Os trabalhos e os dias
Volto em Fevereiro se os meus trabalhos e os meus dias o autorizarem e os meus humores forem tocados por aquele módico de narcisismo que motiva toda a escrita.
A experiência profissional de dez anos, em dois planos distintos, até porque também sou trabalhadora dependente, as novas questões económicas, das empresas, e os seus reflexos sociais, temáticas como o desemprego ou os novos conceitos como a flexisegurança e a deslocalização, fazem-me sobretudo questionar paradigmas.
Que sentido e qual a valia de um edifício jurídico erigido sobre e para um modelo económico que mudou dramaticamente nas últimas décadas? Que dizer da realidade paralela dos milhares de trabalhadores falsamente independentes que não gozam de qualquer tipo de protecção? Como é possível que existam dois sectores - público e privado - com uma realidade tão díspar? Como é que se harmonizam os direitos dos trabalhadores com a realidade das empresas? Qual é hoje o papel dos sindicatos? Quais as consequências na economia e na competitividade nacional do regime existente?Como é que outros países têm abordado estas questões? Com que resultados?
Pode e deve o Direito do Trabalho ser um ramo de direito que busca soluções gerais que resistam ao avanço do tempo, conseguindo assim perenidade mas perdendo relevância no plano social, ou pelo contrário, ao querer intervir e dessa forma procurando a legtimidade pela caução da realidade, torna-se frágil e presa fácil de interesses difusos?
Escrevi este texto há dois anos, como parte da minha carta de motivação ao mestrado científico em Direito do Trabalho.
Lembrei-me dela por estes dias ao ver que o drama económico e social do desemprego, embora mencionado diariamente, não tem convocado nenhum especialista da área do Direito do Trabalho a manifestar-se.
Por estes dias, quando se fala do desemprego, fala-se apenas da necessidade de baixar a taxa social única, e de subsídios, ou seja fala-se do QUANTO, dos custos do trabalho. Isto é, essencialmente do Direito de Segurança Social.
Todavia, falta a coragem para encarar o problema do COMO, como se contratam os trabalhadores. Não é este o momento, para encarar o problema das formas legalmente admissíveis de contratar em Portugal? Ou de discutir a questão dos subsídios sociais, reforçando a sua concessão, mas em medidas efectivas combinadas com o mercado de trabalho? De que é que adianta conceder incentivos, se se desincentiva a contratação? Ora, o COMO, compete ao Direito do Trabalho.
Neste caso primam pela ausência, mais do que os políticos, os Professores e cultores do Direito do Trabalho. Pelo menos, que houvesse a coragem para fazer as perguntas. Por exemplo, seria ou não de abordar a possibilidade de adoptar medidas legais excepcionais, e limitadas no tempo, face ao quadro absolutamente execepcional em que vivemos?
Se contiuarmos a dificultar a contratação vamos criar um "tampão", de que o Estado, e todos nós, são os prejudicados, porque o Estado vai pagar com subsídios, aquilo que deviam ser os empregadores a pagar com salários.
Os Professores que conheço e com quem tive oportunidade de discutir a questão, nas universidades públicas, em Lisboa e em Coimbra, e numa Universidade privada - a Católica em Lisboa - discordam todos de mim. Esses Professores abarcam o leque partidário que vai desde o PCP,o PS,o PSD e o CDS.
Chegou o tempo de políticos e de Professores, com uma nova visão ( que é nova porque é a que resulta da experiência da vida de quem tem hoje trinta ou quarenta anos), procurarem novas soluções, que sejam efectivas soluções para a sociedade, para quem trabalha e para quem emprega.
Não posso admitir que me digam, como me disseram na entrevista, que eu estava aceite no mestrado, mas que ali não era o lugar para discutir o papel do Direito do Trabalho, mas tão somente as soluções do direito vigente.
Se o Direito se demite assim de dar soluções aos problemas, que os políticos chamem a si essa responsabilidade, que sempre foi sua, dando-lhe uma nova VISÃO. É certo que vão contar com a contestação de uns quantos, mas Portugal inteiro está à espera.
Esta análise impõe-se: antes que o desemprego atinja uma taxa de dois dígitos.
Tenho lido o que se tem escrito, ouvido tv, sobre o caso Freeport.
