quinta-feira, 31 de maio de 2007

V. A herança de Blair

Tornou-se num dos símbolos da política espectáculo, da simpatia feita político e feita política, da moral como paradigma mediático da política (a ideia de relações internacionais baseadas na moral (?), por exemplo – ironia se a há para quem mentiu de forma tão pobre, mais que descarada).

O político de génio é em parte como qualquer outro génio. Caracteriza-se por um misto indefinível entre obsessão, obstinação e flexibilidade. Churchill e De Gaulle são dois bons exemplos de teimosia descomunal e capacidade de compromisso com o pormenor. A natureza ginasticada de Blair não pode ser posta em dúvida. Mas “idée fixe”, nenhures. Em boa verdade, ideia, algo fraca.

Porque Blair é o epítome de uma das mais medíocres gerações de políticos que a Europa já viu. Schroeder, Aznar, Berlusconi, Chirac, Jospin, Prodi, a lista é infindável. A lista de políticos medíocres. Os anos de 1990 tiveram outros paralelos na História da Europa, em que a política foi invadida por meros gestores do quotidiano e do mediático. Boulanger sempre existiram. Boulangismos são sinal de épocas cansadas, exaustas, sem ideias.

Blair é apenas mais um entre muitos. Mais um exemplo de uma geração feita para os meios de comunicação social, em que o fundamental é o sorriso. Teve a sorte de herdar de Thatcher o trabalho mais difícil e a inteligência de o preservar. Mas em pouco se diferenciou dela. Thatcher em relação ao que destruiu não se fez de rogada, nem teve lágrimas de crocodilo. A grande diferença é que Blair se dizia preocupado. Sem mais. Sem nada mudar. Paradigma do politicamente correcto, das grandes causas, viveu de medíocres efeitos.

Se Blair foi popular é apenas porque se adequou à sua época, não porque anunciasse uma nova. Na política é uma Bela Otero, não um Baudelaire.

Só se pode julgar severamente quem ocupa altos cargos ou tem elevada dimensão. Estarei autorizado a fazê-lo em relação a Blair pela primeira razão, não pela segunda. É evidente que para o comentador político Blair pode ser grande. O comentador político está habituado ao tempo histórico curtinho, apertado. Não sabe por isso reconhecer o prenúncio nem ver para além dos cinco anos. Blair um grande político? Perdoem-me que o cite mais e uma vez mais. Talleyrand: “tudo o que é exagerado é insignificante”. Este sim era um grande político. Podia falar de pedestal.


Alexandre Brandão da Veiga

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Greve parcial

Não ouso tomar partido nas patéticas guerras de números entre governo e sindicatos. Mas uma coisa me parece evidente: se a greve de ontem serviu para alguma coisa foi para tornar evidente que o país está absolutamente dividido e que é impossível por de pé um greve verdadeiramente «geral». De um lado está um sector público pesado e ineficaz incapaz de se reformar, resistente a qualquer mudança e que só encontra mesmo companhia nuns sindicatos que há muito perderam o norte e sobretudo a respeitabilidade. Do outro lado está um país (o único «país real» sem o qual mais nenhum país pode existir) asfixiado pelo peso insustentável de uns dos impostos mais altos da Europa que, a estar solidário com alguma coisa, é precisamente com as (poucas) medidas do governo que estão na origem da pseudo-greve de ontem.
Como é habitual, os sindicatos verão na falta da adesão à greve dos trabalhadores do sector privado insondáveis maquinações e terríveis pressões de um patronato sem escrúpulos. É pena. Se se libertassem dessa visão arqueológica do Mundo talvez tivessem um papel a desempenhar na discussão do futuro do país. Assim arriscam-se a tornar-se irrelevantes mais depressa do que imaginam.

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O beijo. Ao vivo e a cores

Não que as palavras do Manel não fossem eloquentes. Mas é dificil fazer justiça à Maureen 0'Hara...

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quarta-feira, 30 de maio de 2007

O Beijo

O beijo que ele deu a Maureen O’Hara em The Quiet Man é o arquétipo de todos os beijos. É mesmo, neste mundo de cópias e simulacros, a única “forma platónica” a ter descido do mundo das ideias à conspícua caverna em que habitamos. No caso, o do beijo entenda-se, a caverna é irlandesa: há lá fora uma tempestade homérica, um relâmpago despedaça a escuridão e ele, Sean Thornton, num movimento redondo e olímpico, puxa para si o indomável corpo e a ruiva cabeleira de Mary Kate. Os lábios encontram lábios e um daqueles ventos, que só um grande filme romântico pode dar-nos, faz estrondosamente bater todas as portas. Poderíamos nunca mais ver mais nada, poderíamos nada ter visto antes, bastava esse beijo em Innisfree. Deu-o John Wayne a Maureen O’Hara, num dos melhores filmes de ambos e num dos melhores filmes dos 20 melhores filmes de John Ford. Evoco a cena para comemorar o centenário do nascimento de Wayne. Sem mais efusões e sem mariquices como ele gostaria.
E ponho-me a pensar se o Pedro Bandeira Freire, fundador dos cinemas Quarteto, também o homenagearia com esta cena. É o que lhe vou perguntar amanhã, 5ª, no Corte Inglês, quando às 19:00 apresentarmos, com a ajuda da Mafalda Mendes de Almeida, o seu livro “Entrefitas e Entretelas”. É no 7º andar e vai lá estar meio mundo e um belo circo mediático. O livro é dele, mas Fellini, esteja onde estiver, vai morrer de inveja por já não poder filmar as histórias de mulheres, as histórias de homens, as histórias de cama, as histórias de copos que neste livro se cruzam. São histórias de Lisboa que não tem nenhum Fellini para a filmar, mas tem o Pedro para a evocar.

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IV. A herança de Blair

Internamente deixou igualmente bastas fracturas.

Embora tenha conseguido a descentralização (a “devolution”) da Escócia e em parte do País de Gales, conseguiu alienar o escocês, tradicionalmente anti-conservador e mais trabalhista, para uma cada vez maior simpatia para o Partido Nacional Escocês.

Mostrou com a Guerra no Iraque uma fractura abissal entre a vontade popular e os seus representantes, mais do que uma democracia representativa pode suportar a longo prazo. Pela primeira vez em muito tempo os britânicos sentiram que numa questão essencial o poder popular irreleva. Nesse aspecto é apenas mais uma ocorrência de uma regra geral: a de que, em democracia, quando os povos desprezam os políticos são por eles desprezados. Mas mostrou igualmente os limites do nexo de representação numa democracia, nisso sendo banal e acompanhado pela Itália e pela Polónia por exemplo. Mais uma vez é apenas mais um exemplar de uma regra geral, seguiu o seu tempo, em nada o ultrapassou e em nada anunciou um paradigma para o futuro.

Quis fazer do multiculturalismo inglês o paradigma europeu e acaba o mandato a ter de restringir esse mesmo modelo. Desprezando os conselhos da DST francesa levou quase oito anos a perceber a sua valia, e fê-lo tardiamente. Mostrou-se generoso com os cidadãos dos novos países aderentes, para depois já em relação à Bulgária e à Roménia estabelecer restrições. Esperava que com a entrada da Turquia as emigrações se dirigissem para a Alemanha e para a Bélgica, sendo por isso irrelevante (na aparência) para a Inglaterra, mas começa a ter pensadores políticos que se começam a perguntar se a Inglaterra não terá o impacto directo dessa imigração, o que está a arrefecer algum entusiasmo deste apoio.

Há quem o compare com Gorbachov, mais amado no exterior que no seu próprio país. Comparação algo forçada, porque a obra de Gorbachov, incompleta que seja, foi essencial para evitar ao mundo uma guerra mundial, possivelmente nuclear, o que seria bem credível com um império agonizante. De comum, só o facto de ser detestado pelo seu próprio povo, pouco mais.

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Alguém Explica Esta Greve?

José Sócrates não é Margaret Thatcher e a conflitualidade social portuguesa nada tem a ver com a britânica dos anos 70 e 80 do século passado. Resultado: continuamos a ter uma central sindical a fazer o jogo de um partido político. Será que é isto que se passa? Não sou cientista político e os cientistas políticos também não têm dado a devida atenção a este fenómeno. É verdade que, nas actuais circunstâncias, o ajustamento dos preços portugueses aos preços internacionais se faz mais facilmente pela moderação salarial. Quem recebe salários sabe intuitivamente isso e por isso dá luta (mas o ajustamento também se faz pelo desemprego). Mesmo com alguma razão do lado de quem recebe salários, não é através de uma greve geral que se leva a prestar atenção a estes problemas. A greve geral assinalaria o descontentamento com as parcas reformas que estão a ser feitas pelo Governo. A central sindical comunista não quer as reformas? O que é que ela quer? Alguém explica? Ainda por cima a adesão pode ser grande, o que torna a explicação ainda mais complicada.
E aqui o desenvolvimento.

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terça-feira, 29 de maio de 2007

III. A herança de Blair

Diz-se igualmente que teve um grande projecto para a Europa. É verdade que aproximou os europeus continentais à Grã-Bretanha, mas não conseguiu o inverso, como dizia o outro. Resta saber que europeus se referem aqui. Quando o Reino Unido assume a presidência europeia qual é o grande projecto britânico para a Europa? A ajuda a África. Convenhamos. Que despautério. O grande projecto para a Europa, numa presidência de um grande país é...a África? Em estratégia militar isto tem um nome: diversão. Incapaz de fazer algo pela crise europeia, sem ideias, e em boa verdade sem vontade nem capacidade, distrai o povo com ossos de benquerença.

Diz-se igualmente que conseguiu o alargamento europeu. Convenhamos. Já estava na agenda europeia e para ele em nada contribui em especial. Bem pelo contrário, teve de se deparar com as consequências negativas que o “cheque britânico” tem para os novos países aderentes. Existe uma confusão entre o atlantismo (conjuntural, melhor veremos isso noutra altura) dos países do Centro europeu e a anglofilia. Um e outra têm ciclos bem diversos. Quem quis ter uma preponderância na Europa mas não está disposto a pagar os custos (por razões internas, é certo), perdeu a face perante esses países que tiveram de ir buscar à ajuda Suíça a compensação que a Inglaterra não lhes deu. São países de longa memória e sabem com quem (não) podem contar.

Diz-se que serviu de ponte entre os Estados Unidos e a Europa. A época foi má para fazer essa apreciação, porque nunca a fractura foi tão grande desde os anos de 1950 em que os americanos se opunham à política colonial europeia e boa parte da Europa estava influenciada pelo socialismo, seja ele de origem marxista, fabianista ou social-cristã. É certo que a época não ajudou. Mas quais foram os projectos concretos na Europa que Blair lançou? Quais os projectos de cooperação concreta que tenha ele lançado por sua iniciativa? Os projectos de cooperação existentes (nomeadamente do a fusão nuclear) não foram de sua ideia nem neles foi particularmente relevante. Mais neste campo se vê a vitória do mediático, do vazio, sobre a substância.

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segunda-feira, 28 de maio de 2007

II. A herança de Blair

Interessa-me agora a herança política de Blair. Uma política deixa marca sobretudo por ser de um político, não de um gestor de economia. Que se meça o sucesso de um político começando pelo seu êxito económico diz muito sobre o que se espera do político. Que seja uma espécie de caixeiro-viajante. Não consta que César fosse um perito em finanças, nem o mesmo é central ao analisar Walpole ou Catarina II. O que se diz dele? O que se diz de Blair?

Que mudou a esquerda europeia, para começar. Vejamos. Não mudou a esquerda nos países nórdicos e na Holanda, que sempre se caracterizaram pelo pragmatismo. As soluções de adaptação à globalização que estes países adoptaram foram endógenas, baseadas numa maior flexibilidade mas igualmente em diversos mecanismos de segurança e reciclagem dos factores de produção, incluindo e sobretudo o trabalho. Não mudou a esquerda da Europa central. Com efeito, o pragmatismo dos neocomunistas da Europa central, bem como o dos socialistas destes países, é igualmente endógeno. É explicável por décadas de saturação ideológica, associadas à vontade de mudança e ao oportunismo político.

Terá mudado a esquerda alemã? Realmente é verdade que Schroeder se impressionou muito com Blair. Mas nunca houve no pós-guerra um chanceler tão incompetente quanto Schroeder. Conseguiu o que mais nenhum outro fez neste período. Ter um balanço económico desastroso e um balanço estratégico negativo. Tendo-se de início aproximado de Blair acabou por ser levado por forças geoestratégicas mais firmes a virar-se para a França e para Rússia. Tarde demais, fazendo a Europa perder tempo. Teve a arte de errar no que errou mas errar igualmente na forma como acertou. Errou ao apoiar a adesão turca agastando internamente o próprio SPD e a sua ala feminina sobretudo, mas igualmente as suas bases, errou ao atrasar a construção da Europa, errou ao apoiar a Rússia, não por a ter apoiado, mas por ter maculado qualquer apoio à Rússia pela forma como o fez.

Blair não mudou a esquerda francesa igualmente.

Então que esquerda europeia mudou Blair? A latina. Tão simplesmente a latina. Mas isto porque os países latinos (Portugal, Espanha e Itália) vivem um período, uma moda de atracção anglófila. A prosperidade espanhola foi preparada por um socialista que nada deveu a Blair (Gonzalez) e seguida por um conservador que nada aprendeu com ele (Aznar). E na Itália nada ensinou a Berlusconi quanto a liberalismo, e Prodi sempre foi um pragmático, um tecnocrata (pouco mais é aliás).

Mudou, não a esquerda europeia, nem sequer a latina nas suas políticas, porque essa mudança veio de factores endógenos ou da pressão mundial e europeia, mas apenas os afectos e o discurso da esquerda latina. Porque Blair é o político dos afectos e do discurso. Pouco mais.

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Citando Ernst Junger a proposito do tempo dos mediocres

«Neste espectáculo, o que irrita é a combinação de níveis tão medíocres com um poder funcional monstruoso. São estes os homens diante dos quais tremem milhões, de cujas decisões dependem milhões de seres. E, no entanto, temos de admitir que o espírito do tempo os seleccionou com um dedo infalível, se o quisermos considerar, sob uma das suas facetas possíveis, a saber, a de um poderoso empreiteiro da demolição. Todas estas expropriações, desvalorizações, sincronizações, liquidações, racionalizações, socializações, electrificações, reordenamentos, parcelamentos e pulverizações não pressupõem nem formação, nem carácter, pois uma e outro prejudicam o automatismo. Por conseguinte, quando na paisagem industrial o poder é oferecido em hasta pública, cobre os lanços aquele em que a insignificância é valorizada graças a uma vontade vigorosa.» Ernst Junger, O Passo da Floresta, 1951 (Ed. Cotovia)

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domingo, 27 de maio de 2007

Pasmos

A mediocridade não recomenda a citação. Gosto do critério. É claro, directo, justo, linear. Mais do que isso, é um critério rico em derivações. Porque a mediocridade não recomenda a detenção, a reflexão ou, sequer, a atenção. Dada a finitude do tempo disponível, o melhor é mesmo concentrarmo-nos no que vale a pena, no que acrescenta, no que ensina e faz pensar.
Mas, confesso, a assunção do princípio surge a propósito da inevitabilidade de o pôr em crise. Não de modo inconsciente – e muito menos gratuito –, mas por razões de concordância prática, estando em causa Boaventura Sousa Santos e o absoluto pasmo que justifica. Aliás, sempre surpreendente na capacidade de se ultrapassar – mesmo quando já não se imagina a possibilidade de ir mais longe, eis que se transcende ainda e sempre.
Para que se entenda, aludo ao artigo que o dito assinou na VISÃO da passada 5.ª feira, dia 24 de Maio de 2007. Artigo cuja leitura não posso aconselhar senão em benefício do pleno entendimento da minha estupefacção.
O título prometia: socialismo do séc.XXI. Mas não se suspeitaria quanto…
Em suma, ficámos a saber que devemos o desígnio a Hugo Chávez. Nas palavras do próprio BSS, desmentindo o fim da história, proclamado pelo pensamento político conservador (sic.), «(…) em 2005, o Presidente da Venezuela colocou na agenda política o objectivo de construir ‘o socialismo do século XXI». A esperança está, pois, em Chávez!!! Com ele – e, também, com Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador) (sic.) –, o socialismo refunda-se para não repetir erros do passado e abre-se a um «debate profundo» capaz de tornar «credível a vontade de evitá-los» (sic.).
Vaticinando, BSS assume que, em vez de um socialismo, teremos «socialismos do séc.XXI». E remata, eloquente: «terão em comum reconhecerem-se na definição de socialismo como democracia sem fim» (sic.)!
Com toda a franqueza, se não lesse não acreditava. E pasmo! Pasmo absolutamente. Pasmo irreprimivelmente. Porque o texto não é apenas o habitual chorrilho de chavões caro a esta esquerda popular. Se fosse, seria mais um – entediante e anacrónico como todos, mas honesto na sua falta de perspectiva.
Porém, o elogio de Hugo Chávez, incensado como arauto do novo socialismo, traduz o reconhecimento do substracto basista, demagógico, autoritário e populista da esquerda doutrinada por BSS. Espantosamente, revelando a medida da sua esquizofrenia – e é melhor pôr as coisas em termos patológicos, porque a hipótese da mera distracção remeteria para a desonestidade pura –, ainda fala em democracia (felizmente, esclarecendo que é uma democracia sem fim, o que sossega, tratando-se de alguém que manifestamente não lhe conhece os princípios ou os meios…)!
É, aliás, curioso – ou talvez não – que BSS se tenha lembrado de produzir tal prosa na exacta semana em que a Venezuela e o Mundo – maxime a Europa, através do Parlamento Europeu – se insurgiram contra o encerramento da Rádio Caracas TV, estação privada de grande audiência que emitia há 53 anos, mas que agora terá sido considerada inconveniente pelo poder.
Afinal, o anúncio do novo socialismo e dos seus émulos não se compadece com minudências. E o que são as liberdades, os direitos fundamentais, o pluralismo, o desenvolvimento económico e a paz social comparados com a construção da democracia popular de BSS?!
Felizmente, o novo socialismo e a democracia sem fim não são ideias que me exaltem. Mas, apesar disso, espero que a esquerda do século XXI possa ter, entre nós, vozes mais sérias e consequentes.
Nesse sentido, desejo ardentemente que Miguel Portas, Luís Nazaré ou Joana Amaral Dias, por exemplo, tenham lido BSS. Porque, no mínimo, terão ficado tão horrorizados como eu.

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sexta-feira, 25 de maio de 2007

I. A herança de Blair

Tenho sempre feito uma regra de não citar nomes de medíocres. Blair não o é totalmente. Mas está longe de ser um grande homem da política. Sobretudo um homem que fique para a História.
É sempre temerário afirmar algo sobre o juízo futuro da História. A História é um tribunal colectivo, aberto permanentemente e com muitos juízes incompetentes, alguns corruptos e a maioria esquecida, para nossa sorte. De entre os seus juízes probos, felizmente restam-nos bastantes.

Por isso tudo o que disser terá ser entendido com alguma cautela.

Afastarei por isso dois aspectos da sua política, geralmente os mais citados: do lado positivo, o sucesso económico, do lado negativo, a guerra do Golfo. Negativo e positivo nada têm de valorações minhas mas apenas é recolha de lugares comuns apanhados na comunicação social.

Porque afasto o sucesso económico? Porque o mero sucesso económico nunca guarda lugar na História. A ser assim Churchill seria um dos mais medíocres governantes ingleses e Eubulo seria mais lembrado que Péricles. Ou Leptis Magna seria mais lembrada que Carlos Magno. Nem interessa analisar aqui se a riqueza inglesa é sustentável, se haveria outra opção melhor, nem os efeitos sociais das suas políticas. Nem sequer se efectivamente a educação e a saúde se encontram no estado maravilhoso que Blair anunciou. Ainda menos vou referir a situação das infra-estruturas públicas em Inglaterra, em clara decadência e atraso em relação aos outros países europeus mais desenvolvidos.

Não vou igualmente referir o Iraque. Embora tenha sido contra a guerra do Iraque, não por ser pedinte da paz, mas por razões geoestratégicas e políticas europeias, sou o primeiro a perceber que Blair a tenha apoiado. Estando a Grã-Bretanha a perder lugar estratégico em relação aos Estados Unidos com o fim da guerra-fria, perante a Europa Central, a Ásia Central, incluindo a Turquia, a Índia e a China, Blair, na perspectiva e com as premissas geoestratégicas de que parte, tinha toda a razão em apoiar os Estados Unidos. O último reduto do valor britânico diferenciado para os EUA é a reliablity, a lealdade decenal (não secular, entenda-se) da Grã-Bretanha.

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terça-feira, 22 de maio de 2007

O DIREITO À INDIGNAÇÃO

Já não me lembro como é que a coisa surgiu. Foi talvez no primeiro ano do primeiro governo de Cavaco que uma esquerda filha de boas famílias, angustiada com o facto do seu voto valer só o que então valia o voto de uma peixeira, lançou com pompa e pathos o direito à indignação. Mas talvez tenha sido Mário Soares, pai e mãe de muitas coisas de que somos filhos, a cunhar a expressão. Por razões, note-se, bem mais florentinas do que as convulsivas razões que assistiam àquela radiosa parte da esquerda.
Também eu, hoje, me reclamo, enlouquecido, do direito à indignação: a polícia, a investigação das polícias!
Como é que os especialistas escrevem nos jornais, como é que eles dizem na sua translúcida prosa de analistas? Dizem: é inaceitável que um crime violento, transversal a 4 jurisdições, continue impune, sem que seja dada à comunidade uma ténue ponta de solução! É ultrajante que se acumulem suspeitos que a seguir se largam como uma cobra larga a pele! Que outra coisa é, senão insustentável, a situação de uma polícia incapaz de ligar – uma, uma ligação que seja! - a autêntica panóplia de vestígios que lhe oferecem? E que sistema, que coordenação incompetente, pode permitir que as diferentes polícias envolvidas na mesma investigação não cruzem informações e cheguem, mesmo, a sonegar subrepticiamente pistas decisivas?
De que é que eu estou a falar? DE QUE É QUE EU ESTOU A FALAR? grita-me o leitor do outro lado da rua, temendo aproximar-se da minha apopléctica figura. E eu, not with a bang, but a whisper, digo-lhe: da polícia americana.
Está tudo lavrado num filme chamado Zodíaco. Baseia-se o dito em factos reais: no caso de um serial killer que, até hoje, 40 anos passados, a polícia de San Francisco não resolveu. Burocracia e pistas descuradas, outros erros de investigação, má ligação entre as diferentes polícias envolvidas, ditaram a insolubilidade dos crimes que no mínimo causaram 5 vítimas, no máximo terão provocado 27.
O filme? Tem realização de David Fincher, o que aquece bem menos do que parece. Mais do que um whodunit, é um ensaio sobre a obsessão que assalta três personagens inesperada e surpreendentemente "comunicantes": um jornalista, um polícia e um cartoonista. Nos seus melhores momentos, o filme é um belo trabalho de relojoaria do production designer (Donald Graham Burt) que reconstitui com radical perfeição os locais e os ambientes, com os anos 60 e San Francisco a brilharem gloriosamente. De ressuscitar um morto. E é verdade: Donovan levanta-se do fundo dos tempos e canta melhor do que nunca o The Hurdy Gurdy Man.

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À procura de Madeleine

Tenho estado ausente do blog porque tenho andado ausente um pouco por todo lado nas últimas semanas. No entanto, em todos os lugares onde estive "encontrei" Madeleine McCann: nas televisões internacionais como nos jornais locais de diversas cidades no mundo, a criança britânica desaparecida na Praia da Luz é (foi?) foco das atenções.
De acordo com o Departamento de Estado norte-americano, todos os anos aproximadamente 300.000 crianças são vítimas de rapto. Na União Europeia são alguns milhares por ano. No Reino Unido apenas, foram raptadas 846 entre 2002 e 2003 (70.000 é número de crianças dadas como desaparecidas todos os anos). O que tem de especial Madeleine McCann?
Há um elemento de identificação com a família de Madeleine que foi fundamental no efeito catalizador de um enorme interesse público (que no Reino Unido já é comparado com o efeito Diana de Galles). A presunção, que gerámos no conforto do nosso mundo de hoje, de que não seremos apanhados de surpresa. Num certo sentido as sociedades ocidentais de bem estar já não conseguem lidar facilmente com a ideia do sofrimento inesperado e da incerteza. A ideia de que, subitamente, o nosso mundo pode ser abalado de forma brutal é-nos hoje quase inconcebível. Um pouco como se julgássemos ser possível fazer um outsourcing da incerteza.
Não acredito que se trate de voyeurismo mas sim de um processo de identificação o que explica a dimensão adquirida por esta história. Tratou-se de um processo quase cinematográfico. Houve uma identificação com a vítima (e a sua família) e depois a história adquiriu a natureza de uma narrativa que nos aprisiona com os sucessivos "volte-faces" do guião e um final incerto. Num certo sentido, a história de Madeleine transformou-se no reality show ideal: aquele em que a realidade se manifesta como um produto de uma dramatização imaginada. Em parte, os media (particularmente as televisões) promoveram este efeito porque é a única forma que encontram de tornar a informação interessante e competitiva. É apenas um passo mais na transformação a que já assistíamos dos noticiários em magazines da realidade. Claro que isto tem consequências. Uma notícia que é transformada numa "história" exige um principio, um meio e um fim (todos ansiamos por saber como acaba esta "história" como se fosse possível garantir que ela tenha uma conclusão) e exige também heróis e vilões (a jornalista que denuncia e os arguidos tratados como culpados bem antes de qualquer prova concreta). O tempo noticioso transforma-se num tempo cinematográfico: exigimos novos capítulos todos os dias ou perdemos o interesse na história e não estamos dispostos a esperar infinitamente para saber quem é o culpado.
No entanto, não sou capaz de fazer um juízo negativo desta história e do seu tratamento (e muito menos da gestão que dela é feita pela família McCann). Não aceito as críticas dos que comparam o tratamento desta história com as crianças que morrem em Darfur ou em dezenas de outros locais no planeta. Não o faço precisamente porque não sou capaz de diluir nenhuma história como esta no meio de outras histórias. Espero sim que cada um de nós se comece também a preocupar por algumas dessas outras histórias. Talvez o retrato de Madeleine nos faça olhar para outros retratos. No fundo, por muito que nos custe aceitar necessitamos sempre de nos identificar para nos preocupar. Espero que o façamos. No entanto, todo este circo já valeria a pena para pelo menos encontrar Madeleine McCann. Não há que ter vergonha disso. Não temos que corrigir o mundo para legitimar uma boa acção nele e a ética não tem que ser estética...

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domingo, 20 de maio de 2007

As Noites do "La Chunga"

No hay tablao” no “La Chunga”, mesmo em frente ao Hotel Martinez, em Cannes, a cidade do festival de cinema, a cidade dos mercados de televisão.
Piano-bar depois da meia-noite (antes dessa redonda hora é restaurante para factícios príncipes e putativas cinderelas), com música variada e frequência unilateralmente suspeita, “no hay tablao” nem é preciso, porque nas cadeiras ou nas mesas – em todo o lado, menos no chão – jovens mulheres e homens de matura idade dançam enérgica e livremente, sempre bem acima do nível do mar.
Não me lembro de quem canta e do que se canta! Minto, minto: lembro-me da Katty Blue a cantar na materna língua francesa, e também em fluente inglês (naquelas nocturnas horas em que todo o inglês que se ouve parece saltar de Lady Macbeth para o Paraíso Perdido) e ainda (volare, volare!) num macarrónico mas doce italiano. Morena, quase um metro e setenta, olhos negros, nascida, julgo, em St.Tropez.
Não, não me lembro: invento! Ao ponto de me atrever a jurar que Katty Blue tinha a elegância ainda não anoréxica dos 60 quilos!
No “La Chunga”, até às 5 da manhã, dança-se. Em homenagem, creio, a Micaela Flores Amaya, cigana andaluza, bailarina, que os pais fizeram nascer em Marselha e, de Picasso a Ava Gardner, conquistou os grandes do mundo, conhecida e amada como La Chunga. Essa, ela, cujos “pies descalzos” – tendo abandonado aos 21 anos o flamenco por ter casado e sido mãe – mais tarde “volvieron a pisar anoche el tablao del Café de Chinitas”.
Gostaria de pensar que o “La Chunga” foi dela, ou foi criado por amor a ela. E gostaria ainda de acreditar que a homónima peça de Vargas Llosa, protagonizada pela proprietária de um bar no Perú, se inspirou na andaluza bailarina e nesta sexy espelunca do 24 da rue Latour que, perpendicular, desagua na Croisette.
A verdadeira bailarina e a fictícia peça de Llosa são porventura coincidências. Ou são apenas reflexo de um (meu) desiderato descabelado e optimista. Pouco importa. Das minhas noites no “La Chunga” guardo a inocência dum prazer em primeiro grau. Não precisam – aquelas cendradas noites – de caução. Basta-lhes essa intensa e infantil alegria de, cantando mal e dançando pior, terem firmado electivas afinidades.
No “La Chunga”, mesmo quando é de pinguins que se fala, nas cadeiras ou em cima das mesas, dança-se sempre, limpidamente, acima do nível do mar.

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sexta-feira, 18 de maio de 2007

A Mãe (e o Pai) de todos os Códices


Portugal participou hoje num acontecimento cultural histórico. Foi lançada entre nós, pela mão das Edições 70, uma obra única, de referência em todo o Mundo civilizado, em simultâneo com o resto do Mundo: O Codex Arquimedes.

No meio da patética ficção de todos os códices a que assistimos nos últimos anos, de da Vinci a sei lá o quê, este é um relato em que a nudez crua da verdade ultrapassa o manto diáfano da fantasia. Não é uma história a brincar: é a sério. Não é uma história construída em torno de uma patética seita ficcional: é uma história verídica sobre uma obra milenar de um dos grandes génios da Humanidade - Arquimedes. O homem do "Eureka" (que, ao que parece, nunca aconteceu).

A história começa há mais de mil anos. Mas este livro lê-se como um thriller. E sobre um assunto real da História da Ciência! Façamos fast-forward para o ponto em que os autores do livro, o classicista Reviel Netz de Stanford e William Noel, Conservador do MuseuWalters de Baltimore,
começam a sua narrativa. Em 1998, num leilão da Christie's, em Nova Iorque, foi comprado por 2.200.000 de dólares um livro muito feio - o Palimpsesto de Arquimedes.

Após ter sido perdido e descoberto várias vezes, foi identificado um livro de orações do século XIII que era um palimpsesto - tinha sido raspado (reciclado!) e por baixo tinha textos de Arquimedes. O famoso Codex C, perdido desde a Cruzada de 1204, que invadiu e saqueou Constantinopla.

O Palimpsesto de Arquimedes foi comprado no leilão por um desconhecido através de um intermediário. Ainda hojhe não se sabe que foi. William Noel teve uma ideia palerma: mandou um email ao intermediário para saber se o proprietário estaria interessado em expoôr o Palimpsesto de Arquimedes no Walters.

Três dias depois, tinha um email de resposta "que lhe deixou o estômago a dar voltas". O estranho milionário concordava queria visitar o Walters Museum. Aquando da visita, o misterioso "Mr B.", acompanhado do intermediário, do Director do Museu e de Noel, foi levado a almoçar. E quando Noel perguntou "Então, estaria interessado em ter cá o Palimpsesto?", Mr. B. respondeu, "Olhe, já está: deixei-o num saco de papel castanho no seu gabinete". "HA-HA-HA", riu Noel, "então ainda bem que deixei a porta trancada!". Mas foi a correr e lá estava o Arquimedes!

O livro é um relato extraordinário do que se seguiu, que envolve um pouco de tudo - de grego clássico à CIA e a acções judiciais. Mr B. deixou ao Walters generosos fundos para investigar o texto de Arquimedes. Só abrir o livro demorou 4 anos. O texto foi estudado com as técnicas mais avançadas de raios X proveniente do acelerador linear de Stanford (SLAC).

O resultado é uma aventura extraordinária na história da Civilização. É contactarmos com uma das maiores mentes que viveu na Terra, há mais de 2000 anos. Aparentemente, Arquimedes terá realizado Cálculo Infinitesimal 1800 anos antes de Newton e Leibniz. É a História de uma aventura real - muito, muito à frente da ficção. O livro do ano.







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Democracia de rupturas: Governos e CML

A convulsão política portuguesa dos últimos tempos, contruída com base em impulsos, acasos, desencontros, favorece um quadro apto à construção de maiorias que mais se afirmam por expedientes político-judiciais e habilidades politico-constitucionais, do que pela avaliação dos créditos das políticas pensadas e aplicadas no terreno, ao fim de mandatos de quatro anos . O mapa político transforma-se num tabuleiro em que as regras da democracia cedem ao imprevisto legalizado.
O eleitor, consultado depois do estrago, tende a refugiar-se na doca mais seca - com a naturalidade dos inseguros - sem questionar a natureza da intempérie que lhe toldou as velas. Podem, depois, os vencedores dizer que foram chamados à missão de resgate dos náufragos que os confirmam com o seu voto agradecido.
Falo do que se tem passado, desde Dezembro de 2001, no Governo e na Câmara Municipal de Lisboa, cujo enquadramento político depende de uma colecção de rupturas impulsivas que afectam do sentido de responsabilidades do ciclo democrático e o rumo dos acontecimentos.
- 1º impulso: saída de Guterres a meio do mandato (Dezembro de 2001)
- 2º impulso: saída de Durão Barroso, no dia em que obteve o pior resuldado eleitoral de sempre entre o PSD e o CDS (Europeias de 13 de Junho de 2004)
- 3º impulso: saída de Ferro Rodrigues da liderança do PS, em colisão com o íntimo Sampaio, no dia em que soube que o PR não convocaria Eleições Legislativas, (o que pesaria no escrúpulo do Supremo Magistrado) (Julho 2004)
- 4º impulso: carta de demissão de Henrique Chaves (Novembro 2004)
- 5º impulso: dissolução da AR, com maioria estável, por Jorge Sampaio, poucas horas depois de pedir a remodelação governamental (Novembro de 2004)
- 6º impulso: na ânsia de evitar as candidaturas de Valentim e Isaltino, Mendes improvisa o argumento anti-arguido. Desvirtua o espírito da Lei e inaugura a dependência do poder político em relação ao poder judicial (Verão de 2005)
- 7º impulso: Carmona rompe a coligação com o CDS por desacerto de um nome para a SRU da Baixa-Chiado (Outono de 2006)
- 8º impulso: Saídas dos Vereadores Carrilho e Nogueira Pinto - o 1º por enfado a 2ª por desgosto com um grupo (também impulsivo) no Conselho Nacional - 15 dias antes da «atenção» judicial sobre os vereadores da maioria e do Presidente da CML. (Novembro de 2006 e Fevereiro de 2007, respectivamente)
Nada tenho contra impulsos ditados pela defesa do bem comum ou pela exigência da honradez. Mas esta série, tão continuada, ligeira e politicamente consequente, desencadeia uma desfocagem das regras da Democracia e tende a premiar os que estão no lugar certo, na hora certa, aptos a capitalizarem a insegurança que, por vezes, instigaram. Esta análise desfaz - porventura injustamente - nos créditos de quem herda as situações maduras. Mas ela decorre de um dos efeitos preversos na lei das rupturas provocadas. Há outros: perder o poder é difícil de aceitar. A saudável alternância democrática não é fácil de encaixar entre quem sai vencido depois de servir com esforço ou, simplesmente, depois de ter experimentado o poder. Mas sentir que o poder foi «roubado» gera um movimento pessoalizado, justiceiro, revanchista que também não favorece as ideias nem o combate democrático.
Os discursos de Carmona e os seus índices elevados nas sondagens são disso exemplo. O desgosto de Santana pode gerar frutos nas sementes amargas do passado recente. Nogueira Pinto ressurgirá. Monteiro não desiste de ressurgir. Portas já o fez. Marcelo destila, devagar, a perda abrupta, de forma metódica e criativa.
Sócrates aproveita o destempero dos vencidos pelo artifício. Sem atenção ao interior do País, de onde veio, nem ao exterior Oceânico para onde deveria ir. Cede na Europa e cala os diplomatas que o alertam para os perigos do novo Tratado. Faz da presistência um crédito raro, que o é, enquanto dura a intempérie. Mas como termina Luciano de Canfora no seu livro recente, «A Democracia, História de uma Ideologia»: «A história (...) ensinanos que toda e qualquer ruptura violenta, mais tarde ou mais cedo, se recompõe».

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II. Les Négriers en Terres d'Islam. La Première Traite des Noirs, VIIe-XVI siècles, Jacques Heers, Perrin, Paris, 2004

Há vários argumentos que neste contexto são de somenos importância:

a) O islão levou 19 milhões enquanto os cristãos apenas 17 milhões de escravos. O cristianismo fê-lo em menos tempo porque foi mais eficaz. A incompetência não é mérito no que respeita ao islão, e os números nesta área são importantes mas sempre arriscados

b) O esclavagismo africano é endémico em África. Existia desde a mais remota antiguidade de dele participaram africanos, brancos e negros (egípcios, núbios, africanos da africa abaixo do Sahará).

c) As interpretações dos textos religiosos, que podem ser as mais variadas.

O que é importante é salientar o que existe de estrutural na relação com a escravidão na comparação entre a Europa e o Islão:

a) O esclavagismo islâmico durou mais de doze séculos. O cristão pouco mais de doisem termos significativos.

b) O esclavagismo cristão acabou de dentro da sua própria cultura. Os movimentos anti-esclavagistas não são uma imposição de africanos ou muçulmanos, mas de europeus. O esclavagismo islâmico foi fenecendo por imposição europeia e a franco contragosto.

c) Estes movimentos estão associados ao cristianismo, seja com John Brown na América, seja na Inglaterra com os movimentos evangélicos, Quakers e outros; o iluminismo teve representantes favoráveis e desfavoráveis ao esclavagismo.

d) O exemplo dado é fundamental. O fundador de uma religião teve escravos, o da outra não. Numa o mais perfeito dos homens teve escravos, noutra o paradigma da humanidade não os teve.

Percebe-se porque razão Platão, Aristóteles e tantos outros filósofos antigos distinguiram o seu ensinamento público do esotérico. Sabiam que realidades algo complexas seriam sempre incompreendidas do vulgo. Mas o problema maior não é a incompreensão passiva. É quando esta se pretende arvorar em paradigma do pensamento universal. A História carece de uma capacidade de pensar o complexo, coisa que falta ao comum. E de o fazer com probidade, o que não é de esperar de quem fala do que não sabe.

Alexandre Brandão da Veiga

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Sobre uma fotografia

Está científicamente provado que a divulgação de fotografias é uma forma eficente na busa de pessoas desaparecidas. O senso comum também consegue compreender que a atenção dos media é crucial para a eficácia das buscas e no recente caso de que se fala a estratégia que a família está a seguir é precisamente essa. A mobilização da sociedade é fantástica em países desenvolvidos como a Grã-Bretanha. Nós ainda estamos um pouco longe disso o que não significa que não se tente mesmo assim fazer algo. Não confundir a enorme atenção que a Sky-News está a dar ao assunto com a exploração de instintos básicos - é uma estratégia consciente. Esperemos que resulte.
http://news.sky.com/skynews/madeleine

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quinta-feira, 17 de maio de 2007

VARIAÇÕES SOBRE BLAKE, NUMBER TWO

Tiger! Tiger! Burning bright
In the forests of the night

Às vezes, entre a dor e o nada que Faulkner impõe como escolha no fim das “Palmeiras Bravas”, perpassa em nós o fulgor da imortalidade.

Tiger! Tiger! Burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?

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VARIAÇÕES SOBRE BLAKE, NUMBER ONE

Não é medo. É apenas saber que nunca mais:

“I have no name:
I am but two days old.”
What shall I call thee?
“I happy am,
Joy is my name”

Nada hoje é pior do que ontem. Só o tempo, invísivel insecto, nos afastou das nossas canções de inocência.

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I. Les Négriers en Terres d'Islam. La Première Traite des Noirs, VIIe-XVI siècles, Jacques Heers, Perrin, Paris, 2004

Hoje em dia qualquer um que faça uma tese sobre História contemporânea (desconfio sempre que, quando não aprendeu latim e grego se dedicou à História contemporânea por a restante lhe ser vedada por falta de acesso às fontes) já se sente autorizado a falar em nome da Historia. Diz-se cientista e apela no espaço público para a sua qualidade de cientista. Quando no espaço público, caso seja cientista, não pode estar a defender uma tese ideológica. O seu ethos tem de ser diverso.

A verdade é que Jacques Heers pertence a outra lavra. É um historiador de grande competência, com trabalhos realmente importantes de investigação sobretudo sobre a Idade Média, e da longa Idade Média. Não a lei das sesmarias. Em acréscimo tem à sua disposição instrumentos muito vastos de investigação que o não especialista não conhece e de que não dispõe.

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quarta-feira, 16 de maio de 2007

Ken Burns Jazz INTRO

Ken Burns é um dos mais geniais «documentaristas» americanos. Com ínumeras nomeações para os Óscares e para os Emmy, Burns notabilizou-se sobretudo pelo uso da fotografia como material base dos seus documentários. "The Civil War", "Baseball", "Brooklyn Bridge" e este fabuloso "Jazz" que estive recentemente a rever são algumas das suas obras mais emblemáticas. A ver e rever.

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III. Vangelo di un pagano. Testo greco a fronte, Porfirio, Bompiani, 2006

Ler Porfírio, apesar de a sua influência ter sido relativamente fraca na História é ler um imenso “ e se”. E se o mundo antigo tivesse seguido pela via neoplatónica, mística, desprezadora da carne? Se tivesse conseguido adequar as suas forças às invasões bárbaras sem ter nenhum dique sólido para as forças do elitismo pagão como foi o cristianismo? Se a Europa tivesse sido formada apenas de uma confluência de paganismos indo-europeus?

Nesse universo Nietzsche teria sido apenas mais um mandarim. E a sua opinião seria realmente maioritária ao contrário do que é hoje em dia, apesar das aparências. O seu sucesso seria a medida da sua irrelevância.

Nesse mundo prevaleceria o desprezo aristocrático sobre os direitos do homem e o respeito por outras culturas e pessoas só porque o são. Porfírio seria a condição simultaneamente da menoridade e do sucesso de Nietzsche.

Combatendo o cristianismo com armas idênticas e até empoladas (misticismo, espiritualismo, direccionamento escatológico, menorização da carne) é a vários títulos um ponto de charneira.

É tudo o que a Europa poderia ser se não fosse cristã. Não sibarítica, mas mística. Não obrigada a confrontar-se com o amor e a fragilidade, mas com a elevação pura. Uma Europa onde o medíocre seria mais duramente punido, onde a piedade teria menos curso. Porque o que é comum, salvo no cristianismo e em alguns movimentos hindus, é que a elevada exigência moral para si mesmo redunda num imenso desprezo moral pelo outros.

Se uma Europa melhor ou pior, não me pronuncio. Mas de certeza seria o que a Europa não é. Uma Europa não baseada no cristianismo.


Alexandre Brandão da Veiga


http://www.libreriauniversitaria.it/BIT/8845257819/Vangelo_di_un_pagano__Testo_greco_a_fronte.htm
http://www.liberonweb.com/asp/libro.asp?ISBN=8845257819
http://www.maat.it/livello2/porfirio-2.htm
http://it.wikipedia.org/wiki/Porfirio

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terça-feira, 15 de maio de 2007

Mulheres Nuas

Tenho andando lamentavelmente afastado da "Geração de 60". Hoje, o Pedro, a quem algumas vezes reprovei a ausência, atirou uma pedra aos meus telhados cristalinos. Um estrondo. Embaraçosamente apanhado de calças na mão, prometi-lhe um post sobre “mulheres nuas”. É com promessas destas que se arruína uma vida, mas se firmam, espero, reputações.
Dir-me-ão que “mulheres nuas” soa a mote iníquo para um blog que busca reconduzir-nos a uma prístina elevação teórica. Vejamos: estou de acordo. A nudez requer fina luz, olhar límpido e os tempos que correm andam farruscos. Unanimemente farruscos.
Estou a queixar-me? É muito português. Choramos, choramo-nos, com humildade e ruidosas fungadelas. Avanço uma peregrina hipótese explicativa e espero que percebam, no que se segue, que não dou ponto sem nó: faltou-nos no passado, e falta-nos no presente, reconhecer o valor teórico do humor. Rimo-nos pouco, não nos rimos de nada.
Por exemplo, os países de Leste. Eles, como nós, viveram assolapados por regimes repressivos. Comunistas lá, um pálido e coimbrão fascismo cá. Comparamos e temos de reconhecer que não sabemos o que é a desgraça. Da desgraça, eles, a leste, fizeram força e vão, como já se viu, bater-nos em toda a linha. Eles desenvolveram a mais competente e atómicas das armas: riram-se deles mesmos, souberam rir-se da própria desgraça.
Dou exemplo duma piada comunista. Do país mais genuinamente divertido do mundo, a extinta República Democrática Alemã:
Pergunta – “Porque é que, mesmo nos períodos de maior carência, o papel higiénico na Alemanha do Leste era sempre de folha dupla?
Resposta alemã – “Porque tínhamos de mandar uma cópia de tudo o que fazíamos para Moscovo.
Preferiam, estão agora a dizer-me, deslumbrar-se com mulheres nuas? Estou de acordo: nem com os nossos comunistas, os mais chatos do mundo, incluindo os dissidentes, tivemos sorte. Falta-lhes teoria, a prístina e elevada teoria do riso.
Um último exemplo. No jornal diário de Bucareste (e peço desculpa se havia mais do que um) tinham um copy só para rever as provas com o nome de Ceausescu (cento e tal referências diárias era o mínimo garantido). É que Nicolai, o primeiro nome do potente presidente, se grafado com um surdo e mudo h (Nicholai), passava a significar pilinha pequena. O pormenor não é dispiciendo e a patriótica missão do copy inegável. Mas o ortográfico infortúnio de Ceausescu fazia o gáudio do povo, gerando a poética justiça que torna a vida mais leve e mais suportável.

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Uma Estratégia Nacional para o MAR

Desde o Dia Mundial do MAR, data escolhida para a presentação, não sem alguma pompa e circunstância, a Estratégia Nacional para o MAR do actual Governo, três questões estão por responder para que se possa afirmar existir, de facto, uma verdadeira Estratégia Nacional para o Mar:


- Está Portugal disposto a verdadeiramente defender e exercer os seus direitos sobre o Mar que é seu?

- Está Portugal disposto a verdadeiramente afrontar a União Europeia nesse particular?

- Tem Portugal uma verdadeira estratégia e consequente acção que justifique essa defesa?

Questões, até hoje, infelizmente, sem resposta. Hoje, dia em que o Instituto Europeu da Faculdade de Direito de Lisboa promoveu mais umas Jornadas Europeias exactamente dedicadas ao tema d’A Política Marítima da União Europeia e onde, Tiago Pitta e Cunha, responsável pela Política Europeia no Gabinete do Comissário para as Pescas e Assuntos do Mar, surgiu a defender, muito legitimamente e como lhe competia, a dita política, acrescentando, bem mais discutivelmente e sem necessariamente lhe competir, servir igualmente a mesma os supremos interesses nacionais.

Como sabemos, ou todos deveríamos ter plena consciência, no dia em que Portugal perder a soberania sobre o seu mar, sobre a sua ZEE, como era já proposto, em princípio, muito significativamente, sem assinalável escândalo nacional, no famigerado projecto de tratado de Constituição Europeia (Artigo I-13º-d), perdendo o o poder e relevância geoestretégica que lhe restam,Portugal entrará num processo final de evanescência sem remissão.

Não culpemos, porém, a União Europeia por todos os muitos e muito nacionais erros e males. A União Europeia não é uma entidade abstracta mas, acima de tudo, a personificação dos interesses das nações que a compõem, respeitando, antes de mais, em primeiro lugar e acima de tudo, como sempre sucede nestas casos, os interesses das maiores, mais fortes e poderosas nações. Interesses que não só não são necessariamente coincidentes com os nossos como, neste, particular, colidem mesmo. E no entanto, no Auditório da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pouco mais estariam do que cerca de duas dezenas de pessoas, metade das quais por inerência, i.e., por serem oradores convidados _ alguns dos quais, de resto, mais não permaneceram senão o tempo estritamente necessário ao honesto cumprimento da sua missão.

Não, não culpemos a União Europeia. Culpemo-nos a nós. E que não nos suceda como a Boabdil, se não nos falha a memória do seu triste nome, que ao abandonar o Alhambra de lágrimas nos olhos, em 1492, após a queda de reino de Granada, ainda teve o amargo de ouvir as cruéis mas acertadas palavras de desdém de sua mãe: «Choras como uma mulher, tu, que não soubeste defender o teu reino como um homem».

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II. Vangelo di un pagano. Testo greco a fronte, Porfirio, Bompiani, 2006

É mais um lugar comum distinguir a moral de prazer dos antigos da moral de culpa cristã. Tese arcaica de um Tilgher e um Brochard que fez sucesso na geração dos anos 1960, mas sem nenhuma consistência histórica para quem lê os originais. A moral dita antiga é muitas morais, variando com as épocas e os lugares.

O cristianismo não teve de se opor no momento da sua ascenção a uma moral devassa, epicurista, hedonista, mas bem pelo contrário a uma moral pagã ascética, martirizando a carne, odiando o corpo. Em alguns casos este movimento roça a histeria, em Porfírio contém-se dentro de uma racionalidade bem estruturada, sem prejuízo de merecer críticas.

O que a Igreja teve de explicar é que o corpo não era a fonte de todo o mal, que a matéria não era o reino da ilusão, do mal ou do pecado enquanto tal. O que Porfírio tentou demonstrar era que Cristo sendo um homem divino (conceito algo diverso do actual) não poderia ser Deus feito homem, porque isso é absurdo perante a razão neogrega.

Toda esta discussão parece pretérita, de mera curiosidade. Sodano, num trabalho muito sério de crítica, ajuda a perceber por que razão não é assim. Nunca houve obviamente um livro chamado “Evangelho de um Pagão” feito por Porfírio. Trata-se de um conjunto de obras, ou melhor, de fragmentos de obras.

Apenas mostra que o seu pensamento, no que dele nos resta, corresponde a uma alternativa civilizacional que poderia ter tido lugar. Em que a religião teria sido obra de filósofo, como o confucionismo ou o budismo. Embora como se saiba isso não impeça a existência de cleros e teocracias bem mais apertadas como a tibetana ou a do mandarinato.

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segunda-feira, 14 de maio de 2007

I. Vangelo di un pagano. Testo greco a fronte, Porfirio, Bompiani, 2006

A uox populi diz que o modernismo fez enfraquecer o cristianismo, que hoje em dia somos muito mais esclarecidos, que nunca houve tanta descrença. Vários erros de perspectiva e de presunção, porque há demasiadas épocas da História para se poder fazer essa comparação de forma tão simplista. Mesmo Nietzsche o suposto anti-cristão por excelência está bem longe de o ser no sentido popular.

Se bem virmos no longo prazo, e tudo ponderado, houve dois grandes anti-cristãos. Porfírio e Maomé. Símaco, Juliano o Apóstata, Hipácia e tantos outros são brincadeiras de crianças ao pé destas personagens. Plotino não deu grande importância ao cristianismo, confundindo-o muitas vezes com a sua vertente gnóstica, pelo que não pode ser bom exemplo.

Sobram Porfírio e Maomé. Pode-se dizer que ambos eram grandes admiradores de Cristo. A tal ponto de o primeiro reconhecer que Cristo é abençoado pelos deuses e o segundo faz d'Ele quem recebe os homens no Juízo Final. A História tem demonstrado que essas admirações podem ser tanto mais perigosas quanto sinceras são. O facto de Cristo ser de sangue judeu não impediu a existência de anti-judaísmos na Europa. O anti-semitismo de Himmler não o impediu de ter grande admiração pelo Islão e pela Turquia. E turcos e persas odeiam os árabes e por eles são desprezados, sendo certo que isso não os impede de venerar mais que qualquer outro homem um árabe, Maomé.

Que Porfírio admirasse Cristo não evita que tenha sido o mais poderoso anti-cristão sob o ponto de vista intelectual. Em Plotino o cristianismo ainda não tinha importância bastante. Em Celso a crítica é coberta e enfraquecida pelo insulto, em Símaco, pela dignidade do vencido que se sabe vencido, e que apenas já só deseja preservar o que pode ser preservado. A aventura de Juliano foi romântica, mas de muito breves efeitos.

Porfírio é o único que concilia uma consciência da importância do cristianismo, um momento de viragem em que ainda seria possível travar a predominância cristã, um conhecimento a aprofundado das fontes bíblicas. Mas igualmente o que luta contra o cristianismo com armas que se lhe assemelham.

