quinta-feira, 9 de março de 2023

A auto-referência

 


 

Em pelo menos três áreas a auto-referência cria desconforto. Na ética, na gramática, na lógica.

O auto-insulto, ou o auto-elogio têm estatutos muito diversos da referência aos outros. Podemos ser justos ou injustos ao insultar ou elogiar outra pessoa. Podemos sê-lo igualmente quando o fazemos em relação a nós mesmos. Mas quando alguém diz que é modesto ou diz que é o pior dos homens, há algo de bizarro que nos invade. De uma forma ou de outra, a auto-referência cheira a narcisismo.

Na gramática, pelo menos nas línguas indo-europeias, tão ricas em flexões verbais, o pronome «eu» tem sempre histórias estranhas. Se a própria flexão verbal indica a pessoa e o número (e na voz passiva em muitos casos igualmente o género), para que serve um pronome «eu» no nominativo? A auto-referência cheira a inutilidade.

Na lógica a auto-referência é porta de entrada para os paradoxos. Nem sempre gera paradoxos, e nem todos os paradoxos nascem da auto-referência, mas sempre que entramos no seu terreno sabemos que é savana perigosa. Na lógica cheira a paradoxo.

Narcisismo, inutilidade e paradoxos são sempre os perigos da auto-referência. Mas isto sou eu a dizê-lo. E que sei eu disso?

 

Alexandre Brandão da Veiga

 

0 comentários: