segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Pentimento: "A Troca"

O mais recente Clint Eastwood a estrear em Portugal é uma desilusão. Não belisca o lugar de Clint (já pus moedas num parquímetro de Carmel, a terrinha pacata junto ao Pacífico da qual o senhor foi "mayor", portanto posso tratá-lo assim) entre os grandes directores americanos vivos, ao lado de Coppola, Scorsese, John Sayles, Spielberg, Woody Allen e Michael Mann. Mas Eastwood é, entre todos, o que melhor continuou, actualizando, (os outros revolucionaram, e Eastwood - e Sayles - não são de revoluções, são de reformas) a tradição do cinema clássico americano, nascido em 1929 e morto por volta de 1960 (Godard, Antonioni, Cassavettes e Karel Reisz carregaram o caixão).
"A Troca", baseado num caso que abalou a Califórnia em 1928, é um melodrama sobre a luta de uma mãe solteira (Jolie, impecável) para encontrar o filho de nove anos desaparecido, depois de a polícia de Los Angeles lhe entregar um rapaz que ela jura não ser o seu. Durante meio filme, a máquina do destino é posta em marcha, e o percurso de Christine Collins é feito de sofrimento e angústia contra a indiferença, a incúria e as conveniências políticas da LAPD, num quadro social de época que amordaça as mulheres que se atrevem a sair de um certo silêncio parcimonioso. Christine/Jolie é desprezada, insultada, enfiada num sanatório e tida como louca, e nós sofremos as suas agruras como se fossem nossas - é a arte de Eastwood.
Mas, a certa altura, opta-se pela distensão do tempo dramático quando mais deveríamos acelerar rumo ao objectivo que nos foi proposto de início: conseguirá Christine encontrar o filho Matthew? O filme começa a ocupar-se de dois julgamentos (o do presumível assassino de Matthew, numa replicação dos Wineville Chicken Murders que chocaram a América dos anos 20, e o das forças policiais de Los Angeles, que enganaram e oprimiram Christine), colocando o espectador demasiado à frente das personagens: as cenas são longas, arrastam-se, e todos já pressentimos o seu inevitável desfecho.
Quando pensamos ir regressar ao que nos trouxe à sala - e a pobre mãe, recupera o filho? -, Clint faz mais um desvio, mostrando-nos com pormenor a execução por enforcamento do presumível assassino, numa cena de opções éticas e estéticas dissonantes do resto do filme - a "câmara subjectiva" do infanticida o que está ali a fazer? -, sem qualquer tipo de informação útil para a progressão da intriga (Clint, sendo um firme opositor da pena de morte, quer mostrar-nos a lenta e cega violência da solução de Estado, mas já o tinha feito em "Crime Real").
Ao regressarmos - finalmente - ao que nos levou a sair de casa, enfrentar a chuva, aturar os arrumadores, gastar doze euros, suportar os telemóveis, tolerar os espirros, ignorar os lapsos de focagem e tentar esquecer o cheiro das pipocas, Eastwood (já estou irritado, é altura de o tratar pelo apelido) retira-nos a recompensa emocional, rematando tudo num epílogo apressado.
Não se trata da brilhante austeridade - e do quase bergmaniano "silêncio de Deus" (desculpem, tropecei no texto de um crítico português encartado e ia quase caíndo) - de "Million Dollar Baby" e "Mystic River". Trata-se de uma inexplicável ruminância de factos e recursos dramáticos no coração emocional do filme - o desenlace da via sacra de Christine -, deixando-nos sempre dois passos à frente da protagonista. Eastwood sabe bem a diferença entre surpresa e suspense, mas parece ter-se esquecido momentaneamente dela em troca de um respeito demasiado estrito pela sequência dos factos (o filme baseia-se, muitas vezes de forma literal, em documentos depositados na Câmara de L.A. e nas transcrições originais dos julgamentos).
Eastwood de qualidade, sem dúvida, mas bem longe do Clint "vintage". Esperemos pelo próximo, que chega já em Fevereiro: "Gran Torino".

3 comentários:

Anónimo disse...

É esperar pelo Gran Torino que é uma obra-prima, my opinion.

Vasco M. Grilo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vasco M. Grilo disse...

Vi o "Gran Torino" numa gigante sala de um tipico cinema dos suburbios de Newark. Um ambiente bastante em linha com o conteudo do filme. Nao sei se e' uma obra prima mas o Clint (ou Eastwood) e' como sempre absolutamente magnifico. Temos de aproveitar a ocasiao pois anuncia-se como o ultimo filme em que participa como actor.