Edgar Morin e os turcos
Um amigo meu brasileiro colocou-me um desafio. Disse-me que Edgar Morin tinha recentemente afirmado que a Turquia era um grande país europeu porque havia dominado parte da Europa e participado na História europeia.
Não sei se o senhor disse tal despautério e não o quero difamar. Não me interessa a autoria, mas o conteúdo da informação, que é tão corrente entre semi-providos. E, quanto ao conteúdo, apenas prova a inépcia lógica de quem profere, salvo se tais afirmações só se deverem a desonestidade intelectual.
Existem duas demonstrações da falsidade desde argumento. A primeira pela via positiva, e segunda pelo absurdo.
Pela positiva já demonstrei desenvolvidamente alhures que a Europa é a fusão de quatro camadas, os substratos autóctones da Europa, o paganismo indo-europeu, o cristianismo e o mito da queda do império romano. Não repito aqui a demonstração. Apenas lembro que os quatro requisitos são cumulativos. Um país a que falte um deles não é Europa. Ora à Turquia não faltam um, nem dois, nem três requisitos: faltam todos. Não se aproxima sequer da possibilidade de ser cultura próxima da europeia.
Sob o ponto de vista positivo igualmente, não vale o argumento da europeização da cultura. Todo o mundo está europeizado de uma forma ou de outra. Todos os que usam carros, aviões, electricidade estão europeizados. E aprende-se mais cultura europeia no Líbano (ou em tempos no Egipto) que na Turquia. A Turquia tem ciclos históricos muito semelhantes aos da Ásia Central, às restantes áreas turcófonas, tendo sofrido de um triplo movimento de laicização, turquificação e islamização. Tal como o Arzebeijão, o Cazaquistão, ou o Turquemenistão.
Não perco mais tempo com a demonstração positiva. A mais divertida é a demonstração por absurdo. Apesar de tudo continuo a entender que a lógica tem um papel no discurso humano e, parafraseando Poincaré, quem conteste na íntegra a razão e a linguagem humana, apenas se pode reduzir a balbuciar e a emitir gritinhos.
Vejamos pois uma dupla demonstração pelo absurdo.
Em primeiro lugar outras culturas dominaram o espaço europeu em parte.
a) A Pérsia dominou muito antes dos turcos uma parte do espaço grego. De onde as moreias deste mundo deduzirão que a Pérsia é a uma grande cultura europeia, ainda mais antigamente europeia que a Turquia.
b) Os árabes dominaram a Península Ibérica, parte da Itália do Sul e uma franja da França meridional bem como a Sicília, muito antes dos turcos. E no que respeita à Península Ibérica por muito mais tempo que turcos estiveram nos Balcãs. De onde se retiraria que a cultura árabe é uma cultura europeia bem mais antiga a permanente que a turca.
c) Os tártaros dominaram toda a Europa Oriental e boa parte da Europa Central. Domínio bem mais vasto na Europa que o dos turcos. De onde decorre que a cultura tártara é uma cultura europeia bem mais vasta que a turca.
Eis a primeira demonstração por absurdo. Vamos pois à sua inversa, à sua segunda versão.
Portugal dominou durante três séculos o que veio a ser metade da América Latina, o Brasil. Não apenas dominou. Mais: criou. De tal forma a que ainda se fala lá a sua língua e ainda lá permanecem muitos dos seus monumentos e instituições, ao contrário do que se passou com os turcos na Europa.
De onde resulta que Portugal é uma grande cultura latino-americana. O mesmo se diria da Espanha.
O mesmo se diga de África. Durante um século Portugal dominou quase em exclusivo todas as costas da África, mais do que alguma vez algum país africano fez, o que mostra que é mais africano que os países africanos. E durante meio milénio dominou um território que veio a representar cerca de dois milhões de quilómetros quadrados. Bem mais que o espaço turco na Europa. E mais uma vez deixou a sua língua, a sua religião, a sua cultura. Coisa que os turcos não fizeram. De onde se tem de retirar que Portugal é uma grande cultura africana.
Não sei se o agradável senhor proferiu esta frase ou semelhante. E espero bem não o estar a difamar, porque sempre tive a esperança de que tivesse sentido lógico. Por isso preferi não acreditar que o tenha dito. Mas a quem quiser usar de tal lógica, que se lembre então que Roma é uma grande cultura asiática, a Grécia clássica em Marselha uma grande cultura gaulesa, e quem diz coisa tão fora do mundo, um grande cultor de extraterrestres idiotices.
Alexandre Brandão da Veiga
Não sei se o senhor disse tal despautério e não o quero difamar. Não me interessa a autoria, mas o conteúdo da informação, que é tão corrente entre semi-providos. E, quanto ao conteúdo, apenas prova a inépcia lógica de quem profere, salvo se tais afirmações só se deverem a desonestidade intelectual.
Existem duas demonstrações da falsidade desde argumento. A primeira pela via positiva, e segunda pelo absurdo.
Pela positiva já demonstrei desenvolvidamente alhures que a Europa é a fusão de quatro camadas, os substratos autóctones da Europa, o paganismo indo-europeu, o cristianismo e o mito da queda do império romano. Não repito aqui a demonstração. Apenas lembro que os quatro requisitos são cumulativos. Um país a que falte um deles não é Europa. Ora à Turquia não faltam um, nem dois, nem três requisitos: faltam todos. Não se aproxima sequer da possibilidade de ser cultura próxima da europeia.
Sob o ponto de vista positivo igualmente, não vale o argumento da europeização da cultura. Todo o mundo está europeizado de uma forma ou de outra. Todos os que usam carros, aviões, electricidade estão europeizados. E aprende-se mais cultura europeia no Líbano (ou em tempos no Egipto) que na Turquia. A Turquia tem ciclos históricos muito semelhantes aos da Ásia Central, às restantes áreas turcófonas, tendo sofrido de um triplo movimento de laicização, turquificação e islamização. Tal como o Arzebeijão, o Cazaquistão, ou o Turquemenistão.
Não perco mais tempo com a demonstração positiva. A mais divertida é a demonstração por absurdo. Apesar de tudo continuo a entender que a lógica tem um papel no discurso humano e, parafraseando Poincaré, quem conteste na íntegra a razão e a linguagem humana, apenas se pode reduzir a balbuciar e a emitir gritinhos.
Vejamos pois uma dupla demonstração pelo absurdo.
Em primeiro lugar outras culturas dominaram o espaço europeu em parte.
a) A Pérsia dominou muito antes dos turcos uma parte do espaço grego. De onde as moreias deste mundo deduzirão que a Pérsia é a uma grande cultura europeia, ainda mais antigamente europeia que a Turquia.
b) Os árabes dominaram a Península Ibérica, parte da Itália do Sul e uma franja da França meridional bem como a Sicília, muito antes dos turcos. E no que respeita à Península Ibérica por muito mais tempo que turcos estiveram nos Balcãs. De onde se retiraria que a cultura árabe é uma cultura europeia bem mais antiga a permanente que a turca.
c) Os tártaros dominaram toda a Europa Oriental e boa parte da Europa Central. Domínio bem mais vasto na Europa que o dos turcos. De onde decorre que a cultura tártara é uma cultura europeia bem mais vasta que a turca.
Eis a primeira demonstração por absurdo. Vamos pois à sua inversa, à sua segunda versão.
Portugal dominou durante três séculos o que veio a ser metade da América Latina, o Brasil. Não apenas dominou. Mais: criou. De tal forma a que ainda se fala lá a sua língua e ainda lá permanecem muitos dos seus monumentos e instituições, ao contrário do que se passou com os turcos na Europa.
De onde resulta que Portugal é uma grande cultura latino-americana. O mesmo se diria da Espanha.
O mesmo se diga de África. Durante um século Portugal dominou quase em exclusivo todas as costas da África, mais do que alguma vez algum país africano fez, o que mostra que é mais africano que os países africanos. E durante meio milénio dominou um território que veio a representar cerca de dois milhões de quilómetros quadrados. Bem mais que o espaço turco na Europa. E mais uma vez deixou a sua língua, a sua religião, a sua cultura. Coisa que os turcos não fizeram. De onde se tem de retirar que Portugal é uma grande cultura africana.
Não sei se o agradável senhor proferiu esta frase ou semelhante. E espero bem não o estar a difamar, porque sempre tive a esperança de que tivesse sentido lógico. Por isso preferi não acreditar que o tenha dito. Mas a quem quiser usar de tal lógica, que se lembre então que Roma é uma grande cultura asiática, a Grécia clássica em Marselha uma grande cultura gaulesa, e quem diz coisa tão fora do mundo, um grande cultor de extraterrestres idiotices.
Alexandre Brandão da Veiga
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