para si um pouco à custa do muito de todos aqueles que, por qualquer razão, cumprem as regras. E a minha questão é esta: porque é que não nos indignamos e, a partir dessa expressão de revolta, nos econtramos e nos reunimos para construir um país? Porque é que nos resignamos, encolhendo os ombros, seguindo, pesarosos, o nosso caminho, até que, chegados a um qualquer sítio, nos vingamos maldizendo a Lapónia?

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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Da Visão: Esperança




Vivemos, é verdadeiramente redundante afirmá-lo, uma crise de confiança global. Em momentos como este, o valor da esperança é particularmente decisivo. Quaisquer que sejam as perspectivas que cada um de nós trace, quaisquer que sejam as receitas para vencer a crise que cada qual preconize, sem condições para gerar esperança não é possível iniciar o movimento de recuperação da confiança. Não é por acaso que alguns economistas depositam tanta fé no intangível «efeito Obama». Tendo a crise uma base largamente intangível (a confiança), o caminho para a recuperação pede soluções que, na sua verdadeira essência, são elas próprias intangíveis (a esperança).
Portugal vive, deste ponto de vista, um momento duplamente difícil. Por um lado não tem obviamente autonomia para resolver, sozinho, a crise global. Mas o país não tem simultaneamente as melhores condições para gerar ondas de grande esperança. E não me refiro às particularidades da nossa economia (outros haverá, mais habilitados do que eu, para discorrer sobre elas). Refiro-me ao actual momento político: diga-se o que se disser, a verdade é que Portugal não conseguiu gerar uma alternativa credível ao governo do Eng.º. Sócrates. E sem a esperança (ainda que eventualmente exacerbada) no efeito de uma mudança de actores e de políticas, sobram, de facto, menos razões para acreditar no restabelecimento da confiança.
Não reclamo, não espero, o súbito aparecimento de um Obama português. Muito menos uma qualquer solução aventureira ou messiânica. Mas desejaria, confesso, que o PSD se apresentasse, a bem do país e da economia, como uma verdadeira alternativa geradora de esperança. Acontece que o PSD está ferido de vários «pecados». Desde logo o seu grande «pecado original»: não acredito, julgo que poucos acreditam, que Manuela Ferreira Leite, com todas as suas qualidades, represente muito mais do que uma solução transitória para vencer a crise de desgoverno em que o partido ainda recentemente mergulhou. Depois porque o PSD, longe de propor alternativas verdadeiramente sustentadas às políticas do actual executivo, tem-se largamente limitado a cavalgar de forma oportunista ondas de insatisfação ou de pânico irracional que, ocasionalmente, foram rebentando na sociedade portuguesa (estou a pensar, por exemplo, na «onda de violência» do Verão passado e na crise da avaliação dos professores). Finalmente, porque o PSD tem sido incapaz de revelar uma indispensável coesão e consistência entre o seu discurso oficial e a as poucas decisões concretas que foi tomando. Deste ponto de vista, o processo de selecção dos candidatos às eleições autárquicas que se vão conhecendo não pode ser mais revelador.
Seria irresponsável e muito pouco independente defender que a solução para a crise que o país atravessa passa necessariamente pelo PSD. Mas julgo que é pacífico afirmar que Portugal só teria a beneficiar com a existência de verdadeiras alternativas políticas em confronto sem as quais é impossível criar razões para alguma esperança que possa ser o sustentáculo da recuperação da confiança. Para que isso aconteça o PSD precisa de redimir todos e cada um destes seus pecados.

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O Contrato

Até 2004 vigorava um regime, no que à contratação pelo Estado diz respeito, em que quem para ele trabalhava tinha, grosso modo, a condição de funcionário público (legalmente previsto como regra); de agentes administrativos - mediante contrato administrativo de provimento - figura muito usada para contratar docentes, por exemplo; ou ainda como "contratado".
( Não vou referir aqui a prestação de serviços porque embora frequente não fazia parte do elenco das figuras admissíveis - mas a merecer tratamento autónomo noutras circunstâncias.)
Os "contratados" que a lei admitia como ultima ratio estavam ligados ao Estado por um contrato de trabalho. Contrato de trabalho idêntico ao contrato de trabalho previsto e regulado na Leis de trabalho ( maxime na Lei Geral de Trabalho) mas que tinha a particularidade de ser um contrato a termo e de nunca se converter num contrato sem termo.
Ou seja, se uma escola contratava um docente com "contrato", podia fazê-lo durante um, dois, três, quatro, cinco, dez, quinze anos, esse contrato nunca se converteria num contrato sem termo ou seja nunca passaria a "efectivo".
Quer dizer, a uma forma de entrada menos exigente ao nível da forma de recrutamento, correspondia o vínculo mais débil e sempre, sempre, precário. Contrato significava então "contrato a termo" que o seria sempre enquanto durasse. Vi casos de pessoas há 15 anos nesta situação.
Com o tempo, este tornou-se um fenómeno de proporções gigantescas na Administração Pública.
Aliás, contribuiu para este estado de coisas célebre e controverso Acordão do Tribunal Constitucional. O Tribunal veio dizer que os contratos durassem o tempo que durassem e independentemente do número de renovações, nunca se converteriam em contratos sem termo, ditos "efectivos".
Em abono de verdade, e a esta distância, reconheço a dificuldade do TC, se tivesse dito o oposto, o número de "contratados" "efectivados" teria sido até hoje muito grande e teríamos o dobro das pessoas a trabalhar para o Estado.
Assim, com o recurso ao contrato contornavam-se as regras exigentes do concurso público e fazia-se entrar pela janela da função pública aquilo que não se conseguia fazer entrar pela porta.
Apesar da legislação existente nunca os dirigentes dos serviços foram punidos por esta prática ( e a lei diz que o são quando contratarem fora dos casos previstos na lei serão punidos disciplinar, civil e criminalmente), no que para mim reside a razão maior da inoperacionalidade das leis nesta matéria. O ilícito fica por punir.

Foi neste contexto que que nasceu o odioso do nome "contratado" na administração pública.
A Administração Pública tem a memória pesada e move-se devagar. Ninguém por lá esqueceu o que era um contratado - até porque muitos entraram com esse vínculo.
Estou certa que o novo regime que institui a figura do contrato como a forma típica de contratar - excepto para funções de soberania - vai merecer repúdio generalizado.
Até porque converte antigos funcionários públicos em contratados...
Obviamente que já não se trata de um contrato eternamente a termo, mas bastava conhecer um pouco da história da Administração Pública para saber da reacção que irá merecer.
Aliás, nem é só na Administração que o equívoco existe. Em Portugal, de forma genérica, diz-se que alguém está a "contrato" quando tem um contrato a termo e embora seja juridicamente inexacto porque contratados são todos (uns com termo outros sem), a expressão é usada e aceite genericamente.

Com um nome destes, vamos ter gente nas ruas e tribunais entupidos.

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terça-feira, 13 de janeiro de 2009

O Fim do Mundo


Olhamos para dentro e não para fora.
Centramo-nos em pequenos problemas do dia-a-dia destruindo árvores - sem cuidar da saúde da floresta.
Lutamos por palmos de areia infértil e não conhecemos o fundo dos mares.
Pensamos pouco na vida fora da Terra e pouco trabalhamos em viagens interplanetárias.
Quanto mais em migrações galácticas!
No entanto, esquecemo-nos de que um dia o Sol deixará de brilhar.
Somos, apesar de tudo, uns optimistas incorrigíveis.





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segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Sainete

Quique Flores mora na esquina da rua Braancamp com a rua Castilho.

Quique Flores tem um guarda-redes como o Moretto.

Quique Flores tem um director desportivo que usa cachecol e conduz um Maserati.

Quique Flores tem por vizinho o 6º homem mais elegante do mundo .

Será um boa notícia para Portugal quando ele prosseguir a sua carreira por essa Europa que fala inglês e alemão.

Dirá que, haja o que houver, nós temos em Portugal, para dar e vender: estilo, sainete, salero! Hombre!

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Dicionário madeirense-português

" Úuuquéquetuquuueres? " - O que é que tu queres?

" Parabiêins " - Parabéns

" Deitar fôgo " - paixão assolapada pela pirotecnia que faz as pessoas lançarem foguetes na noite de fim de ano e quando estão felizes.

Posto isto, parabéns a todos os meus amigos madeirenses e ao meu filho madeirense pela vitória do Cristiano Ronaldo.

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Nível 18

Trabalhei uns anos na função pública.
Trabalhei uns anos em empresas privadas.
Nalguns sítios deixei saudades, noutros talvez menos. Houve festas de despedida, lembranças, discursos,lágrimas (só minhas).Contas acertadas, cartas de recomendação. Nos primeiros natais e aniversários ainda comunicamos com os antigos colegas, depois menos, até que fica apenas uma lembrança vaga - e que o bom senso recomenda que não se tente resgatar.

Nunca, nunca, depois de ter saído, depois das cartas, das contas feitas e das despedidas finais, me passaram para o nível 18.

E o que eu gostava de ter passado para o nível 18.

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Mistérios




O «Economist» desta semana espanta-se (elogiando) a pouca atenção que os media franceses têm dado ao mistério do «pai da filha da Ministra Dati». Para mim trata-se de um paradoxo sem resposta. Porque será que num país com os pergaminhos liberais do Reino Unido, um jornal liberal se espanta com a reserva que a Imprensa francesa observa sobre a vida privada de uma figura pública? E porque será que é a Napoleónica França que «dá cartas» nesta matéria?