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Um perigoso equívoco (parte II)

Ainda a propósito da saudável discussão que travei com o Gonçalo , socorro-me de uma crónica certeira assinada no DN de Domingo por Nuno Brederode Santos:
«Muitos dizem que, na política portuguesa, nada mexe, nada muda, tudo se arrasta. Falta-nos a cavalgada, os factos à desfilada. Carecemos do swing que nos faça arribar deste torpor. Mas os dias da queda da Câmara Municipal de Lisboa desmentem com estrondo esta ideia.Na quarta-feira, já quase no final do programa de fim de tarde da SIC Notícias Opinião Pública, uma senhora telefonou e, apresentando-se como funcionária da CML, leu a carta que desta recebera no próprio dia. Era a convocação para uma manifestação de apoio a Carmona Rodrigues nas instalações camarárias do Campo Grande. Uma hora depois, todos os canais transmitiam em directo o discurso de um presidente surpreendido e emocionado com a "manifestação espontânea" de que estava a ser alvo.Na quinta-feira, o gabinete do presidente informava não ter podido "concluir" o processamento burocrático das renúncias para informação do Governo Civil da perda de quórum na câmara, o que já só seria possível na sexta-feira. Mas, na sexta-feira, o mesmo gabinete informou pelo telefone os vários partidos de que era necessária cópia do bilhete de identidade de todos os renunciantes (entendimento este que não foi partilhado pelo Governo Civil) - coisa que era detectável logo na entrega, e não a "concluir". Fê-lo, aliás, com assinalável displicência, num arrastamento langoroso que foi desde a hora de almoço (comunicação ao PCP, segundo Ruben de Carvalho, na SIC Notícias) até ao fim da tarde, após o encerramento do expediente (comunicação ao PSD, segundo os jornais). Contudo - e parecendo vergar-se aos protestos dos partidos - acabou por fazer chegar a documentação ao Governo Civil pelas 21.30 (conforme fax da Lusa lido durante o mesmo jornal da SIC Notícias).Tudo isto sugere que Carmona Rodrigues não enjeita a hipótese de se candidatar de novo, mas assumindo todas as cautelas a que tem direito. Para tanto, fomenta o aplauso inorgânico e estuda os seus trunfos. Uma multidão "não assimilada" poderia entusiasmar-se com o discurso antipartidos e ser o seu exército. Com a vantagem de serem os que, por impossibilidade económica, não saem para férias, pelo que valorizam umas eleições em Julho (e não em 24 de Junho). Para a enquadrar e para a logística de campanha contaria também com aquele funcionalismo municipal que tem mobilizado em seu apoio. O que provavelmente pressupõe o pagamento atempado dos salários e, para isso, fazer ainda aprovar os dois empréstimos de curto prazo (trinta milhões) de que dá conta o DN de sábado. E, certamente mais atento do que eu, terá lido nas palavras indulgentes de Paulo Portas que uma tal aventura poderia resolver os problemas do CDS, poupando este, ou a um resultado decepcionante, ou a arriscar o seu líder num complicadíssimo protagonismo pessoal. Se nem sempre a circunstância faz o homem, sempre, de um modo ou de outro, ela o revela. Carmona Rodrigues terá sido, um dia, o engenheiro, o apolítico, o independente a quem repugnariam os aparelhos e os tacticismos partidários. Apesar de, nas pausas desta conversa antiga, já levar duas aventuras de autarca e uma de ministro - e sempre à boleia de um partido. Mas hoje nada tem, como agora melhor se viu, do que insinua: nem querubim de Botticelli nem Bambi órfão de mãe. Ele já lançou mão da demagogia, abusou da burocracia e fez suas as piores tácticas dilatórias. Promoveu equívocos e jogou nas ambiguidades. Já trocou mandamentos por conveniências, deveres por ambições. Talvez ainda esteja a aprender a rua, mas conhece como poucos os truques de gabinete, os silêncios das gavetas e as guerras de papel das chancelarias. Não tem nada a aprender com os aparatchiks que a vida nos pôs no caminho. O seu apoliticismo é apenas uma impreparação. A sua independência, que tão longamente foi uma vantagem, é agora uma contingência. Mas a ambição, maior do que o braço estendido, está-lhe nos ossos. Não consegue travá-la. Terão de ser os outros a fazê-lo. Talvez também nisso consista a resignada máxima das gentes solidárias: "Temos de ser uns para os outros."»
Na «mouche». Digo eu.

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domingo, 13 de maio de 2007

Fátima




Fátima toca-me. Sempre tocou. É uma experiência que vai para lá da explicação. Com a força própria das coisas profundas, é esperança de uma verdade que irmana e dá sentido.
(Também) Naquele adeus imenso, reconheço a felicidade de ter fé. Mas, para além dessa dimensão pessoalíssima, comovo-me com a expressão – presente e vívida – da alma portuguesa.
O povo impôs Fátima. E resistiu. Calma e serenamente, foi determinando o caminho. Venceu a generalizada desconfiança inicial. Superou a instrumentalização e a propaganda do Estado Novo. Aguentou os extremismos militantes da revolução. E, hoje como sempre, não cede à sempre latente arrogância da nossa inteligentsia.
Popular e oficial, palco de testemunhos de religiosidade muito diversos, encruzilhada de encontros fundadores entre peregrinos, espaço de liberdade na relação com as próprias aparições, Fátima é, afinal, uma extraordinária manifestação de fé.
Singular, entre os cultos marianos. E absolutamente portuguesa, no sincretismo da sua espiritualidade.

Fátima é sobretudo uma fala ao coração, um estremecimento da alma. Refiro-me a essa coisa rara e que supera todos os apetites de milagres, todas as experiências místicas de que se ufanam outros santuários, essa coisa única que revela Portugal a si mesmo e o que na sua alma existe de inconfundível: a Procissão do Adeus.
(…)
… quando na Cova da Iria irrompe o cântico nostálgico: De Vós me aparto ó Virgem… ó Fátima Adeus… Virgem e Mãe, Adeus… Fátima transforma-se num imenso cais, o cais de todas as lágrimas que os Portugueses verteram nos quatro cantos do mundo, onde andaram sempre a despedir-se sem nunca saberem bem onde era a sua terra. Vasto mundo, mundo nunca nosso e do qual sempre fomos. Quem quiser saber o que é a unidade sentimental do povo português vá à Procissão do Adeus, a Fátima, e veja aquela doce arte de chorar juntos sem nenhum motivo muito evidente: «Acaso sois português, que tanto chorais?» (Lope de Vega).
Frei Bento Domingues, A Religião dos Portugueses, pp. 61-62

Fátima sente-se. Ou não.

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sábado, 12 de maio de 2007

O número que marcou não está disponível

A minha mãe tem 89 anos e é surda. Quando lhe pergunto alguma coisa, responde ao lado. Protesto contra a sua surdez, ela afirma que “como” as palavras, No fundo, conversa de surdos. Traz-me triste, esta questão da incomunicabilidade. Percebo que a inteligência tem consigo, uma obrigação moral, tal como é expressa na parábola dos talentos. O que nunca ninguém diz, porventura com medo de parecer vaidoso, é que a inteligência tem um preço: a solidão. Dizia o meu amigo Jacques Brel, (nunca o conheci, entenda-se), numa entrevista que tive o privilégio de assistir: “recuso-me a ser inteligente”. Julgo perceber o que quis dizer, e no entanto…
Por favor não vomitem ao voltar ao assunto, mas a questão do aborto, parece-me exemplar. Pensei sobre essa questão dias a fio. E mudei de opinião. Cheguei à conclusão que uma sociedade de homens tem de se reger por um conjunto de valores que se afirmam, como na constituição dos EUA, como “self-evident”. Procurei ouvir do “outro lado” argumentos que me fizessem pensar. Na verdade, apenas ouvi um discurso indigente, com a elevação das “cartas dos leitores”. No fundo há três classes, (como dizia o meu filho, pessoa com quem consigo conversar): A primeira, os que têm uma posição clubista: o Sim é de esquerda, o Não é de direita. A segunda fica pelo piso -3 dos argumentos, e usa interrogações do tipo: “Mas queres ver as mulheres presas?!!!?...”. Os terceiros, embora não o formulem dessa maneira, banalizam a vida pela evidência da exuberância e "facilidade" com que surge, em detrimento do valor extraordinário da singularidade de qualquer existência. Ou seja, é tão fácil criar uma vida, que a vida em si mesma, é de valor relativo, sobretudo se não lhe apertei a mão, lhe conheço as feições ou afaguei o pelo. E depois há aquela frase extraordinária: “ Tens que respeitar a minha opinião!”. Não! Não tenho! Que a tua opinião é uma merda, o teu raciocino abaixo do percentil 5, o tempo que perdi a te ouvir irrecuperável. Não respeito a tua opinião e disso me orgulho. Não afirmo a inexistência de outros argumentos que me façam parar para reflectir. Talvez haja. Ainda não os ouvi. Mas, sobretudo, há a enorme tristeza de não conseguir comunicar. Como é possível, (e outros afirmarão o mesmo, com sentido contrário), que algo que é para mim de uma clareza total, seja opaco para outros. Penso que apesar de tudo, o treino profissional, e o meio cultural donde bebemos os instrumentos do intelecto, são fundamentais. O treino laboratorial traz uma sensibilidade que é muito difícil de transmitir a quem não teve a experiência do rigor da análise, mais ainda, da crítica científica. “ Small brother” dizia que este era um argumento da autoridade, mas não é, apenas a constatação de que diferentes treinos académicos fornecem instrumentos diferentes de análise. Nada mais frustrante, do que tentar explicar a um adolescente algo para o qual ele fecha a mente. Ele julga que eu não percebo nada da vida, eu sei que ele sabe pouco da mesma. Mas destas duas certezas subjectivas, eu sei, (por que penso), qual a verdadeira, e qual a falsa, e no entanto, não consigo transmitir essa evidência. No quotidiano, quantas vezes sinto essa impossibilidade de encontrar quem esteja disposto a ser ensinado, embora todos se afirmem dispostos a aprender. Diferença subtil, não? E caminhamos sozinhos. Por vezes seguros, que a Terra anda à volta do Sol, e, no entanto, incapazes, apesar da veemência do discurso, não só de o provar, como até, de o fazer entender. Provavelmente, porque, (e ouço a minha mãe), eu “como” as palavras.

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sexta-feira, 11 de maio de 2007

Salazar, a Europa e... Caetano

Esta coisa de se escrever em blogs significa que devemos procurar a polémica, ou não? – Enquanto que espero pela resposta, permito-me pegar numa citação sobre Salazar e a Europa retirada de um texto de um dos mais reputados economistas portugueses, Luís Cabral, publicado em http://cachimbodemagritte.blogspot.com/2007/04/mal-agradecidos.html.

O pretexto com que faço isto é o da recente passagem do Dia da Europa (data da “Declaração de Schuman” de 9 de Maio de 1950, que levou à CECA) e da próxima comemoração dos 60 anos do anúncio do Plano Marshall, no famoso discurso que o Secretário de Estado norte-americano fez na Univesidade Harvard.

A citação de que se trata é esta: “Um dos grandes erros do Salazar – erro que pagámos caro – foi a postura do ‘pobre mas honrados’ (em relação ao Plano Marshall) e ‘orgulhosamente sós’ (em relação à Europa).” Esta citação remete para um mito e um pressuposto porventura errado.
Portugal é um país activo na diplomacia europeia há muito, muito tempo, naturalmente, e essa ligação é crucial para todos os aspectos da vida nacional, incluindo as relações com África e o Brasil. Nas últimas duas décadas, o papel da integração europeia na modernização da sociedade portuguesa foi crucial, a tal ponto que tudo o que se faz agora é feito numa perspectiva de abertura ao exterior, condição fundamental para que um pequeno país se desenvolva e de forma equilibrada.

O mito é o de que Portugal não participou no Plano Marshall, porque Salazar não o quis. Ora, a verdade é que o contrário aconteceu. A ideia de que Portugal ficou de fora decorre da confluência de dois interesses: do Regime, que queria fazer crer que Portugal não precisava da ajuda “americana”; e da oposição e seus historiadores que aproveitaram mais essa acha para atacar o regime.

Mas o que aconteceu foi que Portugal chegou a 1947 com uma grande reserva de meios de pagamento sobre o exterior (ouro, dólares, libras), resultantes da forte exportação durante a segunda Guerra Mundial, e o Plano Marshall era para quem disso tinha pouco. Mas as reservas também em Portugal rapidamente se esgotaram (dizem que por causa da necessidade de importação de muitos alimentos – mas ainda não consegui ler bem esta parte da história) e, no ano seguinte, em 1948, o governo português decidiu de facto aderir ao Plano Marshall, sendo membro fundador da Organização Europeia de Cooperação Económica, criada por causa do Plano, no mesmo ano.

Portugal entrava no Plano Marshall e passava a integrar o pelotão da frente (grande, eram 16 países) do movimento de integração europeia. A OECE foi crucial nos primeiros passos da redução das barreiras ao comércio na Europa e foi no seu interior que foram criadas as duas grandes instituições da integração europeia da década seguinte, a CEE, em 1957, e a EFTA, em 1959. Entretanto, em 1950, Portugal também aderira à União Europeia de Pagamentos, que foi brevemente muito importante para a restauração dos fluxos comerciais.

O Plano Marshall teve alguma importância mas foi dirigido a um número reduzido de problemas e durou poucos anos: em 1952 estava feito. O mais importante que dele saiu foi a OECE. Note-se ainda que o aprofundamento da integração europeia que se seguiu se deveu sobretudo aos governos europeus e não tanto aos EUA, cujo papel foi crucial, isso sim, na Defesa.

Assim, o governo português esteve totalmente em cima dos acontecimentos da integração europeia. O que se pediria mais? Que Portugal aderisse à Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, sectores que virtualmente não existiam neste país? Ou mesmo que aderisse à Comunidades de 1957 e se juntasse aos Seis? Pensar que isso poderia ter acontecido é talvez esquecer a verdadeira essência desses tratados que visavam sobretudo resolver problemas de produção, comércio externo e políticas públicas da Europa mais industrializada. E, não esquecer, em 1959, o país aderiu à versão mais suave e possível da integração europeia, a EFTA.

Não houve, na conclusão que posso oferecer, oportunidades de integração perdidas e, ao contrário, Salazar seguiu aquilo que era importante seguir na Europa. Isso não é de estranhar: o Ditador conhecia a história do país e sabia a importância da Europa. Não se dizia europeu nos discursos porque a sua base política amava a África (já agora um outro mito: o de que essas duas vertentes diplomáticas e económicas eram concorrenciais, quando eram – e são – complementares).

A interpretação que aqui proponho dura pelo menos até 1969, data do terceiro pedido de adesão do Reino Unido e de alguns vizinhos seus, o qual viria finalmente a consubstanciar-se no primeiro alargamento das Comunidades, em 1973. Esse passo podia talvez ter sido seguido por Portugal, por via da sua ligação à EFTA e ao RU. Não o foi (Portugal apenas assinou um importante tratado comercial com a CEE, em 1972). Mas, dessa vez, não era também o regime que não gostava da Europa. Nessa altura era já a opinião pública europeia que não gostava de Portugal por causa, obviamente, da guerra colonial.

Estas conclusões têm relevância para a História Económica e para a interpretação da actual economia portuguesa: delas podemos deduzir que, historicamente, o potencial de integração deste país na Europa e, por conseguinte, o potencial de crescimento económico, esteve quase sempre bem realizado. Termino com esta ideia, mais facilmente contestável, à la blog.

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M - Fritz Lang

Realizado em 1931 por Fritz Lang e com argumento da sua mulher Thea von Harbou, M é baseado no caso verídico do «Vampiro de Dusseldorf» que aterrorizou a Alemanha dos anos 20. É a primeira aventura de Lang no sonoro e o filme conta com a inesquecível interpretação do fabuloso Peter Lorre no papel do pedófilo Hans Beckert.
Por razões óbvias, não tenho conseguido deixar de pensar na tão assombrosa quanto aterradora sequência do desaparecimento da pequena Elsie.
Poucos cineastas terão filmado o desespero de forma tão eloquente.

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quinta-feira, 10 de maio de 2007

O tempo da justiça

Vale a pena voltar a discutir a crise na CML. Não tanto para fazer leituras políticas e muito circunstanciadas da decisão de Marques Mendes (nesse plano, devo reconhecer que o líder do PSD, depois dos precedentes de Valentim Loureiro e Isaltino Morais, não tinha muitas alternativas). Mas para reflectir sobre o que é verdadeiramente essencial.
E o que é verdadeiramente essencial tem, na minha opinião, o potencial para ser uma verdadeira bomba-relógio da nossa democracia.

Refiro-me à fundamental incompatibilidade entre o tempo da justiça e o tempo mediático. Que é exactamente a mesma incompatibilidade que existe entre o tempo da política e o tempo mediático. E todos sabemos que esta última incompatibilidade tem vindo a criar importantes rupturas num sistema democrático representativo que foi concebido para casar os valores da igualdade política com as virtudes da reflexão, da ponderação, da deliberação, e da construção de consensos (prometo voltar mais tarde a este tema). E que são as mesma rupturas que agora aparecem no edifício da justiça.

Senão vejamos: enquanto a justiça reclama reflexão, os media reclamam imediatismo. Enquanto a justiça reclama ponderação, os media exigem dramatismo. Enquanto a justiça reclama por garantias, os media exigem resultados. São linguagens, lógicas, filosofias em tudo antagónicas e largamente irreconciliáveis. E como esta incompatibilidade é fundamental e praticamente irresolúvel assistiremos sempre ao sacrifício de um dos sistemas de valores em detrimento do outro. Para já, parece claro que é a justiça a sacrificada. Na impossibilidade de conciliar os seus tempos e os seus processos com as exigências dos media, a justiça perverte-se, deixa cair princípios, abandona dogmas. E transforma-se lentamente numa justiça mediática, com regras diferentes e muito próprias, que são as únicas que podem vigorar no espaço mediático

Basta recuar até ao mega-processo da Casa Pia para que se perceba na prática o alcance dramático desta incompatibilidade fundamental: a justiça «tradicional» ainda não fez o seu curso enquanto que a justiça «mediática» já há muito apontou vítimas e culpados. E não há nada que a primeira possa vir a fazer para alterar o veredicto da segunda. O mesmo se passou na CML. E não vale a pena perdermos tempo com conversas fiadas sobre presunções de inocência. Carmona Rodrigues foi, para todos os efeitos, julgado e condenado no tribunal da opinião pública. E, no espaço mediático, é esse o tribunal que conta.

Mas o caso da CML comporta ainda uma nova dimensão. Já não se trata, como na Casa Pia, apenas de proceder a um julgamento com regras e processos próprios. Trata-se de tirar daí ilações políticas. E se é verdade que Marques Mendes não tinha grandes alternativas, não é menos verdade que o caminho que inaugurou pode ter a prazo consequências imprevisíveis. Ou alguém duvida que com o precedente criado se abre espaço para a intervenção política (i.e. com consequências políticas) do Ministério Público e dos Juízes? Ou alguém duvida que doravante serão eles quem tem o poder de decidir se tal ou tal responsável político é digno de se manter no cargo ou deve ser forçado a abandoná-lo?

Perigoso caminho este.

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ÓLEO PARA FRITURA…

Não sei se o cidadão ocidental tem noção do seguinte facto, a saber:

- está criada uma dinâmica, nos quatro cantos do Mundo, que põe em causa os valores fundamentais pelos quais nos regemos na Europa, no chamado mundo ocidental e restantes democracias;
- mais, esta dinâmica está claramente já fora do controle político, diplomático e militar do ocidente.

Convido-os a darem a volta ao mundo em 4 ou 5 parágrafos:
- na América, a Venezuela, a Bolívia, o Equador e o velho de Cuba, insultam os Estados Unidos e interferem desesperadamente na política interna das duas clássicas potências regionais, o grande Brasil e a Argentina;
- na “Euro-Ásia”, Rússia retoma a postura agressiva contra o Ocidente, bem patente nas declarações, bem como na “plástica” dos rituais, evidenciada nas provocações do líder local no discurso do estado da Nação Russa e nas comemorações na “Praça Vermelha” a propósito dos 50 anos do fim da II Guerra Mundial.
- no mundo Islâmico, da Ásia ao Magreb, é o que sabemos, pontificando o tremendo risco do Irão ansioso por reconstruir o mundo persa, anexando parte do actual Iraque, ao mesmo tempo que se dota de “apetrechos” atómicos;
- na pobre África Negra, Angola vem anunciar que pretende desenvolver o nuclear.
- a China aborda todos os regimes marginais do planeta, com recursos energéticos, oferecendo biliões e protecção, ao abrigo do seu estatuto de membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

É um curioso circo que reúne: ditadores da América, África e Ásia que enchem a cabeça dos seus servos com horas seguidas de discurso; os manicómios nacionais da Coreia da Norte, Irão, Sudão, Etiópia, Libéria, etc.; as cleptocracias de Angola, Venezuela, China, etc.; as Arábias Sauditas, Irões, Chinas, onde a execução de presos é espectáculo de estádio e praça principal.

Chegados a este ponto, tente o leitor descobrir o denominador comum deste quadro de aberrações?...

Eu digo-lhe: é o óleo, o crude, o maldito petróleo!

Esta “droga” do Ocidente representa centenas de milhares de milhões de euros que transferimos anualmente para criar monstros e alimentar estas realidades dantescas.

Ou paramos ou … estamos fritos!

O Ocidente, no âmbito da AIE (Agência Internacional de Energia), tem de prosseguir uma política muito voluntarista para por fim ao que o Sheik Yamani chama a Era do Petróleo.

Teremos de pagar mais caro pela energia? Sim, porque o petróleo é a “fonte “ mais barata.

Mas, qual é o “preço” da Liberdade e da Paz? O problema não é (só) para os nossos filhos. É já da “Geração de 60” que dirá, agora: Maldito óleo que roeste a minha alma!

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quarta-feira, 9 de maio de 2007

Giovanna I d’Angiò, Regina di Napoli, Ciro Raia, Tullio Pironti Editore


Os que dissertam sobre a Europa e sabem tudo sobre o que a Europa é, não é, deve ser e não deve ser geralmente têm uma visão escolar e mal aprendida do que seja a Europa. Saltam entre meia dúzia de conceitos, repetidos até à exaustão, os mesmos e os poucos que se fixaram nas suas parcas memórias.


Felizmente a Europa é bem mais rica que muitos dos seus actuais componentes, e oferece uma diversidade de experiência humanas bem mais vasta do que eles podem absorver.



Lembro-me quando nos impingiam a História de Portugal nos enchiam de uma visão algo caseira da dita. Parecia que de um lado havia Portugal, do outro Castela, nada mais. As relações com a Europa do Norte, as relações nomeadamente com a Europa mediterrânica ocidental eram deitadas ao lixo.



É evidente que numa perspectiva pedagógica as coisas se têm de simplificar. Sabe Deus o que já custa a entrar essa meia dúzia de ideias feitas na cabeça da maioria. Mas o triste é que se verificava que grande parte dos próprios professores tinham essa visão caseira. Confesso que da minha parte o pouco que percebi da História de Portugal decorreu de perceber as relações com Aragão, com a França, o Norte da Europa e o Mediterrâneo ocidental. Por mais estranho que pareça aos especialistas dos forais e sesmarias Portugal sempre fez parte da Europa.



A verdade é que nesta mesma Europa aparece uma dinastia, ramo dos Capetos, que domina o reino de Nápoles. Mais uma. Assim como um ramo domina Portugal, outro Castela, a Borgonha, os Capetos Anjous estabelecem um império elástico que abrange todo o sul da Itália, incluindo as ilhas, Hungria, Polónia, Balcãs, Provença, e feudos espalhados pela França.



Um império peculiar que conduz à ocidentalização de grande parte da Europa central, e ao fortalecimento de relações em todo o mediterrâneo europeu, e uma imensa parte da sua zona continental. O reino de Nápoles não é, ao contrário do que se possa pensar, apenas uma parte de Itália. É durante toda a Idade Média e Moderna o maior reino da Península, e a tal distância dos outros que constituiu sempre uma peça estratégica relevante, mesmo nas suas alturas mais frágeis.



É nesse reino que se instala a dinastia dos Anjous. Dessa dinastia faz parte uma rainha, rainha de pleno direito, porque lei sálica só uma França hiper-patricarcal aceitou, e alguns dos seus satélites. Quando as pessoas se querem referir a grandes rainhas pensam geralmente em Catarina II da Rússia, Isabel I de Inglaterra, a imperatriz Maria Teresa de Áustria. Mas houve bem mais mulheres que foram relevantes e grandes, cada uma à sua maneira e na sua época.



Pormenor importante, pertence a uma dinastia de uma grande beleza. Ao contrário dos reis de França, que em geral nada deviam à beleza (salvo o primo de Joana, Filipe o Belo) os Anjous, do que se percebe da iconografia da época, bem mais realista do que se julga, têm exemplares de grande beleza.



É igualmente uma dinastia de grande cultura. O avô da rainha Joana I Roberto o Sábio, faria jus ao nome. Este sul da Itália aliás já tinha visto gerações de grandes políticos e dotados de grande cultura. Frederico II de Hohenstaufen e os reis normandos da Sicília são bons exemplos disso. Joana I foi educada num meio de grande cultura, sofisticado, banhado em alguma violência, como sempre foi característico do Meridião peninsular.



Era mulher e mulher de grande beleza, e o melhor partido da época. Tudo se junta para que fosse infeliz no amor, grandemente cobiçada pelos homens a mais de um título. Viveu momentos de grandeza e humilhação extremas, teve morte violenta, ingredientes que teriam feito a alegria de uma tragédia de Racine ou uma peça de Schiller ou Shakespeare.



É a rainha que é obrigada a vender Avinhão aos papas, cidade que muito depressa se transforma no centro de cristandade. Mas para além do anedótico dos seus três casamentos e de uma vida liberta demais para o que se pensa serem os costumes da época (dizem algumas más línguas que “isto não é a casa da Joana” viria dela), da sua celebração por Petrarca, é muito difícil atestarmos se foi ou poderia ser uma grande política. As condições da época, a documentação que nos resta, tornam difíceis esses juízos.



Seja como for trata-se de uma vida plena de potencialidades de grandeza como poucas outras, em que a inteligência, a beleza, o poder, a riqueza e a fama se juntam numa só pessoa e em que ao mesmo tempo a tragédia, as dificuldades, as humilhações, a violência parecem ter impedido o desenvolvimento pleno, pessoal e público de uma pessoa excepcional.



De vez em quando aparecem da História estrelas que nascem para nos mostrar a que cumes altos pode chegar a existência humana e como nem eles estão isentos das tempestades. Discutível saber se se trata de uma grande lição política, certo que se trata de uma grande lição humana e de uma deslumbrante ilustração do que pode ser uma pessoa nas suas mais elevadas qualidades.

Alexandre Brandão da Veiga

http://www.italiadonna.it/public/percorsi/biografie/f030.htm
http://it.wikipedia.org/wiki/Giovanna_d
http://www.geocities.com/bard842/giovanna.html
http://www.cinemedioevo.net/film/cine_film_italiani_muti.htm
http://fr.wikipedia.org/wiki/Jeanne_Ire_de_Naples
http://xenophongroup.com/montjoie/angevine.htm
http://en.wikipedia.org/wiki/Angevin
http://www.crwflags.com/fotw/flags/fr-anjou.html
http://gilles.maillet.free.fr/histoire/genealogie_france/capetiens_anjou.htm





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terça-feira, 8 de maio de 2007

Annus Mirabilis

Já não sei quem dizia que não se podia confiiar, e eu não saio bem no retrato, em pessoas com três nomes (era o Bogart ou o velho Hitch?). Bogart desconfiava de pessoas que não bebiam. Eu desconfio ainda mais de quem não se ri de si próprio.

Gosto de Philip Larkin porque só tem dois nomes. Gosto de Larkin por causa do humor cáustico deste Annus Mirabilis com que, de si mesmo, sinceramente se ri. A pontinha de amargura fica-lhe a matar.

Annus Mirabilis
Sexual intercourse began
In nineteen sixty-three
(which was rather late for me) -
Between the end of the Chatterley ban
And the Beatles' first LP.

Up to then there'd only been
A sort of bargaining,
A wrangle for the ring,
A shame that started at sixteen
And spread to everything.

Then all at once the quarrel sank:
Everyone felt the same,
And every life became
A brilliant breaking of the bank,
A quite unlosable game.

So life was never better than
In nineteen sixty-three
(Though just too late for me) -
Between the end of the Chatterley ban
And the Beatles' first LP.

O sexo livre começou
Em mil novecentos e sessenta e três
(Tarde demais para mim) –
Entre o fim da proibição de
Chatterley
E dos Beatles o primeiro LP.

Até então fora só
Uma espécie de regateio,
Canção de bandido por um anel,
Uma culpa que aos dezasseis começava
E a tudo, tudo, se propagava.

De repente a bagunça irrompeu:
Toda a gente sentia o mesmo,
E todas as vidas se converteram
Numa brilhante conta bancária,
Num jogo impossível de perder.

A vida nunca foi tão boa
Como em mil novecentos e sessenta e três
(Embora tarde demais para mim) –
Entre o fim da proibição de
Chatterley
E dos Beatles o primeiro LP.

Philip Larkin, Annus Mirabilis, 16 June 1967, in High Windows ( Collected Poems, p. 167)

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Portugal - a nossa urgência




href="http://ec.europa.eu/commission_barroso/almunia/press_conferences/2007_05_07_speakings_spring_forecasts.pdf">

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Cavalgada heróica


Se a moda pega por cá ainda vamos ter de gramar o Paulo Portas vestido de campino...

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segunda-feira, 7 de maio de 2007

Auto-Retrato


Detesto lugares-comuns. São uma espécie de “outlets” da inteligência, onde por preços muito mais baratos, se compram imitações do pensamento.

Exemplo 1: “Portugal – País Pequeno e Periférico”. Dou de barato o pequeno, embora por razões que todos suspeitarão, seja adepto fervoroso de que o tamanho não importa. Quanto a periférico…onde fica a cabeceira numa mesa redonda? É o Japão “central”? (ou os EUA, ou a Índia, ou a China). As cidades principais dos EUA não ficam no centro do seu território, antes na “periferia” do mesmo, i.e. na costa Ocidental e Oriental. Que ninguém diga que eu vivo longe, porque, na verdade, estou perto do meu vizinho, e se alguma vez a minha casa se tornar relevante, o centro passará por onde eu moro. Faz-me lembrar um amigo americano, que quando na rua, um estranho o interrogava como ir a determinado local, respondia, circunspecto, com ar de perfeita convicção: “you can´t get there from here!”. Repito: onde fica a cabeceira de uma mesa redonda?

Exemplo 2: “Não há fumo sem fogo”. Este é o lugar comum que mais me indigna. É o princípio da presunção da inocência, substituído pela presunção de culpabilidade. É bom que se diga bem alto: Há, (muitas vezes), fumo sem fogo, sobretudo quando grassa a calunia, a inveja e a mediocridade.

Exemplo 3: “Duas cabeças pensam melhor que uma”. É falso, notoriamente falso. Quando duas cabeças se juntam, há uma que pensa melhor que a outra, (embora, por vezes, se possam complementar). Quando Einstein emigrou para os EUA, foi editado na Alemanha um livro intitulado. “Cem cientistas contra Einstein”. Resposta do visado: porquê cem? Se estou errado, bastava um! ou, como dizia o General Paton ao seu Estado-Maior: “ se nesta sala todos pensam como eu, então, alguém não está a pensar!”. Ah, se a verdade fosse como uma carroça, que mais depressa andasse, quanto mais burros a puxassem…

Depois, há expressões portuguesas que são de um provincianismo confrangedor:

Exemplo 1: `”Lá fora…” (faz-se, diz-se, referindo-se ao estrangeiro). Estamos a ver os ingleses a exclamarem “outside”, ou os franceses “dehors”, quando pretendem referir-se a outros países. Oliveira Salazar, não deves ter sido estranho a estas alfândegas da mente. Bem dizia meu tio, Pedro Almeida Lima, quando respondia: “Lá fora…País que nunca visitei!”.

Exemplo 2: “Vem nos livros…”. Mas quais livros Deus meu! Escritos por quem? Mas será que as pessoas não percebem que a autoridade de um livro é apenas de quem o escreveu, naturalmente uma pessoa que, como qualquer outra, tem os seus “bias”, erros, enviesamentos? (uma variante muito utilizada pelos médicos é:”Eles” dizem). Em oposição, o reitor de Harvard, no discurso de encerramento do curso de Medicina, começou da seguinte forma: “metade do que vos ensinámos é mentira… não sei qual é essa metade!”

Exemplo 3: “Ele(a) tem muita experiência…” lembro-me sempre de meu Pai, que gostava de citar Pascal: “ Experiência não é o que nos acontece, mas o que fazemos com o que nos acontece…” para acrescentar da sua própria lavra: “ olha o burro, toda a vida à volta da nora… pergunte-lhe o que é uma circunferência!”

Exemplo 4: “É o País que temos…” habitualmente acompanhado de um movimento de ombros e sobrancelhas que parece querer dizer: nada a fazer, país de idiotas, incúria de responsáveis. Este é um País de suplentes, em que poucos parecem querer entrar em campo, e os que ficam sentados, não reconhecem que é a sua equipa que está a perder. Como gostaria de ouvir alguém responder: Este é o País que somos!

Exemplo 5: “Da maneira que falaste, perdeste a razão!”. Não, idiotas, não a perdi, (se a tinha), porque se a razão me assiste, bem posso ser malcriado, arrogante, snob, insuportável, desprezível ou colérico, que mantenho como minha, a coerência do argumento, independentemente dos decibéis com que a expresso.

Num jantar, ouvi uma vez esta tirada, bem digna de um certo personagem Queirosiano. “ Portugal, (pausa), é um País que não estimula o raciocínio!”. Como tem razão, meu caro Conselheiro.

Nuno Lobo Antunes

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