Quem tem responsabilidades públicas, políticas, diz o que tem de dizer, que a justiça fará o seu trabalho. Ou não comenta. Parece-me bem e o adequado face ao caso.
No entanto, nos outros casos, jornais, comentadores, opiniadores, parece-me que deixam escapar uma questão fundamental: a natureza da corrupção, e sobretudo a de grande escala, a forma como opera.
Estas pessoas têm da corrupção uma ideia cinéfila: uma conversa explícita, comprometedora, de preferência gravável, uma mala cheia de dinheiro. Tal e qual como no filme português Call Girl. Tudo muito óbvio e para a posteridade. Provas, muitas e para todos os gostos e todos os ordenamentos jurídicos.
Agora, por causa disso, nos media procura-se afanosamente o dinheiro, muito dinheiro, todo juntinho.
É claro que quem se dedica a estas questões sabe como é que estas coisas efectivamente se passam.
Sabem que quase sempre há poucas conversas, nada escrito, nem sempre o preço é dinheiro, mas sim trocas cruzadas de favores, uma terceira entidade que é beneficiada, favores pessoais, emprego, cargos, visibilidade, chantagem com questões do foro pessoal, e muitos técnicos especializados ( em leis, fiscais, contabilidade) envolvidos.
Nestes casos, a fronteira entre legalidade e ilegalidade é sempre ténue - e nem sequer é por acaso.
Talvez fosse bom ouvirmos especialistas nesta área -corrupção- para que tivessemos maior conhecimento sobre o fenómeno e se deixasse de imaginar malas cheias de dinheiro.
Só para dar um exemplo: nos EUA foi desmantelado um cartel que funcionou durante muitos anos. Havia quatro empresas que concertaram os preços e fizeram-no durante anos. Nunca houve acerto de contas, nunca houve contactos.
Sabem como? De acordo com a fase da lua. Em cada fase da lua, cada uma delas era raínha absoluta, ditando o seu preço.
Simples,engenhoso e eficaz, não?
Parece hoje muito certa aquela afirmação de Montaigne, que diz: «Não há menos tormento no governo de uma família do que no de um Estado inteiro.»
Não se preocupem que não vou aqui falar sobre a história do Freeport e do eventual envolvimento que nele possa ter tido o nosso primeiro-ministro. As pessoas devem ser investigadas - quando tal se justifique - com ordem e com correcção pela justiça e pelos jornais e nesse âmbito, apenas, devem essas suas acções ser julgadas e avaliadas. Neste caso, além disso, tudo indica que não poderemos queixar-nos, como sempre nos queixamos, da ineficácia da nossa justiça e dos nossos jornais, porque ambas as investigações, ao que parece, estarão a ser desenvolvidas em Inglaterra. Esperemos, apenas, que, desta vez, não seja só para inglês ver.
Há, no entanto, uma conclusão política que talvez se possa já tirar de todo este processo. Refiro-me às putativas medidas de esquerda que, tendo sido tomadas por este governo, todos teimavam em afirmar que mais não eram do que meras jogadas políticas para conquistar esse eleitorado mais radical, que alegremente se afastava do espectro socialista de Sócrates. Ora, vemos agora como isso pode ser infame e totalmente falso. Com efeito, podemos hoje aventar, não sem razão, que as várias medidas de ruptura que este governo introduziu no âmbito das políticas de família, não terão tanto a ver com questões eleitorais, nem ideológicas, mas com a experiência pessoal negativa que, neste campo, é, de uma forma evidente, a do nosso primeiro-ministro. É que, como disse Marcelo Rebelo de Sousa, para uma figura pública, de facto, é uma maçada ter uma família assim!
Os americanos vão poder acompanhar a implementação do American Recovery and Reinvestment Plan, mal este seja aprovado pelo Congresso. Um exemplo a seguir na Europa. Ler mais aqui.
Ainda a propósito do post anterior e do comentário da Sofia Rocha: a sociedade civil anglo-saxónica é muito exigente face ao poder politico.
Dois exemplos de hoje:
O jornal Washington Post lançou esta manhã um excelente site Who Runs Washington que permite conhecer em detalhe oos membros do Governo, Congresso, Agências Federais, etc.
Nesta fase de lançamento, a criação dos textos sobre cada um das personalidades é da responsabilidade do jornal. Numa segunda fase, serão os próprios leitores a produzir e editar os textos, numa lógica de wiki moderado.