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sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

IV. Les Indo-européens, Histoire, langues, mythes, Bibliothèque historique, Payot, Paris, 2005 Bernard Sergent

Façamos então o passeio turístico pela obra:
1) Como para Engels a superioridade dos brancos sobre os negros é evidente (40), o que mostra que o marxismo não foi fonte original do terceiro-mundismo, que é apenas uma das suas heresias; mais uma vez o que é esquerda e direita se mostra como distinção artificial. Também os radicais franceses (de “esquerda”) eram mais favoráveis à política de colonização que os monárquicos (de “direita”).
2) Grassmann (42), o grande matemático, como um dos colaboradores na indo-europeística, a mais matemática das ciências humanas; o que mostra mais uma vez que não há gavetas no saber; a indo-europeística tem sido o maior laboratório de ligação entre as ciências ditas humanas e as ditas exactas. Nesse sentido também e mais uma vez é exemplo a seguir pelas outras ciências, contra o bairrismo científico.
3) O paralelo entre as vicissitudes da física e da indo-europeística (54), paralelo este que é misterioso só em certo sentido. De forma mais discreta a indo-europeística padece hoje em dia dos mesmos males da física, a sua excessiva maturidade e hermetismo. Ambas sofrem de uma crise de meia-idade neste momento, com o que isto tem de mau e bom.
4) Velha Europa, conceito criado por Krahe (106), conceito técnico este e não o usado pelos jornalistas; o conceito de Velha Europa é fundamental para a Pré-História da Europa. E muito do seu substrato ainda poderá ser hoje em dia actuante, embora tenhamos de ser prudentes quanto a este aspecto.
5) Influência indo-europeia na China (115, 250), de onde se mostra que não existe uma fonte de civilização a Oriente e de que nós seríamos meros receptores. A tese “Ex Oriente Lux” ainda está no espírito popular de hoje em dia, na cultura mediana. Fala-se das antigas civilizações orientais, como se a nossa fosse recente, e esquece-se de até que ponto a história indo-europeia é a história de sucesso por excelência.
6) *pénkwe cinco e punho. O nosso corpo influencia os mais abstractos dos nossos conceitos.
7) *solwo Completo em boa saúde, “saluus”, “holos” em grego (259). O todo, a saúde, a solução e a salvação são conceitos correlatos. Quem afirma que não carece de salvação em suma afirma que não carece de saúde nem é capaz de viver o todo. Em suma, nada quer solucionar.
8) Sopa como carne ,ritualmente pura (264). Eis como a sopa tem história bem mais antiga e nobre do que se julga. Hoje em dia que se lembra que é boa para a saúde talvez nos faça reflectir que a ciência dita mais moderna retorna em suma a conhecimentos bem antigos.
9) *wid-tor- aquele cuja profissão é saber da história (293). O que investiga é o que vê. Por isso recusar a História é recusar a visão.
10) A circumambulação à volta do reino (299) os hititas, os citas, os irlandeses, os galeses, os escandinavos, os Capetos e as presidências abertas. Rituais velhos como o mundo que se dizem novos, mas que, como muita novidade mais não são que retornos.
11) *lawos- (302) povo em armas, o laico. Não é por acaso que os países laicistas são países de cerimonial militar. “Aux armes citoyens”. Países em permanente guerra.
12) Platão como indo-europeu (365), o horror ao escrito (416). Sergent tem consciência do parentesco entre Platão e os celtas. O Fedro é o melhor exemplo de como Platão é afim dos bardos e dos druidas.
13) Tornar-se deus igual a morrer (384) hititas, gregos, latinos - e ortodoxos. Toda a teologia da divinização do homem no mundo ortodoxo herdou desta fonte.
14) A literatura é muitas vezes religião preservada (387). Esta lição foi esquecida pelo mundo dito secularizado em que vivemos. O primeiro sintoma disso é a divinização da literatura. O passo seguinte é o desprezo pela própria literatura. Quando o bardo destrona o druida presta-se a ser destronado ele mesmo.
15) A circumambulação à volta de uma pedra (394-.395) a circulação à volta da Kaaba pode ter esta origem embora os semitas tenham a pedra a esquerda (sentido lunar) e não à direita (sentido solar) como os indo-europeus.
16) A Atenas do início do séc. V faz sacrifícios humanos (402); ou seja o grande símbolo do humanismo pode ser também exemplo de horror, como a Alemanha o demonstrou. Não há épocas ou culturas puras. E a Atenas de Péricles ainda tem a marca deste sangue. Talvez sem ele não pudesse ter criado as obras-primas que criou. A razão é criativa quando se confronta directamente com o horror. Ifigénia não surge por acaso.


http://www.clio.fr/BIBLIOTHEQUE/les_indo-europeens_des_parentes_linguistiques_aux_concordances_mythologiques.asp
http://www4.fnac.com/Shelf/article.aspx?PRID=998126
http://www.librairiehistoire.com/pays/inde/les_indo-europeens_.asp
http://www.amazon.fr/Indo-Europ%C3%A9ens-Bernard-Sergent/dp/2228889563
http://www.payot-rivages.fr/asp/fiche.asp?Id=4163
http://druuidiacto.forumculture.net/bibliotheque-f11/les-indo-europeens-par-bernard-sergent-t29.htm
http://forum.arbre-celtique.com/viewtopic.php?t=2379



Alexandre Brandão da Veiga

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quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Um mundo sem nexo


Leio na Visão, sob o extraordinário titulo “Rédea curta”, que “os cães perigosos estão a ser proibidos nos bairros camarários. Em Lisboa, entrou este mês em vigor um regulamento que limita o acolhimento de animais a um cão perigoso por habitação, no caso dos fogos camarários”.

“Um cão perigoso”? Só um? O meu queixo cai! Porquê só um? Porque não nenhum? E se um fogo tiver 10 habitações não poderão (como agora se diz) coincidir 10 cães perigosos num mesmo edifício?

E porquê apenas nos fogos camarários? Será que existe já um outro regulamento a proibir que haja mais do que um cão perigoso, por habitação, em todos os fogos NÃO camarários?

Ou os cães perigosos quando a viver em fogos não camarários deixam de ser perigosos?

Confesso que não sei.

Mas pergunto-me, face às noticias que não param de nos chocar sobre crianças mortas, desfiguradas e / ou esventradas, por cães perigosos - muitas vezes apenas por um “só” cão perigoso - porque não permitir também uma “só” arma de fogo nos fogos camarários (pelo menos nestes…)?

Se não servisse para mais nada, sempre servia para os pais protegerem os seus filhos dos cães ou melhor (desculpem) do cão perigoso do vizinho do rés-do-chão esquerdo.

Só quando se encontrar amachucada e sem vida, entre as mandíbulas de um “só” cão perigoso, o filho ou o neto de um alto dignitário deste país o assunto será levado a sério.







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quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Mário Soares


Mário Soares deu ontem uma entrevista à Sic-Notícias.

Ao vê-la é impossível não lhe chamarmos "animal político". Pode-se discordar de quase tudo o que diz, e eu discordo, mas é impossível ficar indiferente à inteligência e argúcia políticas daquele homem.

Dois exemplos:

Referindo-se ao Ministro das Finanças, por quem diz ter respeito e admiração, discorre dizendo que é um uma pessoa entendida em finanças, que é um bom "técnico", mas que "não tem uma visão política ampla".

Sobre o Presidente da República diz que lhe transmitirá a sua posição assim que seja convocado para o efeito, mas que tal não tem sido possível. É que há já muito tempo que o Conselho de Estado não reúne...

Está em forma.

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Neues Geschäft


Embora utópica, anti-ecologica, colonialista, euro-centrica e imperialista, a megalomania de Herman Sorgel não deixa de me fascinar. Arquitecto Alemão nascido em 1885, Sorgel dedicou a maior parte da sua vida a um muito radical projecto de engenharia civil (e social) que previa a construção de uma barragem, que fechando o estreito de Gibraltar faria descer o nível das águas do mediterrâneo em mais de 100 metros, aproximando assim a Europa e a África. A este novo mega-continente, Sorgel deu o futurístico nome de Atlantropa.

Como projecto derivado, mas não menos ambicioso, Sorgel propunha-se ainda escavar um canal, que partindo da costa Egípcia, acabava no meio do Sahara, criando ali um enorme mar artificial cuja água uma vez evaporada daria origem a um clima de chuvas propício a prática da agricultura.

O projecto tinha dois objectivos principais. O primeiro, a conquista de território ao mar Mediterrâneo. Disso, resultaria a possibilidade de expandir a área cultivável e habitável da Europa, permitindo também unir a Europa a’ África através de um sistema de pontes rodoviárias e ferroviárias que ligariam o estreito formado entre a Sicília e a Tunísia. Com isto ficaria estabelecido um contínuo fluir de pessoas e bens por meios terrestres entre os dois continentes. O resultado seria um acelerar da europeização da África, o fácil acesso aos seus recursos, e a criação de um bloco económico capaz de fazer frente a América e a Ásia. O segundo objectivo era naturalmente o de criar uma fonte de energia quase ilimitada capaz de fornecer electricidade a todo o bloco promovendo assim progresso e desenvolvimento.

O “Project brief” não descrevia naturalmente o enorme impacto que o seu desenvolvimento teria no ambiente e no contexto geo político globais. Além de um levantamento global do nível das águas de alguns metros, este projecto teria consequências imprevisíveis nas sociedades europeias (nos dias de hoje a ponte da Sicília para a Tunísia seria testemunha de uma emigração em massa do Sul para o Norte) e sobretudo no aceleramento da destruição daquilo que restava na altura das culturas africanas originais (nos anos trinta quando Sorgel desenvolveu a sua ideia, a maior parte da áfrica estava ainda sob o domínio de regimes colonialistas europeus).

Considerando o impacto profundamente negativo que este projecto teria tido, temos que agradecer aos Nazis Alemães o facto de estes estarem mais interessados no leste Europeu que no continente Africano. Sorgel tentou variadas vezes receber a bênção do regime Nacional-Socialista sem grande sucesso. Conhecendo a paixão de Hitler pela arquitectura e pela megalomania, este era bem capaz de ter substituído Albert Speer por Herman Sorgel nas suas preferências e hoje poderíamos estar a viver as consequências de um dos mais perigosos projectos de arquitectura e engenharia jamais imaginado pelo homem. (Para não falar na forma como o regime Alemão da altura teria decidido proceder ao recrutamento da forca de trabalho necessária a execução do projecto…)

Por outro lado, e considerando o que se vai passando nos nossos dias, talvez pudéssemos ter como remédio para os males do mundo um projecto destas dimensões, que relançasse a economia global, o emprego e o tão discutido espaço mediterrânico. Mas os meus amigos mais liberais estarão já’ a abanar a cabeça por isso fico por aqui…

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III. Les Indo-européens, Histoire, langues, mythes, Bibliothèque historique, Payot, Paris, 2005 Bernard Sergent

Mais uma vez: que leva povos a mudar a sua língua? Se é verdade o que se pensa hoje em dia, ou seja que os povos indo-europeus sempre foram minoritários demograficamente, não foi pela via demográfica que esta substituição ocorreu. Apenas pode ter sido por substituição de civilização. E se a marca dessa civilização é o trifuncionalismo, mais uma vez: que tem o trifuncionalismo que leve povos inteiros a mudar de língua?

O mistério continua para mim intacto. A verdade é que ocorreu. Desde o Atlântico até às fronteiras da China, o mais vasto império de um grupo de línguas foi nascendo: o das línguas indo-europeias. Porquê? Se de mera superioridade militar se tratasse, isso não levaria a mudança de língua. Fora meramente política o mesmo se diria. Mais uma vez me debato com o problema da ideologia indo-europeia, o que leva ao seu sucesso. Porque só ela poderia levar à substituição linguística.

Ataquemos de novo este mistério. Coloquemos uma hipótese. Se o sucesso se deveu a uma ideologia, quer isso dizer que, ao contrário do tempo histórico, na Pré-história a ideologia adquiriu mais força que a religião. A ideologia tinha mais força fundante que a religião. Numa perspectiva meramente hipotética teríamos assim uma pré-história ideológica contra uma História religiosa. Possível, mas estranha conclusão.

Ou então poderíamos partir do princípio que afinal essa ideologia era apenas o modo de expressão de uma determinada religião (que o autor não refere) a do Diaus Piter, o Deus Pai do Céu, que deixou marcas em todas as religiões indo-europeias. Neste caso toda a História seria fundada na religião. Mas a veracidade desta hipótese depende da validade que se dê a esta tese do deus primevo dos indo-europeus, o que está longe de ser consensualmente aceite.

É evidente que estamos a lidar com fundamentos da nossa civilização e de mais umas outras quantas (Bizâncio, Pérsia, Índia, Hititas, etc.). “Apenas” isso. É natural por isso mesmo que nos deparemos com jogos de espelhos. Sempre que mexemos com os fundamentos, seja da matemática, seja de qualquer ciência fundamental, seja da História, seja da alma, o jogo de espelhos aparece. Os jogos de espelhos parecem ser lugares inerentes a qualquer fundamento.

É facto significativo o de encontramos cada vez mais em livros de grandes conhecedores de História uma exortação. Cada vez mais encontro estudos históricos que terminam com uma exortação. Como se os historiadores percebessem que o espaço público que o rodeia estivesse inundado pela ignorância e pela manipulação. Como termina este autor: “Apenas quero ser ouvido”. A Europa foi formada pela cultura indo-europeia e parece que poucos o ouvem, enquanto estão inundados em notícias do dia a dia.

Mais e mais uma vez sempre a mesma ladainha, que deveria ser elementar para qualquer criança do ensino primário: a Europa é o resultado da fusão do cristianismo com o paganismo indo-europeu. Mas é evidente que homem público nem é sequer infantilizado. O seu cérebro está abaixo da amiba, nem lhe é dado conhecer o que deveria ser óbvio para qualquer criança. Por isso em psitacismo lá se vai repetindo que a Europa é a democracia, os direitos do homem, e que Europa é o que um homem quiser. Folgo em saber que é só um. Podemos esperar o seu falecimento e não fala mais no assunto.

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Caçar com gato

1983, 1984, 1993 e 2003 foram os anos de contracção económica das últimas três décadas. Foram anos extraordinários.

Em 1984 os meus pais divorciaram-se.

A minha mãe, com a escolaridade mínima, fica com as duas filhas adolescentes para criar. Eu, a mais velha, tinha doze anos. Em sequência, decide abrir uma pequena loja de comércio de têxteis e de materiais de decoração. De início sem empregados, nem na loja nem em casa, habituou as filhas a ajudarem no sustento familiar estando na loja depois das aulas e nas férias e na realização das tarefas domésticas.
Nesse tempo aprendemos que as bananas faziam mal à barriga, que o fiambre era uma coisa esquisita e que a carne de vaca era muito pesada, sendo preferível a galinha e o porco, que de resto os familiares criavam.

