terça-feira, 10 de julho de 2007

II. O discurso de Ratisbona

Vejamos agora o que disseram os seus detractores. Para isso temos de os dissecar como se fazia com as rãs em laboratório liceal.

A crítica foi teológica? Terá sido o papa acusado de helenomania ou de um marcionismo mitigado? Essa seria realmente uma crítica teológica impreparada, de mero principiante, perante a qual um grande teólogo como Ratzinger sorriria, já conhecendo bem as objecções possíveis e as respostas a elas. Mas seria ao menos uma crítica teológica.

Foi a crítica intelectual ao menos? De todo. Não se levantou ninguém a afirmar uma suposta contradição radical entre o “logos” grego e o cristianismo. Também isto faria sorrir um teólogo experimentado como Ratzinger, mas seria crítica intelectual ao menos.

A cultura grega concebeu o “logos” em tensão. Em termos simples, de um lado a filosofia do outro a retórica. Antagonismo longo, muitas vezes em luta, por vezes artificial. A luta entre “sofia” e “paideia” esqueceu muitas vezes que uma e outra se interligam, e seria tão tonto opor a poesia à linguística numa visão exclusiva como opor a filosofia à cultura. O no «princípio era o “logos”» joanino vai além desta oposição.

A filosofia grega por outro lado, e isto desde Platão, mas de forma mais clara desde Aristóteles, e sempre seguida até ao neoplatonismo, concebeu sempre a filosofia primeira como teológica e ontológica. O primeiro adjectivo é conhecido já de Platão e Aristóteles e não carecia de explanação. O segundo não foi usado por nenhum deles, mas ambos perceberam que teria de ser a sua grande preocupação. A filosofia primeira como teológica e ontológica não é uma criação daqueles adoráveis “medievais” que influenciados pelo cristianismo teriam visto limitado o seu horizonte. É uma marca grega da nossa cultura.

A crítica ao papa é feita contra uma reflexão sobre a cultura helénica por quem nunca se deparou com um aoristo ou com a declinação dos artigos. A destrinça filosófica entre o “on” e o “hen” nunca foi aprendida. Por quem ouviu pela primeira, ou, na melhor das hipóteses, pela segunda vez, o nome de Paleólogo. O espectáculo que dá é o de quem critica a equação de Dirac porque tem letras a mais. Em suma criticou-o quem não sabe do que fala.

Os que na Constituição europeia estavam perfeitamente confortáveis com a herança grega, mas recusavam liminarmente qualquer referência ao cristianismo não eram apenas opositores ao cristianismo. Eram opositores à factualidade porque o cristianismo é um facto histórico, e não Deus. Mas sendo os mesmos que criticaram o discurso de Ratisbona vê-se afinal que eram opositores ao fundo da cultura grega. Não se importavam com um folclore aprendido no ensino secundário (tudo é secundário neles, afinal) sobre discursos de Péricles e a democracia grega, que é apenas uma gota no oceano da cultura grega. Mas no fundo são opositores à herança grega profunda na cultura europeia.

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