quinta-feira, 30 de março de 2023

Hitler e os bem pensantes IV

 


Num documentário soviético sobre a vitória russa sobre os nazis em 1941 viam-se padres ortodoxos a exortar a pessoas e procissões na rua (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 113). Isto mostra a força do cristianismo ainda nos anos 1940, mas também a vontade de Estaline manipular o sentimento religioso dos russos.

 

Hitler está contra a oposição entre o soldado e o técnico; mas sem a técnica não se vencem guerras (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 116).

 

Hitler defende o método experimental (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 120).

 

Hitler está contra a intervenção exagerada da polícia, é melhor corrigir os desvios com o exemplo (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 121). Defende a autonomia dos municípios e das províncias e está contra políticas de hegemonia de umas em relação a outras (pp. 168, 174).

 

Hitler faz pouco dos nobres porque estão preocupados com a árvore genealógica das suas futuras mulheres (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 124). É uma observação curiosa, porque revela, fora das suas intenções, a importância que é dada ao sangue feminino na nobreza europeia. Mas ao mesmo tempo reconhece que a perda de algumas centenas de homens não é problema para a sobrevivência de uma raça, como se viu após a Guerra dos Trinta Anos em que aumentou a poligamia, mas a perda de mulheres sim (p. 211).

 

Há muitas circunstâncias em que não se pode obrigar as mulheres a ficarem com os seus maridos, como os que as maltratam assediam ou deixam as suas mulheres morrer à fome (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 218). E é importante dar bons salários às mulheres (p. 219).

 

Hitler tem discurso anti-colonialista, quer a independência do Egipto (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 126). Sempre foi contra a colonização pela Alemanha para o Sul e o Ocidente, quer dirigir-se para Leste, como prometeu no «Mein Kampf» (ROUSSILLON, Sylvain, L’Épopée Coloniale Allemande, Via Romana, Le Chesnay, 2021, p. 242). A Alemanha, quando do armistício de 1940, teria podido exigir a devolução do Togo e dos Camarões e não o fez, a única tentativa séria de implantação ultramarina será a da Nova Suábia (p. 243).

 

Otto von Hentig em 1937 negoceia com os sionistas a transferência de judeus para a Palestina, mas tanto Hitler como os ingleses mostram-se reticentes (ROUSSILLON, Sylvain, L’Épopée Coloniale Allemande, Via Romana, Le Chesnay, 2021, pp. 244-245).

 

O camponês, depois de cumpridos os seus deveres em relação ao Estado, tem o direito de fazer o que quiser da sua produção (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 122).

 

Hitler censura a tendência para retirar autonomia aos funcionários públicos, estes devem ter uma missão e ter liberdade na forma de a cumprir (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 142). No fundo, a gestão por objectivos.

 

É fundamental que a escola permita que o mais pobre dos rapazes possa aceder a todas as posições sociais (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 145). Um rapaz não deve ser obrigado a seguir a profissão do pai, mas seguir a sua inclinação e as suas capacidades (p. 146).

 

Os juristas não querem reconhecer o valor da aplicação prática do direito, mas os delinquentes conhecem-na muito bem (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 148). Quem se dedica a uma profissão jurídica ou é deficiente, ou torna-se com o tempo (p. 154). O desprezo em relação aos juristas de Lutero mantem-se presente em Hitler. Os juristas são cosmopolitas como os delinquentes, mas sem ter a habilidade dos últimos (p. 171).

 

Se Hitler defendia a propriedade privada, era contra as sociedade anónimas e o anonimato do capital (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 150).

 

O povo alemão não é apenas o resultado da civilização antiga e do cristianismo, a estes deve-se juntar um outro factor: a força política, como o foi o império carolíngio (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 155).

 

Com eleições livres corre-se o risco de escolher um idiota, como acontecia com a eleição de alguns imperadores alemães (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 158). O Führer deve ser escolhido por eleições e investido de poderes absolutos (p. 160), a sua eleição não deve ter lugar sob os olhos do povo, mas a porta fechada como o papa (p. 161), e o Novo Führer deve separar completamente o poder executivo do legislativo (p. 161).

