quinta-feira, 5 de abril de 2018

É o cristianismo uma religião como qualquer outra? II




Temos por isso de pensar o que está por detrás desta necessidade de dizer que o cristianismo é como todas as outras religiões, e de seguida perceber se é realmente verdade que o seja.

De onde vem esta ideia de que o cristianismo é igual às outras religiões?

A verdade que é a Europa levou cerca de mil anos a cristianizar-se. Entre as costas europeias do Mediterrâneo e os países bálticos houve mil anos de cristianização da Europa. Os países bálticos só ficaram completamente cristianizados a partir do século XIV ou XV. E quanto à cristianização total do resto da Europa basta ouvir o que ainda no século XVI clérigos reportavam sobre práticas e crenças pagãs na Europa.

A verdade é que com as descobertas e a expansão europeia o cristianismo depara-se com culturas todas elas construídas com base noutras religiões. Que existissem outras religiões o europeu já sabia. O islão era mais que conhecido como a anti-Europa, como precisamente a fronteira a partir da qual a Europa deixava de existir. Mas há dois factores que são predominantes a partir sobretudo do século XV. Em primeiro lugar, a redescoberta de neopaganismo bizantino de Plethon, que gera a escola neoplatónica de Florença. De seguida, a descoberta progressiva das religiões hindus. Não são tanto religiões mais exóticas como as chinesas, são precisamente dois conjuntos de religiões indo-europeias que fazem os europeus repensarem o que significa a sua própria religião, a cristã. É significativo que a grande esperança (desiludida rapidamente) das Luzes se depositava em Zoroastro, profeta de uma terceira religião indo-europeia.

Não é tanto o exotismo de novas religiões, mas precisamente a proximidade com a sua memória histórica mais antiga que faz os europeus repensarem o estatuto do cristianismo. São religiões que em boa verdade nunca esqueceram, e que sob várias formas, seja as memórias célticas na estatuária das catedrais, ou na literatura, seja as memórias germânicas nas línguas, as greco-romanas na mitografia, que os fazem pensar (ou sentir, mesmo a contragosto) que são de origem indo-europeus.

É evidente que isto foi agravado pela descoberta de cada vez maior número de religiões primitivas. Aqui o neopaganismo que estava latente pelo menos desde o século XV (ou eventualmente antes) desenvolve-se exponencialmente na antropologia imperial britânica. Não é por acaso que Frazer começa com um mito romano, o de Arícia, e Hartland com um mito grego, o de Perseu.

Quem afirma que o cristianismo é igual a todas as outras religiões, apenas uma entre as mais, integra-se, pois, num duplo movimento: na ideologia de retorno ao arianismo primitivo e na ideologia imperial britânica.


0 comentários: