A fragilidade religiosa
agudiza-se pela pobreza da exegese islâmica não habituada a confrontar-se com a
crítica. Dois exemplos.
Na tradição islâmica Cristo
não morreu na cruz. Ora os testemunhos mais próximos dos factos são unânimes.
Houve um Jesus que morreu na cruz. Bem sabemos: a ideia muçulmana terá vindo de
uma heresia, o docetismo. Em geral, cada vez mais percebo que o islão e o cristianismo
se comunicam apenas entre heresias. As suas vias de comunicação nascem de deformações
geométricas. Os sufis geram a admiração na Europa, os dissidentes cristãos
foram mais fundamentais para o islão. Apenas mostra a imensa diferença das religiões.
As boas regras de crítica histórica indiciariam que a versão muçulmana é falsa.
O risco de falsidade histórica inquina as suas fontes.
O segundo exemplo é mais intrinsecamente
religioso: o caso das houris, o das
setenta e duas virgens. Perguntamo-nos: porque se mantém virgens? Se são seres humanos,
quer dizer que há seres humanos cuja vida é meramente instrumental para os mártires,
que não é fim em si mesmo? Ou trata-se de bonecas insufláveis, de meros autómatos?
E qual a recompensa das mulheres mártires? Deveriam tornar-se lésbicas para
fruírem de tal recompensa? A questão não é caricata. Prende-se com toda a
oferta escatológica. E são problemas que os próprios muçulmanos começam a
colocar.
A versão do paraíso
islâmico é muito terrena, bem o sabemos. Mas também bem sabemos, entra aqui a interpretação
alegórica. O que se pretende com estas imagens é reflectir a felicidade no paraíso,
etc. etc. Seja. Mas a interpretação alegórica é, como a experiência pagã o
demonstrou, simultaneamente um sinal de apego e de fracasso. Os deuses do Olimpo,
os episódios do Antigo Testamento carecem de interpretação alegórica. Não as parábolas
do Novo. Necessitar de uma interpretação alegórica significa diluir o mito
original na construção teórica, até a força original se dissolver. A
interpretação alegórica pode resistir séculos. No caso grego resistiu mais de
mil anos. É certo, mas com os custos de uma dissolução cada vez maior da religião
grega sob o peso da interpretação. Porfirio, Jâmblico, Proclo e Damáscio são
bons exemplos disso.
Podiam-se multiplicar os exemplos.
Discutir num cenário de televisão durante horas as maravilhas de um profeta que
se casa com crianças ou manda matar pessoas, ou os exemplos múltiplos de uma História
islâmica que tem violências sem fim (todas as Histórias têm), mas que não reconhece
a sua natureza violenta, ao contrário do que, por influxo cristão, a Europa
reconheceu, são tantos outros exemplos de que a cultura islâmica passa mal por crivos
civilizacionais mais exigentes, aos olhos europeus, pelo menos. Todas as
culturas são violentas. A cristã reconhece que o foi e é. A islâmica não. Essa
a diferença. Escolha-se entre as duas. Mas esses olhos europeus são olhos de
pessoas que vieram de culturas muçulmanas também, e vivem na Europa ou alhures.
A isto se tem de acrescentar
um sexto factor de fragilidade não muito referido, este no âmbito da sociologia
das religiões. As conversões ao cristianismo, geralmente mais secretas, por
força da pressão social em relação ao convertido, pressões que a Europa tolera
com bonomia.
Há conversões de
muçulmanos ao cristianismo que não são despiciendas. Não controláveis, sem estatísticas
fiáveis, é um factor silencioso, que não pode ser descurado. O sincretismo prático
também se observa, nomeadamente em regiões como Marselha, como é típico das
sociedades que se vão tornando mestiças. E a este acrescenta-se a indiferença
religiosa, o agnosticismo e o ateísmo. Também por influência da Europa. Perigosa
estratégia o dos muçulmanos que querem uma invasão de muçulmanos na Europa. Correm
o risco de criar novos cristianizados, ou mesmo cristãos.
O islão é fragilizado
pela cultura europeia e não apenas na Europa. De natureza já está dividido
religiosa e étnica e politicamente. Sob o ponto de vista geoestratégico é uma
cultura sobre pressão, tanto quanto se pretende expansiva. Sob o ponto de vista
religioso é marcado pelo cristianismo nas suas categorias e linguagem, dissolvendo
em parte a sua identidade ou abespinhando-a. Sendo religião sem prestígio cultural
e confrontando-se com a cultura mais criativa do mundo, tanto mais quanto menos
se afirma com tal, o islão faz figura de parente pobre e subdesenvolvido do cristianismo.
Sem História sólida de auto-crítica, sujeita-se a ser criticado por instrumentos
que não criou nem domina e que têm um efeito dissolvente das suas bases. Fragmenta-se
como crença, perde adeptos assim como os ganha, mas sempre num ambiente que tende
a dissolver a sua força interior.