Em 1993 juntei os trapinhos.

Tinha 21 anos estava no terceiro do curso de Direito em Coimbra e ao arrepio de pais e sogros perdi-me de amores por um colega de curso. Sem pensar muito, arrendámos casa. Nos primeiros seis anos almocei religiosamente em casa da minha santa sogra, por manifesta ausência de meios.


Em 2003 tive um filho.

Tínhamos ido para a Madeira para onde havíamos ido trabalhar uns anos antes. Em 2003 tivemos o nosso primeiro e único filho, madeirense, com a graça divina.

Que balanço fazer?

Bem, a minha mãe criou com coragem duas filhas a quem deu sustento, educação, viagens e mundo e a quem proporcionou estudos universitários a 150 km de casa.
A minha sogra, na altura quase septuagenária e pese embora a admiração por Salazar, tratou-me bem, ajudou-nos muito, mau grado achar aquilo tudo muito precipitado e errado.

Quinze anos e quinze kilos depois, continuamos juntos. A Madeira foi um sítio magnífico para se viver uns anos, o filho madeirense é um rapaz esperto e robusto.

2009 vai ser um ano difícil? Possivelmente vai. Todavia, aprendi em 1984 que quem não tem cão, caça com gato, mas caça. Ficar fechado em casa à espera que a comida nos venha bater a porta é que não.

Continuo a achar que foi uma sorte não ter sido educada a comer bananas, fiambre e bifes de vaca, são, afinal de contas, tudo coisas que engordam e fazem mal.

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Cais das Colunas, uma breve Elegia


Tanto tempo depois, passar no Terreiro do Paço e ver o Cais das Colunas, foi uma inesperada surpresa. Daquelas surpresas que nascem de onde menos esperamos. É como um dia reparar no pôr-do-sol. Não será essa uma das maravilhas da existência?, o despertar repentino do que está adormecido?

Fosse o mundo perfeito e as duas colunas que emergem do Tejo não se nos apartariam mais do olhar. Vamos perdê-las em breve. Não sabemos se as voltaremos a ver ou se as perderemos para sempre. Por enquanto, por breves momentos, passaremos por elas. Para as fixar no nosso espírito, e as guardar.

O mundo, porque é mundo, não é justo. Mas, onde as guardarmos, imorredouras, elas vencerão a injustiça, e hão-de brilhar. Como as estrelas no céu infinito que perseguimos sem alcançar. Mas que, se não brilhassem, nos fariam morrer, sem luz, nem luar.

Lado a lado, não sabemos se chegam ou partem. Sabemos apenas que permanecem lado a lado, como se uma da outra não se pudessem separar. Também nós não sabemos se chegamos ou partimos. Mistério do espaço, ilusão do tempo, metáfora do destino. Cais das colunas!, palco de amantes, sempre prestes a se abraçar.

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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Portugal - structural difficulties, by Luís Amado


A fazer fé no Público (pág. 5), Luís Amado, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, no seminário que ontem marcou a abertura do ano diplomático, terá confessado a dezenas de embaixadores que Portugal se adaptou mal ao choque da integração na união económica e monetária europeia.

Luís Amado terá reconhecido ainda que a rápida convergência de Portugal resultou num processo de divergência paulatino a partir da integração no núcleo duro da moeda única europeia, há dez anos.

Dito isto, Luís Amado não hesitou em assumir os problemas estruturais do país… “Um Estado pouco eficiente, uma economia pouco competitiva e uma sociedade com pouca autonomia, excessivamente dependente do Estado”.

E, assim, Luís Amado concluiu que, no momento em que a urgência é fazer face à crise, temos, afinal, um Estado com limitações e constrangimentos orçamentais inquestionáveis, uma economia em que sobressaem as fragilidades do tecido produtivo e uma sociedade que evidencia a fraqueza do tecido social.

Para enfrentar o futuro, neste quadro de especial dificuldade, Luís Amado chamou a atenção para a importância de um “acompanhamento meticuloso do desenvolvimento da crise global”. Mais: para o imperativo de “antecipar as mudanças em curso no sistema internacional no início de um longo, complexo e perigoso processo de reequilíbrio”.

Ora, ao ler – com gosto – o diagnóstico e as receitas de Luís Amado, pergunto-me: será que ainda é ministro de José Sócrates? E será que, como os seus concidadãos, ouviu a entrevista do Primeiro-Ministro à SIC? E terá ficado o quê? Incrédulo? Estupefacto? Ou já não se espanta?

É que vale a pena lembrar que o Primeiro-Ministro desprezou os riscos do sobreendividamento português (8% do PIB no primeiro trimestre de 1996, mais de 90% do PIB no terceiro trimestre de 2008), foi irresponsavelmente demagógico em matéria de investimentos públicos (esquecendo o pesadíssimo défice externo português e tentando emular os “grandes”, como a Alemanha, que tem um muito confortável superavit externo), adulterou grosseiramente os números do emprego, manipulou a referência às exportações (passando ao largo do gravíssimo desequilíbrio da nossa balança de transacções correntes), foi tíbio e fugidio em matéria de investimento estrangeiro, defendeu sem pejo a verdade da proposta orçamental…

Ah, e quanto ao tal imperativo de “antecipar as mudanças em curso…”, é bom que Luís Amado tenha ouvido o Primeiro-Ministro garantir que não é vidente! Só para que conte com isso, tendo em vista futuras alocuções diplomáticas.

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II. Les Indo-européens, Histoire, langues, mythes, Bibliothèque historique, Payot, Paris, 2005 Bernard Sergent

Para mim muitos mistérios se mantêm.

Em primeiro lugar, embora não se possa dizer que o autor esqueça a natureza plástica e adaptável do trifuncionalismo (que permite desdobramentos: quatro Varnas na Índia e não três; passagens: entre o nobre e o sacerdote, por exemplo) nem a relativa autonomia do ser humano em criar soluções para os problemas (outras culturas arranjaram soluções trifuncionais) para mim continua em pé o enigma do êxito do trifuncionalismo. Se obedece a impulsos muito primários do ser humano, se se adequa a dados básicos do homem, porque outras culturas não adoptaram esta ideologia? Explica isto o maior sucesso das culturas indo-europeias em relação a outras?

Em segundo lugar, o que levou ao sucesso, não apenas de uma família, linguística (o indo-europeu) mas igualmente da sua ideologia (o trifuncionalismo)? E a História tem-nos mostrado que a conquista linguística não depende apenas do domínio económico, militar ou político. Nem sequer de domínio cultural. Os assírios e turcos dominaram sem deixar a sua língua. De igual forma a imensa cultura alemã deixou marca, mas não alastrou a sua língua por forma a apagar as outras da sua zona de influência.

O domínio de uma língua pode decorrer de predominância cultural (não forçosamente superioridade), política, económica. Mas o domínio substitutivo, que leva à substituição das línguas anteriores, só ocorre por duas vias: a expansão demográfica e a substituição civilizacional.

Na História só conheço próximos de nós dois fenómenos de grande expansão linguística de substituição. Em grau menor, a expansão semítica do árabe, embora em zona limitada ao Mediterrâneo meridional e oriental, sem dúvida. Mas acima de tudo a expansão da família indo-europeia, a mais extraordinária que a História já viu.

A expansão do proto-indo-europeu continua para mim à ser um mistério. Com avanços e recuos (o oriente mediterrânico já foi integralmente grego ou quase), a verdade é que as vagas de expansão desta família parecem nunca acabar. Pensando só na época histórica, a expansão do grego na parte oriental do mediterrâneo, que já referi. A expansão do Latim no sul da Europa, a expansão de muitas línguas europeias pela via colonial em todos os continentes. E ainda hoje em dia a expansão do inglês como língua franca (língua de sobreposição e não de substituição).

É verdade que a formação de línguas francas mostra um grau de adesão menor que a da substituição linguística. O chinês que fala inglês não deixa de ser chinês. E por isso o avanço das línguas europeias é História que ainda continua por definir. Muito mais misterioso é o fenómeno da substituição linguística. Que leva povos inteiros a mudar de língua? Que levou os povos do Sul da Europa a falar latim e seus derivados? De certa forma as invasões bárbaras tiveram efeito mais mitigado nessa zona porque não conseguiram mudar a língua e formaram um sistema com especialidades, dentro da civilização europeia, no âmbito da Europa latina.

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Os melhores filmes que (re)vi em 2008

Aqui ficam:

- "Bus 174", de José Padilha: um documentário sobre o resgate de um autocarro no Rio de Janeiro que se revela um retrato implacável de um país em falência social.
- "Gerry", de Gus van Sant: dois rapazes (Casey Affleck e Matt Damon) perdidos no deserto - um dia, talvez todos os filmes sejam assim.
- "Persepolis", de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud: um filme de animação que é um mergulho afectuoso, e sempre lúcido, nas contradições do Irão contemporâneo
- "Lust, Caution", de Ang Lee e "La Pianiste" de Michael Haneke: as melhores observações que conheci em 2008 sobre a delicada fronteira entre sofrimento e desejo
- "Trouble Everyday", de Claire Denis: o sexo como forma inevitável de vampirismo, por uma das grandes realizadoras europeias, quase inédita em Portugal
- "The Fountainhead" de King Vidor: o mais impressionante manifesto do individualismo alguma vez saído de Hollywood
- "Ministry of Fear", de Fritz Lang: um delirante passatempo, em tom de thriller, sobre o velho tema de Lang - a inexorabilidade do destino
- "No Country for Old Men", de Joel e Ethan Coen: apesar do calculismo, a fuga de Josh Brolin pelos fantasmas do Rio Grande não se esquece
- "The Thin Blue Line", de Errol Morris: a obra-prima de Morris (o que não é dizer pouco)
- "O Velho e o Mar", de Aleksandr Petrov: animação brihante com areia e vidro, em visão russa de Hemingway
- "Freud" de John Huston: datada, mas uma viagem emocionante (é como se a psicanálise ganhasse vida perante os olhos, e conseguíssemos distinguir a ganga cultural das verdades certeiras)
- "Bug", de William Friedkin: Friedkin a filmar o que filma melhor, a paranóia, num orçamento de feijões e a acção totalmente concentrada num quarto de motel
- "L' Eclisse", de Michelangelo Antonioni: ao contrário da opinião vigente, não há muitos momentos que perdurem da "Nouvelle Vague" (já a pesada herança estética e política, ainda hoje a sentimos...). Mas um dos mais fortes não lhe pertence materialmente, e é a extraordinária sequência final deste filme sobre todas as ausências (do amor ao amor-próprio)
- A 1ª (e única...) temporada" de "Studio 60 On The Sunset Strip": Aaron Sorkin teve um sonho louco - fazer uma série de sucesso sobre as "private jokes" de um programa de humor - e, obviamente, o sonho transformou-se em pesadelo; mas enquanto durou...
- "Kingdom of Heaven" de Ridley Scott (versão longa em Blu-Ray) : é a melhor propaganda disponível ao formato de alta-definição, e o melhor filme de Scott desde "Blade Runner" (muito mais complexo e ambicioso do que "Gladiador")
- "Besieged", de Bernardo Bertolucci: um pequenino-grande filme de Bertolucci, mais cândido e honesto do que o sobrestimado "The Dreamers"
- "Cigarette Burns" de John Carpenter: com apenas 60 minutos, este episódio da série "Masters of Horror" é uma delícia auto-irónica sobre "o filme mais chocante do mundo", que leva ao suicídio todos os que o vêem...
- "Close-Up" de Abbas Kiarostami: a realidade é a que inventamos.
- "Almost Famous: The Extended Cut - bootleg version": esta versão sim, com todos as esquinas por limar e imperfeições por polir (ou precisamente por isso), é um grande filme
- "The Innocents", de Jack Clayton: a fita que Amenábar gostaria de fazer aos 50 anos; glacialmente psicológico
- "Funny Face", de Stanley Donen: há rosas mais rosados do que estes (e cara mais bonita do que a cara de Audrey Hepburn) ?
- "The Mist", de Frank Darabont: grande ficção sobre a intolerância (sob a capa da "série B"), com um final devastador
- "Juno", de Jason Reitman, "Knocked Up", de Judd Appatow e "Little Miss Sunshine", de Jonathan Dayton e Valerie Fargis: os festins disfuncionais de 2007/2008
"Lady Chatterley", de Pascale Ferran: a versão definitiva?
- "Fat City", de John Huston: um filme que cheira a falhanço por todos os lados. Magnífico.
- "The Lookout", de Scott Frank: uma revisitação interessante dos estilhaços do "film noir", com realização do argumentista de "Relatório Minoritário"
- "Seven Chances", de Buster Keaton: abaixo Chaplin, viva Keaton!
- "No Man of Her Own", de Mitchell Leisen: um melodrama genial pelo seu mestre semi-desconhecido
- "The Big Easy", de Jim McBride: nunca New Orleans foi tão sexy (nem Ellen Barkin)
- "Grizzly Man", de Werner Herzog: a história do homem que transferia toda a sua afectividade para os ursos selvagens é quase tão tocante como a dignidade com que Herzog olha para ele
- "The Beast of War", de Kevin Reynolds: no seu estilo "sleazy", diz mais sobre a guerra entre afegãos e soviéticos do que muitas reportagens.
- "Best in Show", de Christopher Guest: um hilariante "mockumentary" sobre exposições caninas (e a alma canina dos seus donos)
- "Ludwig", de Luchino Visconti: de uma morbidez majestática, mas como o homem filmava...
- "Fur", de Steven Shainberg: o melhor filme que vi nos últimos 12 meses sobre homens peludos
- "Born to Kill", de Robert Wise: Lawrence Tierney, a suar, às voltas com a traição - série Z em todo o seu trágico esplendor
- "The Ballad of Jack and Rose", de Rebecca Miller: um filme digno e intransigente como há poucos
- "Clerks II", de Kevin Smith: não me lembro de me rir tanto este ano (peço desculpa por ter sido com uma cena de bestialidade com um burro - só visto)
- "The Secret of Roan Inish", de John Sayles: um belíssimo conto de fadas por um dos maiores realizadores da América, ao qual quase ninguém liga
- "The Ring", de Gore Verbinski: é uma fraqueza pessoal gostar de ver sofrer Naomi Watts...
- "Before and After", de Barbet Schroeder: um óptimo filme moral sobre o que é verdadeiramente importante numa família (já agora, ninguém edita em Portugal "Inju, la bête dans l' ombre" e "L´Avocat de la Terreur", ou é preciso mandá-los vir de França?)

E é isto. Bom 2009.

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