quinta-feira, 19 de julho de 2007

II. Chamfort, Maximes et pensées : Caractères et anecdotes, Gallimard, Paris, 1982

As luzes têm muitos lados negros. É nelas que encontramos a origem das teorias racistas, a teorização racional do esclavagismo, em nome do utilitarismo e em desprezo da noção (cristã) de pessoa. É nelas que encontramos a profunda honestidade de Kant, mas que o transformou num pau seco sem vida. É nelas em que encontramos um sentido de maledicência delicioso, que se volta a encontrar em Wilde e na Belle Epoque mas que geralmente é sinal antecipador de guerra e profundo conflito.

É aliás de desconfiar sempre que encontramos um sentido de humor corrosivo e sofisticado. A guerra está sempre próxima dessas épocas. Denuncia uma falta de vontade de viver e uma vergonha perante as verdades da vida que faz irromper todas as formas de violência. É sempre sintoma de puritanismo. De violência, portanto.

Chamfort faz parte de um dos lados mais negros do iluminismo. O humor transforma-se em amargura, o delicioso chiste tem sabor a azedo. É um autor que se lê com imenso agrado, porque é sem dúvida dotado de grande sofisticação, mas com tão grande compaixão, porque perdeu a esperança de qualquer sentido. Como Don Juan permanece na sua teimosia. Instalou-se nela. E o que aparece como sentido de revolta externamente, mais não é que um profundo horror a sair de uma rotina, um conformismo. A ópera de Mozart sobre o Don Giovanni é apenas mais uma lúcida visão do que é este respeito da rotina embrulhado numa capa de espírito de aventura e revolta, orgulho e teimosia. Um homem rígido que não se quer deixar moldar pela vida. O mito do adolescente eterno, em suma.

Chamfort não é filósofo. Nem sequer grande pensador. Mas um grande repórter da vida da sua época e dos sentimentos da sua época. Lê-lo é entrar nos salões setecentistas, ver a preparação da tormenta revolucionária, como a procura desesperada da novidade e do efeito, seja no dito, seja no acto, se pode transformar numa espiral de permanente insatisfação. Mais que as suas palavras, é pedagógico o seu testemunho. O que nos ensina não é tanto o que ele diz, mas o facto de ele ter existido. De tanto procurar o riso é corroído pela amargura.

Por isso quando encontramos pessoas que se pretendem cínicas, “realistas” (seja o que isso signifique), pragmáticas, conhecedoras da podridão humana, ser-nos-ia útil retomar Chamfort e ver que por detrás disso está apenas uma alma perdida à procura de colo. E uma triste solução de vida.


Alexandre Brandão da Veiga


http://www.priceminister.com/offer/buy/243945/Chamfort-Maximes-Et-Pensees-Caracteres-Et-Anecdotes-Livre.html
http://fr.wikiquote.org/wiki/S%C3%A9bastien-Roch_Nicolas_de_Chamfort
http://www.alapage.com/-/Fiche/Livres/2070373568/?donnee_appel=GOOGL
http://www.citationspolitiques.com/auteur.php3?id_auteur=71
http://www.kirjasto.sci.fi/chamfort.htm
http://www.psychanalyse-paris.com/Des-femmes-de-l-amour-du-mariage.html
http://www.aufildemeslectures.net/?P=c&au=397

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