Um equívoco perigoso
Agora que estou mais sossegado por saber que temos no Gonçalo Magalhães Colaço, não apenas o mais puro interprete do verdadeiro espírito do «Geração de 60», mas um zeloso guardião do tom e da forma dos «posts» aí colocados, permito-me – no meu jeito canhestro e vergonhosamente imperfeito – cingir-me ao que me parece essencial.
Em tese estou absolutamente sintonizado com a preocupação que o Gonçalo expressa. E tivesse eu a sorte de o ter entre os meus raríssimos leitores (ó presunçosa quimera!), poderia pedir-lhe que atestasse que em tempos cheguei eu próprio a escrever o que segue:
Em tese estou absolutamente sintonizado com a preocupação que o Gonçalo expressa. E tivesse eu a sorte de o ter entre os meus raríssimos leitores (ó presunçosa quimera!), poderia pedir-lhe que atestasse que em tempos cheguei eu próprio a escrever o que segue:
«Ninguém de boa fé negará que, no sistema político português as máquinas partidárias têm um peso atrofiante e excessivo. Ninguém negará que o controle exclusivo que detêm sobre o acesso às autarquias e ao Parlamento lhes dá um poder de telecomando quase absoluto sobre autarcas, grupos parlamentares e deputados. Sobre o que discutem e o que não discutem, sobre o que calam e o que denunciam. Ninguém negará que essa arquitectura do sistema tem condicionado terrivelmente o debate e a agenda política em Portugal, tem favorecido o carácter cada vez mais corporativo e autista da classe política, e tem afastado da vida pública muitos dos que não aceitam deixar de pensar pela sua própria cabeça nem aceitam submeter-se aos ditames dos senhores dos aparelhos. Ninguém negará, em suma, que a partidocracia instalada é a grande responsável pela mediocridade da política, e pelo alheamento cada vez mais profundo dos cidadãos em relação a esta.»
Mas se concordo com o tiro, o alvo parece-me um tremendo equívoco. É que, a meu ver, existe uma linha muito ténue entre um discurso lúcido sobre o excesso de «partidocracia» no nosso regime político e uma arenga populista que tende a desprezar o papel estruturante que os partidos políticos têm no sistema democrático representativo. Ultrapassar essa linha não é apenas um acto de ingenuidade é um acto da mais perigosa inconsciência (e afirmo-o com o à-vontade de quem não pertence nem nunca pertenceu a um partido político). Porque se é certo que o país está absolutamente precisado de uma sociedade civil mais vibrante, se é certo que é imperioso que o discurso e a intervenção políticas se passem a fazer com maior intensidade fora do círculo sufocante das máquinas partidárias, também é verdade que Portugal está a ficar «maduro» para se lançar nos braços de um qualquer populista seja ele de esquerda ou de direita.
Ora quando Carmona Rodrigues ensaia o discurso melodramático do «independente perseguido», da vítima indefesa do «dono da câmara» e dos seus «insuportáveis silêncios», só quem for muito ingénuo pode acreditar que o que o move é a salvaguarda desinteressada dos equilíbrios do regime (e não estou com isto a negar o que também parece óbvio: que largos sectores do PSD se entretiveram ao longo dos últimos meses a «preparar-lhe a cama».
Muito pelo contrário, o que Carmona ensaia é um discurso puramente instrumental (esse sim fácil e – concedo-o - provavelmente proveitoso) que faz apelo ao tal sentimento perigoso e primário anti-partidos que está hoje largamente generalizado e que, de Luís Felipe Menezes a Manuel Monteiro, vai fazendo larga escola entre nós. E, se dúvidas houvessem da pureza das suas intenções, bastava ter estado minimamente atento ao espectáculo da manifestação de apoio «espontâneo» ao vitimizado Carmona que ontem foi organizado pelo vereador Pedro Feist. Ou muito me engano ou ainda vamos ter a grata surpresa de ver esta arenga anti-partidos transformada num manifesto eleitoral de uma candidatura independente à CML.
Não contem comigo para aplaudir estes circos.
