Falta um boné nas mãos de Sócrates
A primeira vez que a vi foi descendo o Guadiana, nos idos anos 80. Mértola deu-se a conhecer, imponente e sóbria, de pedra e cal, como um porto seguro para quem chega exausto depois da longa viagem azul a partir de Jeromenha. Não havia Alqueva e o Pulo do Lobo era evitado por curto desvio pelas aldeias do fim.
Muito mudou. Desde os anos 70 que a vontade de voltar a ser única no Alentejo construiram a imagem de marca da vila.
Sabíamos que Mértola era o último porto do Guadiana, a partir da foz. Agora os títulos dos panfletos explicam que se trata do último porto do Mediterrâneo. Conhecíamos os mitos da presença muçulmana no Al Andaluz transformado no Paraíso do Islão, alcançado e por alcançar. Em Portugal, apontávamos Silves como a grande musa inspiradora para reis e poetas árabes. Mas para quem visita Mértola agora, parece que o Algarve é como um subúrbio do centro de interesses da civilização islâmica e que os três séculos de presença muçulmana nesta vila vingaram mais do que todos os outros romanos ou cristãos.
Não quero fazer análise histórica pela aritmética dos séculos. O que seria da Irlanda, da Polónia ou da Hungria apenas com o tempo de ocupação que viveram. É conhecida também a tendência para contar a História de Portugal de Norte para Sul, ao sabor da Reconquista Cristã, favorecendo os heróis e as raizes da nacionalidade. Uma leitura mais atenta diz-nos que toda a Civilização veio do Sul e que os autóctones pouco se mexeram com a entrada e saída de cartagineses, romanos, suevos, árabes ou cruzados.
Para quê então esta narrativa que nos leva a ter, em Mértola, a construção de uma imagem de marca tomada por um período de três séculos? O heroi a cavalo na porta do castelo contruído por um Rei português, é muçulmano. Na propaganda, a Igreja Matriz é apresentada como a única Mesquita de Portugal. Ora é sabido que, em todo o Alentejo - e até a Sé de Lisboa - os templos cristãos foram construídos nas fundações das Mesquitas que, por sua vez, se fizeram erguer na base de outros templos cristãos visigodos. A Arqueologia é fértil no aproveitamento das pedras de sinal contrário, como se viu na grande exposição do Jubileu do Ano 2000 na Alfândega do Porto.
Esta lógica pendular da leitura histórica é como a da toponímia de Mértola, ainda ocupada pelos nomes dos heróis vermelhos. Ou será apenas uma táctica turístico-comercial para vender mais um destino?
Mértola é mais rica e mais verdadeira do que isso. Basta lá chegar pelo rio e ceder aos seus encantos.
Passava um minuto da meia noite e meia de ontem quando o Correio da Manhã fez publicar seis linhas on line sobre a ilibação de Helena Lopes da Costa das graves acusações de que foi alvo, há dois anos, durante a campanha para as Autárquicas de Lisboa. Sob o título «Ex vereadora absolvida», a timidíssima notícia adianta «O Tribunal da Relação de Lisboa não deu provimento ao recurso do Ministério Público sobre a não pronúncia da Ex Vereadora da Câmara de Lisboa, Helena Lopes da Costa, a propósito da atribuição de casas da autarquia. O Ministério Público tinha feito uma acusação por cerca de 20 crimes mas a actual deputada não foi pronunciada e julgada». Na época, os jornais não falaram em cerca de 20 crimes mas em 22. Deram-lhes nomes e pormenores sórdidos. O título do DN denunciou o «Lisboa Gate», a SIC falou no assunto de hora a hora, tal como os outros canais de TV.
Bem sei que o CM fecha antes da meia noite e que a edição escrita de hoje não poderia incluir esta notícia. Veremos o CM de amanhã. Mas, se houvesse algum sentido de proporção e de pudor, já não digo de Justiça, o erro sobre a acusação de alguém inocente deveria ser minimamente destacado on line.
Recordo como tudo surgiu: estava em discussão se Santana Lopes deveria ser candidato a Lisboa. Lançaram-se suspeitas graves sobre a atribuição indevida de casas a próximos de Santana que chegou a ser constituído arguido durante um tempo. A campanha foi para a frente com esta «bandeira eleitoral» até que, afinal, a investigação fez surgir casas e mais casas entregues a dirigentes da esquerda virtuosa e a proto-intelectuais, como Baptista Bastos. O assunto arrefeceu, não fosse a lama da ventoínha continuar a espirrar para mais nomes da rosa.
Veio a verificar-se agora que as acusaçõas à Vereadora de Santana não passaram de uma atoarda. Curiosamente na mesma semana em que um canal de televisão faz uma peça com Helena Roseta a dizer que as rendas de casa vão passar a ser conforme os rendimentos dos inquilinos para acabar com os abusos de longa data. A peça «jornalística» não cuidou de ouvir a Oposição na CML sobre a mesma matéria, o que no meu tempo de jornalista seria um pecado mortal. Nem tão pouco se interrogou porque é que essa actualização ainda não foi feita, ao fim de quatro anos de poder PS na CML. E nem se informou do preceito, inaugurado pelo socialista Vasco Franco nos anos 90, de actualizar anualmento o levantamento das rendas. Sabemos que a fiscalização e manutenção das boas regras é menos empolgante. Mas deve ser feita porque há muito tempo que acabou o arraial das campanhas e dos amanhãs que cantam. Poder é responsabilidade. Poder é trabalho. Poder é serviço.
Mas, aparentemente, nascemos todos hoje, como as notícias do dia.