Aqui no Reino Unido, uma iniciativa governamental para restringir o acesso público às despesas dos deputados acaba de ser cancelada, graças à sociedade civil.
Mais de 7,000 cidadãos criaram um grupo especial no Facebook, enviaram 4,000 mails para 90% dos deputados e imprimiram centenas de panfletos para entregar aos representantes do seu círculo eleitoral.
O movimento foi iniciado pela "denúncia" da iniciativa no site TheyWorkForYou, da responsabilidade da MySociety, a organização lançada por Tom Steinberg para aumentar a participação dos cidadãos na vida política.
Em suma: a Democracia é o que fazemos com ela. Com a massificação das redes sociais na net, o tempo do comando e controlo terminou.
Actualização: acaba de ser lançado um site para verificar o cumprimento das promessas do 44º Presidente Americano. PolitiFact compiliou 500 propostas de Barack Obama, as qquais serão agora acompanhadas pelo Obameter. As promessas serão classificadas como "No Action", "In the Works" ou "Stalled". Mal a Administração Obama lance as iniciativas politicas relativas ao seu compromisso eleitoral, o site classifica-las-á como "Promise Kept", "Compromise" ou "Promise Broken". A ideia, interessante e graficamente muito apelativa, é do St. Petersburg Times, de Tampa, Florida. Vale a pena ver com atenção o Obameter.
Uma das primeiras directivas do Presidente Obama, em linha com a sua candidatura. Open Government é a Democracia liberal no Século XXI. Transparência, participação, poder descentralizado. O paradigma da colaboração, da criação colectiva, da “wikipedia” e do “open source”, aplicados a politica. Não é de democracia directa que estamos a falar, é de melhor democracia representativa.
Bons sinais vindos do outro lado do Atlântico.
MEMORANDUM FOR THE HEADS OF EXECUTIVE DEPARTMENTS AND AGENCIES
THE WHITE HOUSE
Office of the Press Secretary
January 21, 2009
MEMORANDUM FOR THE HEADS OF EXECUTIVE DEPARTMENTS AND AGENCIES
SUBJECT: Transparency and Open Government
My Administration is committed to creating an unprecedented level of openness in Government. We will work together to ensure the public trust and establish a system of transparency, public participation, and collaboration. Openness will strengthen our democracy and promote efficiency and effectiveness in Government.
Government should be transparent. Transparency promotes accountability and provides information for citizens about what their Government is doing. Information maintained by the Federal Government is a national asset. My Administration will take appropriate action, consistent with law and policy, to disclose information rapidly in forms that the public can readily find and use. Executive departments and agencies should harness new technologies to put information about their operations and decisions online and readily available to the public. Executive departments and agencies should also solicit public feedback to identify information of greatest use to the public.
Government should be participatory. Public engagement enhances the Government's effectiveness and improves the quality of its decisions.
Knowledge is widely dispersed in society, and public officials benefit from having access to that dispersed knowledge. Executive departments and agencies should offer Americans increased opportunities to participate in policymaking and to provide their Government with the benefits of their collective expertise and information. Executive departments and agencies should also solicit public input on how we can increase and improve opportunities for public participation in Government.
Government should be collaborative. Collaboration actively engages Americans in the work of their Government. Executive departments and agencies should use innovative tools, methods, and systems to cooperate among themselves, across all levels of
Government, and with nonprofit organizations, businesses, and individuals in the private sector. Executive departments and agencies should solicit public feedback to assess and improve their level of collaboration and to identify new opportunities for cooperation.
I direct the Chief Technology Officer, in coordination with the Director of the Office of Management and Budget (OMB) and the Administrator of General Services, to coordinate the development by appropriate executive departments and agencies, within 120 days, of recommendations for an Open Government Directive, to be issued by the Director of OMB, that instructs executive departments and agencies to take specific actions implementing the principles set forth in this memorandum. The independent agencies should comply with the Open Government Directive.
This memorandum is not intended to, and does not, create any right or benefit, substantive or procedural, enforceable at law or in equity by a party against the United States, its departments, agencies, or entities, its officers, employees, or agents, or any other person.
This memorandum shall be published in the Federal Register.
BARACK OBAMA
Nos anos oitenta, nas aulas de inglês do liceu, ouvi pela primeira vez a expressão "Generation Gap". Esta era usada essencialmente para tipificar o comportamento dos jovens rebeldes dos anos sessenta que, de melena, ou guedelha, ouvindo os Beatles, desfiavam a autoridade paterna.
Era fácil perceber o conceito e nunca mais pensei no conceito, até agora.
Há poucos dias li Marcelo Rebelo de Sousa a dar as boas vindas aos clube dos sexagenários a Pacheco Pereira. Vi o Mário Crespo a entrevistar Alberto João Jardim, ambos a dizerem que já tinham essa idade. Poderia acrescentar Miguel Júdice, António Barreto, Manuel Alegre, tantos outros.
Essa circunstância, mais do falar dessa pessoas - ouço-os, leio-os, concordo ou discordo do que dizem, do que escrevem - mostra-me uma sociedade - a nossa - que quase só se expressa por vozes que são herdeiras de referências e de um mundo que já não existe.
Quem tem trinta anos, possivelmente cresceu em democracia, frequentou infantários, tem pais divorciados,fala línguas, tem amigos e parentes a viver noutros países, viajou, fez estágios não remunerados, já trabalhou em cinco sítios diferentes, navega na net, é adepto incondicional das novas tecnologias, recicla lixo, tem os maridos a ajudar em casa e que levam os filhos ao parque.
Para com os nossos mais velhos, não é ingratidão, falta de reconhecimento, nem ignorância, é apenas uma sensação de distância, de chá frio. Sentimos aquela empatia de vaga pertença que experimentamos relativamente aos parentes mais afastados e que vemos só de vez em quando.
Do meu ponto de vista, esta circunstância explica a falta de interesse da minha geração pela vida política e pela coisa pública em Portugal.
É uma questão de desfasamento, de falta de reconhecimento, de falta de identificação.
Lembram-se daquela canção, de fazer chorar as pedras da calçada, do Rui Veloso que falava de um concerto no Tivoli e sobre a lição de não se amar quem não houve a mesma canção?
É isso mesmo.
Porém, é forçoso reconhecer que este Generation gap só irá desaparecer quando a minha geração deixar o conforto e a segurança do lar e fizer por participar, por ser parte, por ajudar, por ser a voz de outros tantos que cresceram como ele, com as mesmas referências.
Nada se resolve ficando na net, em chats, a delirar com o Dartacão, a MTV e o Casino Royal do Herman, parecem uns velhinhos, não de sessenta, mas de oitenta anos!
A preocupação nacional com os números entende-se. Para muitos podem ter uma expressão muito complexa, quando falamos em percentagens e milhões que, pela sua grandeza, não conseguimos imaginar.
Sugiro por isso um exercício simples, ao alcance de qualquer um.
Quem passar por estes dias na Av. Fontes Pereira de Melo, na zona das Picoas, poderá ver dois mupis de uma cadeia nacional de hipermercados - do Continente, passe a publicidade.
Talvez por ter trabalhado na distribuição comercial alimentar, me interesse tanto por este sector de actividade. Todavia, é consensual que é um sector de grande peso na economia nacional e muito sensível às variações do poder de compra:factura muitos milhões, emprega muita gente.
Com crise ou sem ela ninguém deixa de comer, diz-se. Mas será mesmo assim?
A distribuição alimentar tem um grande orçamento em publicidade e marketing. Todos nos lembramos de ver a sua publicidade na tv e habituámo-nos a ter as caixas do correio cheias dos seus desdobráveis.
Lembram-se da picanha? Em Portugal ninguém sabia o que era até os hiper e supermercados a venderem. O mesmo para as frutas tropicais e tantos outros produtos.
Foram outros tempos. Sabem o que estes dois mupis, num dos sítios mais caros da capital, anunciam?
Lombo, porco preto, papaia, pera abacate?
Nada disso.
Frango a 1.69 o kilo e pão a 0.05 a unidade. Acrescentam que é "bijou".
Nunca tinha visto um mupi a publicitar o produto mais básico da alimentação. Um produto de cinco cêntimos.
Economia portuguesa com nome francês, é o que é.
Comissão Europeia
a) novas
PIB -1,6%
Desemprego 8,8%
Inflação 1%
Défice orçamental* 4,6%
b) anteriores
PIB 0,1%
Desemprego 7,9%
Inflação 2,3%
Défice orçamental* 2,8%
"Economist"
PIB -2%
Desemprego 8,9%
Inflação -0,3%
Défice orçamental* 4,5%
OCDE
PIB -0,2%
Desemprego 8,5%
Inflação 1,3%
Défice orçamental* 2,9%
Governo
PIB -0,8%
Desemprego 8,5%
Inflação 1,2%
Défice orçamental* 3,9%
* em % do PIB
Nota: Ao contrário da regra, as diferenças são mais que 7. E há pistas que podem ser encontradas aqui, aqui e aqui.
Há poucos dias aqui no blog, Carlos Jalali relembrava-nos o papel da gestão de expectativas.
Face aos números e percentagens de desemprego em Portugal, este tornou-se um problema premente. Presente quer nos media, a justificar editoriais,artigos, opinião. Presente também no discurso político.
Já vi o Governo anunciar que cerca de 30.000 desempregados, inscritos nos centros de emprego, seriam encaminhados para instituições sem fins lucrativos para aí prestarem trabalho.
Vi este anúncio ser reiterado esta semana na Assembleia da República pelo Primeiro-Ministro.
Por detrás deste número abstracto - 30.000 - existem 30.000 pessoas, 30.000 rostos, 30.000 expectativas.
Trinta mil pessoas que acreditam, ao ouvir o Primeiro-Ministro de Portugal, quando diz que vão poder trabalhar, sentir-se mais dignas e inseridas na sociedade.
Algumas destas pessoas foram aos Centros de Emprego, outras telefonaram. A todas os centros de emprego dizem que nada sabem, que não têm indicações, nem "ordens superiores". Simplesmente desconhecem o assunto.
Gostava de ver em Portugal um maior escrutínio, dos cidadãos, dos partidos, dos media, sobre o que se afirma sobre a coisa pública.
Será que é legítimo criar 30.000 expectativas e não as cumprir?
E como chamamos a alguém que o faz?
Em Janeiro de 1872, na sua Campanha Alegre, ao ano novo que então começava perguntava Eça de Queiroz o que traria à Pátria? E logo a seguir acrescentava: «É justo que pensemos na Pátria. Porque, enfim, temos uma Pátria. Temos pelo menos – um sítio. Um sítio verdadeiramente é o que temos: isto é – uma língua de terra onde construímos as nossas casas e plantamos os nossos trigos. O nosso sítio é Portugal. Não é propriamente uma nação, é um sítio. Já não achamos mau! A Lapónia nem um sítio é: apenas uma dispersão cabanas na vaga extensão da neve. Podemos pelo menos desdenhar a Lapónia. A miserável Lapónia. Como a nossa organização é mais rica, a nossa raça mais digna! Nós ao menos temos um sítio.»
É esta a resposta que quero dar ao post que o Pedro Norton tem aqui em baixo. Porque não devemos esperar do PSD, nem de outro qualquer partido, que faça de nós aquilo que não somos – e que não queremos ser: um país, que junto persegue um destino comum.
Qualquer viagem por este nosso sítio no-lo mostrará. Dou-vos o meu exemplo desta manhã. Vindo da auto-estrada de Cascais, entro na CRIL onde, assim que se forma a longa fila de carros que se encostam à direita para depois entrarem na segunda circular, encarreiro também atrás deles. Mas logo uma perturbadora quantidade de estrangeiros nos passa despreocupadamente pela esquerda, seguindo a toda a velocidade até à dita saída, onde, forçando a sua entrada nesta vagarosa mas ordeira fila, logo entram na segunda circular.
Ora, este é o retrato deste nosso triste país – e não vejo quem aqui lhe meta ordem. Porque se é óbvio que os 10 ou 20% de energúmenos que chegam 2 ou 3 minutos mais cedo ao fim do caminho, atrasam em 5 ou 10 minutos a chegada de todos os outros ao seu destino, provocando um prejuízo geral muito superior ao seu pequeno e particular benefício, é também evidente que isso pouco ou nada interessa à mentalidade incorporada nesta gente - que somos nós!
Este é o sistema que verdadeiramente nos governa – o salve-se quem puder! Das estradas à economia e desta à administração do país, estamos habituados a ver passarem-nos pela esquerda e a entrarem mais à frente, ganhando para si um pouco à custa do muito de todos aqueles que, por qualquer razão, cumprem as regras. E a minha questão é esta: porque é que não nos indignamos e, a partir dessa expressão de revolta, nos econtramos e nos reunimos para construir um país? Porque é que nos resignamos, encolhendo os ombros, seguindo, pesarosos, o nosso caminho, até que, chegados a um qualquer sítio, nos vingamos maldizendo a Lapónia?
Até 2004 vigorava um regime, no que à contratação pelo Estado diz respeito, em que quem para ele trabalhava tinha, grosso modo, a condição de funcionário público (legalmente previsto como regra); de agentes administrativos - mediante contrato administrativo de provimento - figura muito usada para contratar docentes, por exemplo; ou ainda como "contratado".
( Não vou referir aqui a prestação de serviços porque embora frequente não fazia parte do elenco das figuras admissíveis - mas a merecer tratamento autónomo noutras circunstâncias.)
Os "contratados" que a lei admitia como ultima ratio estavam ligados ao Estado por um contrato de trabalho. Contrato de trabalho idêntico ao contrato de trabalho previsto e regulado na Leis de trabalho ( maxime na Lei Geral de Trabalho) mas que tinha a particularidade de ser um contrato a termo e de nunca se converter num contrato sem termo.
Ou seja, se uma escola contratava um docente com "contrato", podia fazê-lo durante um, dois, três, quatro, cinco, dez, quinze anos, esse contrato nunca se converteria num contrato sem termo ou seja nunca passaria a "efectivo".
Quer dizer, a uma forma de entrada menos exigente ao nível da forma de recrutamento, correspondia o vínculo mais débil e sempre, sempre, precário. Contrato significava então "contrato a termo" que o seria sempre enquanto durasse. Vi casos de pessoas há 15 anos nesta situação.
Com o tempo, este tornou-se um fenómeno de proporções gigantescas na Administração Pública.
Aliás, contribuiu para este estado de coisas célebre e controverso Acordão do Tribunal Constitucional. O Tribunal veio dizer que os contratos durassem o tempo que durassem e independentemente do número de renovações, nunca se converteriam em contratos sem termo, ditos "efectivos".
Em abono de verdade, e a esta distância, reconheço a dificuldade do TC, se tivesse dito o oposto, o número de "contratados" "efectivados" teria sido até hoje muito grande e teríamos o dobro das pessoas a trabalhar para o Estado.
Assim, com o recurso ao contrato contornavam-se as regras exigentes do concurso público e fazia-se entrar pela janela da função pública aquilo que não se conseguia fazer entrar pela porta.
Apesar da legislação existente nunca os dirigentes dos serviços foram punidos por esta prática ( e a lei diz que o são quando contratarem fora dos casos previstos na lei serão punidos disciplinar, civil e criminalmente), no que para mim reside a razão maior da inoperacionalidade das leis nesta matéria. O ilícito fica por punir.
Foi neste contexto que que nasceu o odioso do nome "contratado" na administração pública.
A Administração Pública tem a memória pesada e move-se devagar. Ninguém por lá esqueceu o que era um contratado - até porque muitos entraram com esse vínculo.
Estou certa que o novo regime que institui a figura do contrato como a forma típica de contratar - excepto para funções de soberania - vai merecer repúdio generalizado.
Até porque converte antigos funcionários públicos em contratados...
Obviamente que já não se trata de um contrato eternamente a termo, mas bastava conhecer um pouco da história da Administração Pública para saber da reacção que irá merecer.
Aliás, nem é só na Administração que o equívoco existe. Em Portugal, de forma genérica, diz-se que alguém está a "contrato" quando tem um contrato a termo e embora seja juridicamente inexacto porque contratados são todos (uns com termo outros sem), a expressão é usada e aceite genericamente.
Com um nome destes, vamos ter gente nas ruas e tribunais entupidos.
Quique Flores mora na esquina da rua Braancamp com a rua Castilho.
Quique Flores tem um guarda-redes como o Moretto.
Quique Flores tem um director desportivo que usa cachecol e conduz um Maserati.
Quique Flores tem por vizinho o 6º homem mais elegante do mundo .
