quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

II. Apagamento e intensificação

O vulgo toma por relativismo o que mais não é que necessidade de generalização. Quando estou no lado de baixo de uma rua, penso que a tenho de subir. Quando estou do lado de alto, penso que tenho de descer. É a minha situação que muda a tarefa e a perspectiva. Mas posso generalizar a coisa, e pensar que afinal é uma mesma rua, como uma mesma característica. É uma rua inclinada.

O verdadeiro relativismo não é generalização. É sempre uma desistência e uma forma de reaccionarismo. Não quero sair da minha situação, agarro-me a ela como verdade absoluta e digo que os da rua de cima serão tão legítimos quanto eu apenas por a sua verdade ser diversa.

O problema é que só se superam os relativismos pela generalização e esta implica rarefacção. Viver num mundo rarefeito assusta este verdadeiramente animal que é o homem. Como perceber a consistência do que é essa rarefacção é obra a que poucos se dedicam com pertinência.

Por isso todo o pensamento fundamentado é escatológico. Só quem se força a perseguir os fins últimos exige de si mesmo fundamentação. A suspensão de muita filosofia, a suspensão do juízo mais ou menos pirrónica tem efeitos metodológicos muito profundos nas mãos de alguns, mas esses são poucos e deixaram metade da obra por fazer. Praticaram um desvio corajoso e fecundo muitas vezes, mas apesar de tudo um desvio. Evitaram defrontar-se com os problemas últimos e acabam por isso como Heidegger a benzer-se clandestinamente nas igrejas mais escondidas.

Perante esse mundo rarefeito a que a generalização conduz, perante esses fundamentos aparentemente difusos, existem duas possíveis estratégias: o apagamento e a intensificação.

É evidente que o lugar comum oporia os dois extremos, no budismo o apagamento do nirvandna, no cristianismo a intensificação. Lugar comum nunca formulado e por isso mais presente.

O apagamento não é monopólio do budismo. A fusão com o "nous" aristotélico, as doutrinas do Uno neoplatónicas (nesse aspecto os neoplatónicos são bem mais neo aristotélicos, apesar de si mesmos) seria bom exemplo igualmente. E a negação das oposições (o nirvandna) não é forçosamente um apagamento. Da mesma forma o cristianismo, sobretudo na sua vertente mística, apresenta fusões com o divino, tanto como a divinização do homem.

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