Ps: questão lateral mas porventura ainda mais importante é a de saber onde nos pode levar esta «ética da virtude» que se traduz na «eliminação» sumária de qualquer responsável político constituído arguido. Fica para um próximo «post».
Ora quando Carmona Rodrigues ensaia o discurso melodramático do «independente perseguido», da vítima indefesa do «dono da câmara» e dos seus «insuportáveis silêncios», só quem for muito ingénuo pode acreditar que o que o move é a salvaguarda desinteressada dos equilíbrios do regime (e não estou com isto a negar o que também parece óbvio: que largos sectores do PSD se entretiveram ao longo dos últimos meses a «preparar-lhe a cama».
Muito pelo contrário, o que Carmona ensaia é um discurso puramente instrumental (esse sim fácil e – concedo-o - provavelmente proveitoso) que faz apelo ao tal sentimento perigoso e primário anti-partidos que está hoje largamente generalizado e que, de Luís Felipe Menezes a Manuel Monteiro, vai fazendo larga escola entre nós. E, se dúvidas houvessem da pureza das suas intenções, bastava ter estado minimamente atento ao espectáculo da manifestação de apoio «espontâneo» ao vitimizado Carmona que ontem foi organizado pelo vereador Pedro Feist. Ou muito me engano ou ainda vamos ter a grata surpresa de ver esta arenga anti-partidos transformada num manifesto eleitoral de uma candidatura independente à CML.
Não contem comigo para aplaudir estes circos.
Ps: questão lateral mas porventura ainda mais importante é a de saber onde nos pode levar esta «ética da virtude» que se traduz na «eliminação» sumária de qualquer responsável político constituído arguido. Fica para um próximo «post».
4 comentários:
Ganhou em rigor mas perdeu em folia...mas,de facto, o anterior post estava abjeto...espero que se não volte a repetir.
Vai levar tempo até se perceber como os partidos se concertam entre si para dar aparência de democracia ao que, de facto, tem um funcionamento orgânico de partido único com quatro ou cinco secções para dar cor e festa, ilusão de pluralismo. Os partidos lá continuarão indiferentes ao que se diz, cada vez mais com os piores, com os mais inúteis da sociedade e sempre plebiscitados em eleições com 30, 40 ou 50% de abstenções, de indiferença, de desconsolo.
-Enquanto não se fizer uma reforma política séria neste país, aproximar os eleitos dos eleitores, o que só será possível se passarmos a eleger pessoas no poder local, em vez de listas partidárias, e criar circulos uninominais para as legislativas, para cada um de nós saber quem nos representa ( ou não ), e para tentarem a reeleição terão de se preocupar em agradar aos eleitores em vez de obedecerem a uma lógica carreirista e partidária.
Carmona Rodrigues é uma pessoa corajosa e de dignidade acima dos políticos profissionais.
Por ser "de fora" do sistema, está a pagar a factura de não ter o sistema consigo.
Marques Mendes tem recebido felicitações dos "comentadores" profissionais, por ter determinado que quem é constituído arguido não deve manter-se em funções autarcas.
Porém, e apesar de jurista, esqueceu-se que qualquer pessoa pode ser constituído arguido e, na minha opinião, até deve ser, porque tal acto permite-lhe uma melhor defesa. Ou seja: ser constituído arguido é uma garantia de melhor defesa, e não apenas um acto vexatório.
Acresce que subsiste a presunção de inocência. Uma pessoa só está condenada, quando existe uma condenação transitada em julgado.
Esta teoria perigosíssima de Marques Mendes, destinada a irradiar Velentim Loureiro e Isaltino Morais (e indirectamente, Fátima Felgueiras), teve na altura excepções de monta de que todos se estão a esquecer: a Dr.ª Isabel Damasceno, em Leiria.
E a prova de que a sua teoria é injusta, é o actual problema de Carmona Rodrigues.
Este, ao ser ouvido no Ministério Público, tomou consciência de que nada o poderá vir a afectar em termos de condenação - aliás, os broncas da Bragaparques vêm do Dr.João Soares, que ainda irá ser, também, constituído arguido.
Por isso, qual o motivo para CR se demitir? Será que isso não seria considerar-se culpado?
Digo eu...
Saloio
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