Será um boa notícia para Portugal quando ele prosseguir a sua carreira por essa Europa que fala inglês e alemão.
Dirá que, haja o que houver, nós temos em Portugal, para dar e vender: estilo, sainete, salero! Hombre!
" Úuuquéquetuquuueres? " - O que é que tu queres?
" Parabiêins " - Parabéns
" Deitar fôgo " - paixão assolapada pela pirotecnia que faz as pessoas lançarem foguetes na noite de fim de ano e quando estão felizes.
Posto isto, parabéns a todos os meus amigos madeirenses e ao meu filho madeirense pela vitória do Cristiano Ronaldo.
Trabalhei uns anos na função pública.
Trabalhei uns anos em empresas privadas.
Nalguns sítios deixei saudades, noutros talvez menos. Houve festas de despedida, lembranças, discursos,lágrimas (só minhas).Contas acertadas, cartas de recomendação. Nos primeiros natais e aniversários ainda comunicamos com os antigos colegas, depois menos, até que fica apenas uma lembrança vaga - e que o bom senso recomenda que não se tente resgatar.
Nunca, nunca, depois de ter saído, depois das cartas, das contas feitas e das despedidas finais, me passaram para o nível 18.
E o que eu gostava de ter passado para o nível 18.
Mário Soares deu ontem uma entrevista à Sic-Notícias.
Ao vê-la é impossível não lhe chamarmos "animal político". Pode-se discordar de quase tudo o que diz, e eu discordo, mas é impossível ficar indiferente à inteligência e argúcia políticas daquele homem.
Dois exemplos:
Referindo-se ao Ministro das Finanças, por quem diz ter respeito e admiração, discorre dizendo que é um uma pessoa entendida em finanças, que é um bom "técnico", mas que "não tem uma visão política ampla".
Sobre o Presidente da República diz que lhe transmitirá a sua posição assim que seja convocado para o efeito, mas que tal não tem sido possível. É que há já muito tempo que o Conselho de Estado não reúne...
Está em forma.
1983, 1984, 1993 e 2003 foram os anos de contracção económica das últimas três décadas. Foram anos extraordinários.
Em 1984 os meus pais divorciaram-se.
A minha mãe, com a escolaridade mínima, fica com as duas filhas adolescentes para criar. Eu, a mais velha, tinha doze anos. Em sequência, decide abrir uma pequena loja de comércio de têxteis e de materiais de decoração. De início sem empregados, nem na loja nem em casa, habituou as filhas a ajudarem no sustento familiar estando na loja depois das aulas e nas férias e na realização das tarefas domésticas.
Nesse tempo aprendemos que as bananas faziam mal à barriga, que o fiambre era uma coisa esquisita e que a carne de vaca era muito pesada, sendo preferível a galinha e o porco, que de resto os familiares criavam.
Em 1993 juntei os trapinhos.
Tinha 21 anos estava no terceiro do curso de Direito em Coimbra e ao arrepio de pais e sogros perdi-me de amores por um colega de curso. Sem pensar muito, arrendámos casa. Nos primeiros seis anos almocei religiosamente em casa da minha santa sogra, por manifesta ausência de meios.
Em 2003 tive um filho.
Tínhamos ido para a Madeira para onde havíamos ido trabalhar uns anos antes. Em 2003 tivemos o nosso primeiro e único filho, madeirense, com a graça divina.
Que balanço fazer?
Bem, a minha mãe criou com coragem duas filhas a quem deu sustento, educação, viagens e mundo e a quem proporcionou estudos universitários a 150 km de casa.
A minha sogra, na altura quase septuagenária e pese embora a admiração por Salazar, tratou-me bem, ajudou-nos muito, mau grado achar aquilo tudo muito precipitado e errado.
Quinze anos e quinze kilos depois, continuamos juntos. A Madeira foi um sítio magnífico para se viver uns anos, o filho madeirense é um rapaz esperto e robusto.
2009 vai ser um ano difícil? Possivelmente vai. Todavia, aprendi em 1984 que quem não tem cão, caça com gato, mas caça. Ficar fechado em casa à espera que a comida nos venha bater a porta é que não.
Continuo a achar que foi uma sorte não ter sido educada a comer bananas, fiambre e bifes de vaca, são, afinal de contas, tudo coisas que engordam e fazem mal.