 

A comparação entre o Reich e o império britânico aparece em Hitler: o Reich vai permitir ao jovem alemão fazer tirocínio num vasto império, como o inglês o pode fazer já (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 190).

 

O sentido fanático de pertença ao Reich e da unidade do Reich (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 191) aproxima-o dos fundamentalistas islâmicos.

 

O próprio Hitler admira a URSS por ser mais totalitária e apenas permitir acesso em cadeia às estações de rádio e não acesso livre como na Alemanha (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 192).

 

O que Hitler admira na Igreja Romana é o seu sentido de festa (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 195). Perante os esforços de Lutero para conduzir a Igreja à contemplação mística numa Igreja já totalmente secularizada, os jesuítas fizeram apelo aos sentidos (p. 221).

 

A justiça deve ser rápida, ao delito deve seguir-se imediatamente a pena se se quer que a coisas funcionem (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 172). Deve agir-se com rapidez e brutalidade (p. 173).

 

Já que os árabes não querem os judeus na Palestina o melhor é levá-los para África dizia Hitler ainda em 15 de Maio de 1942 (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 206, cf. p. 12 em que se refere Madagáscar).

 

O protestantismo não hesitou em queimar as bruxas, enquanto episódios do género não se encontram na História italiana (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 221).

 

Hitler ficava muito feliz quando era contraditado com palavras apropriadas (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 12).

 

Alexandre Brandão da Veiga

 

(mais)

terça-feira, 28 de março de 2023

Hitler e os bem pensantes III

 


Cristo era um ariano, e Paulo abusou da sua teoria para a divulgar entre a maralha (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 230).

 

Hitler manteve a fidelidade a Mussolini mesmo depois de este ter caído (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, pp. 260, 266).

 

Hitler ainda em 23 de Março de 1942 diz que devemos estar gratos a Estaline por ter afastado os judeus da arte (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 252). De entre as obras de arte sequestradas dos judeus não se encontravam obras da arte degenerada (p. 255), dando a entender que os próprios judeus vendiam arte contemporânea mas não a compravam.

 

O profundo amor de Hitler pela Itália em PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 266. Só na Grécia e na Itália o espirito germânico encontrou um ambiente favorável, levou séculos a que o espírito germânico se desenvolvesse no clima do Norte (p. 273). Os supostos símbolos de civilizações nas descobertas arqueológicas na Alemanha deixavam-no céptico, atribuía-os a povos não germânicos (p. 274). Preferia mesmo os alemães do Sul aos prussianos (p. 274).

 

Segundo PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 286, Hitler chega ao poder por Hidenburg preferir uma solução legal à ditadura militar de Schleicher.

 

«Eu adoro os animais, e em especial os cães. Mas não tenho nenhuma simpatia pelo bóxer» (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 269.

 

Hitler diz que se tem muito a aprender com os métodos do franceses na Alsácia quando reprimiram a influência alemã nesta província (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 201).

 

Há uma coisa em que os soviéticos são melhores que os alemães: na espionagem (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 55).

 

Como bom racionalista Hitler ri-se de quem invoca a intervenção da Mãe de Deus (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 74).

 

O facto de os políticos franceses passarem férias na província serve de antidoto contra o seu jacobinismo centralizador (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 77). Hitler tem a maior desconfiança em relação aos sistemas centralizados (p. 179).

 

Hitler é contra a História contra-factual (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 182).

 

Os métodos preservativos devem ser desenvolvidos entre as populações ocupadas (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 80).

 

Entre as populações ocupadas deve espalhar-se a desconfiança em relação às vacinas (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 80).

 

O mito Rosenberg não é a doutrina do partido, e Hitler por várias vezes recusou o estatuto dogmático dele (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 184).

 

Hitler opunha-se a toda a tentativa de exportação da ideologia nacional-socialista (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 188).

 

Segundo Hitler, Estaline disse a Ribbentrop que espera apenas que esteja formada a URSS para acabar com os judeus de que precisa em cargos directivos (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 83). Por detrás de Estaline está o programa hebraico da ditadura do proletariado (p. 78).

