Para que serve a NATO?
Não
pertenço a nenhum grupo. Nem aos que detestam a NATO, nem aos que a amam. A
NATO é um instrumento e não uma identidade. Os que vêem a NATO como uma identidade
sofrem de fetiche, os que a condenam sem mais sofrem de irrealismo. Como todo o
instrumento, julga-se pela sua utilidade e riscos. Por isso, parece-me útil reflectir
sobre o que é hoje em dia a NATO.
A
NATO foi criada contra a União Soviética. Não é preciso ser muito arguto para perceber
que a causa desapareceu. Nem tudo criado por uma causa tem de desaparecer por
ter desaparecido a causa. Há templos romanos dedicados a deuses em que já
ninguém acredita e não é por isso que têm de ser destruídos. Descobriu-se-lhes
outras funções, nem que sejam de memória.
O
que significa hoje em dia a NATO para a Europa?
Um
meio de defesa. Sim. Mas com que objectivo? Caída a URSS o objectivo é incerto.
Pode-se dizer que hoje em dia o seu mérito é a elasticidade, mas do mesmo golpe
a obscuridade dos seus objectivos, a equivocidade das suas funções.
Os
americanos não pretendem voltar a morrer em solo europeu. Só posso respeitar
isso. Os americanos que morreram nas guerras mundiais tinham um pai ou avô europeu,
pelo menos, sabiam que a matriz da sua civilização era a Europa, e a sua
ligação mais forte era com a Europa sob todos os pontos de vista. Hoje em dia
nada disso acontece. Isso significa que qualquer potencial inimigo da Europa
sabe que a NATO tem limites no que está disposta a fazer pela defesa da Europa.
Os americanos não virão dar o seu sangue, o que é razoável da parte deles, mas fragilizante
para nós europeus. Temos uma defesa limitada, sob condição.
A
regra do jogo é a de que qualquer conflito se deverá passar em território
europeu. Desde a origem é assim. Os Estados Unidos não expõem o seu território
à luta. A Europa é vista como terreno de guerra. Não centro de decisão e
interesse, mas objecto de predação. É essa a regra da NATO e foi aceite pelos
europeus. O primeiro território a defender é o americano e o europeu será
defendido apenas e na media em que isso proteja os interesses americanos. Fazem
bem os americanos em pensar assim, eu faria como eles. Problema dos europeus,
se aceitam a dominação.
A
NATO, como é paga pelos americanos, deixa uma de duas opções aos europeus: ou
têm um nível de despesas militares iguais à dos americanos, o que não têm estado
dispostos a fazer, ou então têm todo o incentivo de financiar directamente o complexo
militar industrial americano. Vejamos: quando a Bélgica compra F 35, que todos
dizem serem maus aviões, ganha duplamente: gasta em defesa um montante, e financia
ao mesmo tempo nesse momento as forças americanas. A proporção relativa do esforço
entre os Estados Unidos e a Europa reduz-se, porque significa que os europeus,
em vez de financiarem forças armadas europeias, financiam as americanas. Por
isso o incentivo é sempre o de comprar material americano, mesmo que seja de má
qualidade, em segunda mão, e isso aumente a dependência miliar da Europa em relação
aos Estados Unidos.
A
equivocidade da NATO serve os propósitos europeus de curto prazo. Havendo divergências
estratégicas entre os países europeus, tanto mais fortes quanto a Europa Ocidental
e a Central e Oriental têm concepções diversas do que é a identidade europeia,
evita aos países europeus de pensarem em longo prazo. A NATO é uma boa desculpa
para a mediocridade e a falta de vista dos políticos europeus actuais.
Vejamos
então o que é a NATO: ponto de equivocidade de objectivos, custo para a Europa,
vista como terreno de chacina privilegiado, território secundário, custo acrescido
para os europeus, gerador de menor eficiência militar, desculpa para a mediocridade
dos cultores do curto prazo. Não é muito excitante como projecto, convenhamos.
Significa aceitar que a Europa é e será sempre um mero protectorado dos Estados
Unidos.
A
alternativa é uma defesa europeia. E conheço bem as objecções:
a) É
muito cara. Há estatísticas
para todos os gostos. Mas, do que vi, gastando a Europa cerca de 40% dos Estados
Unidos em defesa tem dez vezes menos bons resultados. Quer dizer que cada unidade
de eficácia miliar custa à Europa quatro vezes mais que aos Estados Unidos. Com
os mesmos montantes poderíamos ter uma defesa quatro vezes mais eficaz. A actual
situação é bem mais cara do que se afirma, por outro lado. A Europa financia Israel
e a Palestina e ninguém a respeita. Cada vez que Israel destrói instalações na Palestina,
a Europa financia a Palestina. Ao mesmo tempo a Europa ajuda economicamente Israel,
e nenhum deles o ouve. A Europa não põe em respeito nem a Turquia nem o Norte
de África que fazem chantagem permanente em relação à Europa. A solução tem
sido a Europa financiar todos, a Turquia, a Palestina, Israel, o Norte de
África. Se tivermos em conta o dinheiro gasto pela Europa nessa pacificação talvez
vejamos que a actual situação é bem mais cara para a Europa e bem menos eficiente
que forças armadas comuns.
b) Não
há objectivos comuns.
E com razão. Mas trata-se de a Europa Ocidental deixar de pensar que é toda a Europa
e ouvir a Europa Central e Oriental, que são tanto Europa quanto os restantes.
c) É
muito complexo.
Vejamos: bem mais complexo foi unificar toda a economia, o que se fez em 1951
em 1957 e com os restantes tratados. O que se fez com os tratados fundadores da
integração europeia foi violar toda a lógica da racionalidade dos Estados tal
como contruída desde a Renascença, Vestefália, o que se bem entender. A construção
europeia nunca deveria ter existido, numa perspectiva estritamente racional.
Que tenha sido fruto de circunstâncias, tudo o é. Mas na base existiu uma
decisão verdadeiramente civilizacional e não de mera gestão. A EFTA, projecto britânico,
faz parte da racionalidade estatal moderna. A União Europeia é uma excrescência
na perspectiva da História moderna. E por isso é uma construção majestosa, que
deixa marca na História. A defesa exigiria a mesma profundidade civilizacional,
o mesmo tipo de decisão muito além do meramente gestionário, para vir a ter
lugar. Haverá circunstâncias que o irão impor, sem dúvida. Era bom que a decisão
seja tempestiva, e antecipe o pior dessas circunstâncias.
O
que me impressiona na nossa época é o facto de os europeus terem interiorizada
a submissão. Uns esperam a submissão aos Estados Unidos, outros à China. Há uns
anos atrás havia quem falasse mesmo de submissão em relação ao grande Brasil, a
próxima potência mundial. O que há de comum entre todos estes é o de sentirem a
angústia da liberdade, e não querem ser livres. Vivem bem em ser protectorados
seja de quem for. A vida é apenas uma escolha de senhores, de submissões, a
vida para esta gente não é livre. Compreende-se: são de extracção plebeia e os
seus pais não lhes ensinaram a liberdade. A vida é mera escolha de submissões.
Somos
uma geração falhada desde os anos de 1990. Falhámos a integração da Rússia, que
tantas vezes nos deu sinais do seu interesse na casa comum europeia, aceitámos
a diversão turca, que qualquer um poderia ver ser apenas isso, uma mera diversão,
estamos a falhar a defesa única. Aceitámos uma profunda divisão da Europa entre
a Europa Central e de Leste, que em geral acredita numa civilização europeia, e
a ocidental que acha que somos uma mera encruzilhada de culturas (comissão
europeia, em submissão aos ingleses, assim dixit).
Ser
uma geração falhada não quer dizer ser uma geração condenada. Significa apenas
que estamos a atrasar as decisões essenciais e as certas. Não quer dizer que
deixámos passar o momento, mas apenas que os custos de o vermos aproximar vão crescendo.
De falhada a condenada vai um passo: o da decisão. Mas isso requere sentido crítico,
e temo bem que a nossa época seja muito falha dele.
Alexandre
Brandão da Veiga
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