quarta-feira, 25 de julho de 2007

O que é o populismo?

É muito comum vermos acusar um político de populismo. Mas poucas pessoas reflectem seriamente sobre o que significa esta acusação. Porque de acusação, e mesmo de insulto, se trata.

Populismo não existe quando se pretende agradar aos povos. Toda a política seria, pelo menos numa democracia, manchada desta qualificação. Não há populismo em acréscimo quando se agrada aos povos. Todos os partidos maioritários seriam assim os mais populistas.

Vejamos um pouco mais fundo. Qual a estrutura do populismo?

Se bem virmos caracteriza-se por um modo e um objecto.

O modo é aristocrático. O que acusa de populismo despreza. Sente-se na posição de detentor do sacerdotium e do imperium, ou pelo menos anuncia que lhes está próximo. Quem acusa de populismo considera que não o tem, e em cúmulo considera que lhe é superior. Socialmente o populista é o vulgar.

Mas não se trata de um estatuto aristocrático qualquer. O anti-populista legitima-se pela via espiritual. Com efeito, caracteriza o populista por ser simplista demais. Não é apenas grosseiro ou com tendência para isso. É intranscendente. Simplifica a realidade, dá-lhe soluções simples demais.

Mas o populista é igualmente caracterizado pelo objecto. O populista quer o impossível. “Soyons réalistes, exigeons l’impossible” dizia o moto do Maio de 68. Porque não foi isto considerado populista? Porque o simples facto de exigir o impossível não é condenado, ao contrário do que parece. Quando está dotado de legitimidade aristocrática passa a assumir a forma do idealismo.

O populista, tal como é descrito, tem duas personagens paralelas, que correm sempre o risco de resvalar no populismo. E uma oposta. As paralelas são o grosseiro (realista) e o idealista (aristocrático). A oposta é o homem sério. Os grosseiros são considerados desagradáveis mas úteis. Os idealistas são considerados inócuos, mas nobres. O homem sério tem as mais múltiplas vertentes, mas é o único que tem direito de cidade na política.

O problema é que a realidade não é assim tão simples. Cada um tende a ambicionar um estatuto mais aristocrático do que lhe cabe. E o que seja impossível torna-se afinal visionário muitas vezes. Quem acusa de populismo pode afinal ser apenas o snob ou um mesquinho. Ou não.

O populismo é o grande risco da democracia e não é por acaso que são os regimes democráticos que mais acusam de populismo. Os outros regimes acusam de sedição, motim, rebelião. Não é por acaso. É que o populismo é o lado negro, a caricatura da democracia. É a sua tentação e o filho de uma mesma semente. Por isso apenas são sólidas as democracias que têm uma forte componente aristocrática e realista. São os seus dois travões contra a grosseria e o aventura imponderada baseada na sondagem.

Por isso temos de ter sempre algum cuidado quando acusamos um político de populista. Podemos não estar a dizer nada de acertado sobre ele. Mas estamos de certeza a dizer algo sobre o que pensamos de nós. Que detemos a legitimidade aristocrática e que somos realistas. Umas vezes certeira análise. Mas, quando não o é, quer isso apenas dizer que temos mais pretensões do que merecemos e confundimos a nossa pequenez com o realismo.



Alexandre Brandão da Veiga

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