 

Hitler defendia o monopólio estatal do tabaco e que a maioria das propriedades agrícolas conquistadas a Leste deveriam pertencer ao Estado em benefício do Reich (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 95).

 

Para Hitler os Estados Unidos são exemplo de civilização industrial (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 97).

 

Para Hitler as fases mais importantes da guerra são a ocupação da Noruega e a campanha russa (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 104). Omite a campanha contra a França, supremo desprezo.

 

(mais)

segunda-feira, 27 de março de 2023

Hitler e os bem pensantes II

 

Para Hitler os negros tornaram-se porcos apenas quando os missionários os vestem, quando andam nus são perfeitamente limpos (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 25). Também Hitler crítica as missões por terem desvirtuado os africanos.

 

Uma delegação finlandesa, depois da guerra com os russos abordou Hitler para ser um protectorado alemão (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 37). Quando Hitler visitou a Finlândia, o marechal Mannerheim, o herói da liberdade finlandesa, ficou feliz com esta visita, e o Presidente da República Ryti também se mostrou acolhedor (p. 59). O general Dietl não é apenas popular na Alemanha, mas também na Finlândia (p. 118).

 

Hitler queria que se fizessem na Holanda duas escolas políticas, uma para rapazes, outra para raparigas (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 40).

 

A relação de Hitler com o cristianismo revela-se de forma paulatina ao longo das conversas. A sua relação com o cristianismo aproxima-o do Maio do 68 e da sua concepção simplista, tanto do cristianismo, como do paganismo. Hitler não queria a formação de igrejas unitárias para vastas porções do território russo a ocupar (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, pp. 43, 243). Hitler opunha-se aos clérigos filo-semitas (p. 51). Não queria visitar a Espanha nunca (p. 60), onde não é possível uma revolução nacional como na Alemanha e na Itália por causa do poder da Igreja Católica (p. 61). A Espanha não é fascista (p. 72). Mas recusa a ideia de que os espanhóis são preguiçosos, viu-os trabalhar (p. 74). Se os italianos e os espanhóis querem ser católicos é problema deles (p. 231). Os padres e os monárquicos são os piores inimigos do despertar germânico (p. 62). Instituiu o cargo de «bispo do Reich» para trazer luz ao problema da Igreja Evangélica (p. 63). Os construtores navais da era cristã esqueceram-se das formas naturais dos peixes quando faziam navios, ao contrário dos antigos (p. 115). O Império Romano foi vencido, não pelos germanos ou os hunos, mas pelo cristianismo (p. 144), tese de Gibbon revistada. Mostra simpatia pelo Juliano, o Apóstata (p. 144), que ocorre entre a extrema direita e o Maio de 68. Para a perseguição contra os cristãos toma como exemplo o imperador Juliano (p. 12). Se o papado sobreviveu apesar das premissas absurdas do cristianismo, foi por mérito da grandiosa organização da Igreja (p. 159). O cristianismo falhou por não ter transferido o seu princípio metafísico no plano material (p. 78 – não se percebe bem o que quer dizer com isto, mas vale como crítica). O cristianismo é fanático e intolerante (p. 164). A Igreja lutou sempre contra a livre investigação e ainda hoje em dia se vê nas escolas o absurdo de ensinar a teoria da evolução e o Génesis ao mesmo tempo (p. 222). Se a Igreja tivesse praticado a lei do amor, não teria resistido muito tempo, foi através da tortura e na fogueira que fez o seu poder (p. 238). Não se percebe se estes momentos de brutalidade lhe provocam admiração, ou não. Tem como modelo de estilo as conversas entre Frederico II e Voltaire, que admirava (p. 223). E só se pode rir perante a pretensão de um santo católico como Santo António, de mortificar a carne (p. 198). De entre a oposição ao nazismo inclui o catolicismo político (p. 165). Pensa que há uma íntima colaboração entre a Igreja Católica e os assassinos de Heydrich (p. 245). Como muitos do Maio de 68 admira a responsabilidade colectiva das famílias no Japão, em que toda família responde pelos crimes de um dos seus membros (p. 175). O Japão teve a sorte, como aconteceu com o maometanismo, de ter uma religião de Estado não corrompida pelo cristianismo (p. 234). É a favor de energias renováveis como a do vento, e da produção local de energia (p. 179). Quer expulsar os judeus e os cristãos da vida política alemã (p. 196). Depois da Guerra tomará medidas que tornarão praticamente impossível aos jovens serem conquistados pela Igreja Católica (p. 236). Como o Maio de 68 diz que a burguesia é vil (p. 196), nenhuma classe é mais obtusa que a burguesia (p. 205). Não se deve dar valor excessivo à vida individual (p. 229). E coloca-se em oposição à Igreja e à nobreza (p. 200). Se não temos nada a ver com as crenças do paganismo romano e grego, os seus monumentos são um testemunho arquitectónico (p. 227). Como os do Maio de 687 queixa-se de que o cristianismo retira a alegria do belo (p. 229). Hitler achava que um dia no futuro todos terão direito de serem felizes cada um a seu modo, como o mundo antigo tinha conhecido, em que ninguém obrigava os outros a converterem-se aos próprios deuses (p. 233). Como o Maio de 68 não gosta das academias (p. 253), e não gosta dos purismos da língua (p. 250) e defende que a língua alemã se enriquece com a vinda de palavras de outras línguas (p. 251). A libertação de preconceitos é um dos argumentos de Hitler (p. 291).

 

Quando lhe propõem que sejam transferidas para a Alemanha obras de arte que nasceram na Alemanha e estão no museu de Cracóvia, Hitler está contra porque diz que, se assim fosse, abria-se um precedente sem fim (ROUSSILLON, Sylvain, L’Épopée Coloniale Allemande, Via Romana, Le Chesnay, 2021, p. 256): precisamente o que defende o Museu Britânico.

(mais)

sexta-feira, 24 de março de 2023

Hitler e os bem pensantes I

 


 

 

Deixo de forma algo crua o que resulta de conversas pessoais de Hitler, numa tradição de conevsras à mesa que já existia em relação a Lutero. Deixo para quem ler a escolha. Cada um verá o que acha mais proixmo das ideologias actuais. 

É curioso como PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p.11, diz que as conversas de Hitler são banais por se referirem às consequências nocivas de fumar, mas que a mesma prole de bem pensantes noutras áreas ache essencial falar da proibição do tabaco.

As relações com os ingleses e o Leste europeu são duas faces da mesma moeda. Hitler quer que os alemães sejam os ingleses dos restantes europeus. Hitler defendia que depois do fim da guerra deveria existir uma amizade duradoura com os ingleses (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 17). O que é a Índia para os ingleses será a Europa de Leste para os alemães (p. 19). É significativo que isto seja omitido: o mais considerado movimento mais racista do mundo era racista antes do mais com europeus, e queria colonizar, não os outros continentes, mas os europeus. As classes superiores inglesas são maravilhosas mas as inferiores não valem nada, ao contrário das classes inferiores alemãs que são satisfatórias (p. 36). Os ingleses são hipócritas, porque antes da guerra adoravam os teatros alemães e agora chamam os alemães de bárbaros (p. 45). O único inglês que percebeu a realidade actual é o duque de Windsor que queria deixar os alemães colonizar o Norte da Austrália para ser um escudo contra o Japão (p. 50). Lembra que os ingleses aceitaram a ajuda do Japão na I Guerra Mundial (p. 55). Nas zonas ocupadas dever-se-ia usar os métodos que os ingleses usavam nas suas colónias (p. 81). Os territórios de Leste são essenciais para o povo ter as matérias-primas essenciais (p. 90). Tinha o eterno sonho da aliança anglo-alemã (p. 96). Embora em geral tivesse desprezo pelos eslavos, em relação aos eslavos do Sul não via o problema da sua germanização sob o ponto de vista rácico, mas tinha objecções sob o ponto de vista político (p. 204). É a negação do pensamento platónico. Os gregos não devem fazer escravos dos outros gregos, até porque se estiverem juntos terão mais força para atacar os bárbaros (Rep. 469b-c) (PLATONE, Repubblica, Bompiani, Milano, 2019, pp. 596-597). Bismarck pessoalmente era contra a colonização (ROUSSILLON, Sylvain, L’Épopée Coloniale Allemande, Via Romana, Le Chesnay, 2021, p. 35). 

