quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

III. A superioridade do islão


 
 
Tudo isto esquece factos curiosos. A exemplar Casa da Sabedoria em Bagdad era dirigida por cristãos, os seus professores eram cristãos, sobretudo nestorianos, alguns melkitas. As traduções do grego para árabes são feitas por cristãos. Que seja do meu conhecimento existe apenas um tradutor não cristão, ibn Qurra. Problema: não era muçulmano, seria pagão.
Quanto aos números árabes já sabemos que não são árabes mas indianos, e em boa verdade poderão ter origem grega tardia (ver Lucio Russo). Teriam vindo por via de Gerbert d’Aurillac o futuro papa Silvestre II (já se pode dizer bem de um papa quando traz a sabedoria dos árabes). Também aqui temos problemas:
a)      A ideia de que teriam vindo através de Gerbert d’Aurillac é apenas uma hipótese. Tão válida como a que afirma que vieram por via bizantina através nomeadamente de Máximo Planudes.
b)      Gerbert nunca terá estado na Espanha muçulmana, mas apenas na Catalunha (é o que afirma Riché), que é terra cristã.
c)      Ninguém disse que alguma vez contactou muçulmanos para o efeito. O mais provável é que tenha contactado monges cristãos.
O transeunte da nossa época transforma hipóteses em dogmas com facilidade.
Mas o grande papel na transmissão da cultura clássica dos muçulmanos? Também isto me levaria muito tempo. Saliento apenas que nem uma única obra latina nos veio por mãos árabes, que a imensa maioria das obras gregas que lemos vem por via bizantina ou pela Itália do Sul, que sempre teve presença grega.
Também na suposta tolerância, qualidade agastante se a há, há testemunhos de grande tolerância nos reinos cristãos da Península e do Levante. Dozy ou Lewis são exemplo disto. Mas é evidente que também nesse aspecto o islão seria superior, com Saladino a impor marcas distintivas aos cristãos, em antecipação ao, bem sabemos, tolerante Hitler.
Tudo isto me levaria muito tempo. Mas a que se deve esta certeza de que a Europa do século XII era interior ao levante islâmico da mesma altura? Recusa do pensamento lógico, mas sobretudo submissão, a cartilhas, a preitos de inferioridade. Bela palavra: submissão. É uma boa propedêutica. Em árabe sabemos como se declina a palavra: islão.
 
Alexandre Brandão da Veiga.
 
 

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quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

II. A superioridade do islão



 

A demonstração da falsidade da suposta superioridade do islão em relação à cristandade no século XII levar-me-ia muito tempo a fazer. Por isso mostro apenas alguns elementos.

A Idade Média sob o ponto de vista tecnológico foi época de grande desenvolvimento (o velho Taton o demonstra). Basta pensar que o império otomano em pela Idade Moderna tinha menos moinhos de vento que a Europa de séculos antes. Os óculos europeus (francos, diz o persa) eram usados na Pérsia. O império árabe importava de Bizâncio, não matérias-primas mas produtos manufacturados e engenheiros agrónomos e hidráulicos.

Um simples teste: alguém pensou que o que importávamos do Oriente não eram altas tecnologias mas… especiarias? E as sedas que vinham da China eram produtos semi-manufacturados. Basta ver a pintura da época: o design era europeu, mesmo se a seda era chinesa.

Segundo elemento: precisamente a hidráulica. Em programas de História vejo historiadores locais mostrem a maravilha dos canais de irrigação árabes na Península Ibérica. Nunca dizem que estes já existiam no tempo dos visigodos (esse bárbaros, é evidente), e dos romanos e talvez sejam mesmo anteriores. Mas como se faz uma História provinciana, não saindo na Península Ibérica, não se tem em conta que os maravilhosos canais da mesopotâmia começam a entrar em decadência depois da queda dos sassânidas e durante o domínio árabe. Precisamente esses grandes engenheiros hidráulicos que importavam conhecimento de Bizāncio e que seriam tão proficientes na Península Ibérica.

Há também o argumento da extraordinária ciência árabe. Invocado obviamente por quem nunca teve curiosidade na História da ciência, que nunca perdeu mais que dois minutos da sua vida a estudar um teorema. Mas são os mesmos que invocam as imensas criações científicas islâmicas. Seja. Resta colocar uma questão: quais? Nessa altura o nosso interlocutor nunca sabe responder. Apenas afirma que são extraordinárias. Melhores mesmo que as europeias. Quais são as europeias? Quais são as islâmicas? A essa pergunta não sabe responder, mas tem a certeza que as europeias são piores. Não suscita isto no leitor alguma suspeição?

 

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