As escolas alemães são mais democráticas que as inglesas (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 239). 

Hitler dizia que não se sentia talhado para ser profeta ou Messias (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 240). 

Hitler gostava da esquerda revolucionária francesa porque lhe servia os interesses (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 18). 

A América pretende ficar com a herança britânica e um dia a Alemanha e a Inglaterra estarão juntas contra a América (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015,m p. 20). 

A relação do Hitler com os muçulmanos é igualmente significativa. Hitler entendia que se devia fazer um pacto de amizade com os turcos e deixar-lhes na íntegra a gestão dos Estreitos (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 21). Kemal Ataturk, de olhos azuis, é um descendente dos berberes que os alemães deixaram no Norte de África, como os curdos o são na Ásia Central (p. 23). A religião dos turcos impede-os de se aproximar de outras grandes potências, como os russos (p. 32). A queda de Sebastopol fez explodir o ódio dos turcos em relação aos russos (p. 70). O grande Mufti, com a sua paixão nacional, considera a política na perspectiva do interesse árabe, e com os seus cabelos louros e olhos azuis, apesar da sua cara de sapo, revela que deve ter antepassados arianos, e eventualmente o melhor sangue romano (p. 70). Sabia que Ancara fazia parte do mundo islâmico (p. 76). Achava essencial uma ligação ferroviária com Constantinopla (p. 105 – não usa o nome de Istambul). 

O povo alemão é demasiado inteligente para dar ouvidos à nobreza, a nobreza está bem para os pequenos povos periféricos (PICKER, Henry, Conversazioni di Hitler a Tavola, Res Gestae, Milano, 2015, p. 22). Hitler censurava a arrogância dos inúteis aristocratas e a sua conversa fútil (p. 47). As classes mais altas, que se preocupam com a sorte dos judeus, não mostraram nenhuma preocupação com os milhares de alemães que tiveram de emigrar por miséria (p. 164). É difícil encontrar alguém mais estúpido que um rei (p. 176). Os operários da Krupp e os mineiros são os verdadeiros representantes de uma humanidade superior (p. 189). Mais que Thatcher, que vinha de pequenos comerciantes, Hitler admira os mineiros.

(mais)

quinta-feira, 9 de março de 2023

A auto-referência

 


 

Em pelo menos três áreas a auto-referência cria desconforto. Na ética, na gramática, na lógica.

O auto-insulto, ou o auto-elogio têm estatutos muito diversos da referência aos outros. Podemos ser justos ou injustos ao insultar ou elogiar outra pessoa. Podemos sê-lo igualmente quando o fazemos em relação a nós mesmos. Mas quando alguém diz que é modesto ou diz que é o pior dos homens, há algo de bizarro que nos invade. De uma forma ou de outra, a auto-referência cheira a narcisismo.

Na gramática, pelo menos nas línguas indo-europeias, tão ricas em flexões verbais, o pronome «eu» tem sempre histórias estranhas. Se a própria flexão verbal indica a pessoa e o número (e na voz passiva em muitos casos igualmente o género), para que serve um pronome «eu» no nominativo? A auto-referência cheira a inutilidade.

Na lógica a auto-referência é porta de entrada para os paradoxos. Nem sempre gera paradoxos, e nem todos os paradoxos nascem da auto-referência, mas sempre que entramos no seu terreno sabemos que é savana perigosa. Na lógica cheira a paradoxo.

Narcisismo, inutilidade e paradoxos são sempre os perigos da auto-referência. Mas isto sou eu a dizê-lo. E que sei eu disso?

 

Alexandre Brandão da Veiga

 

(mais)