terça-feira, 18 de novembro de 2014

Porque se fala do Islão?


 

 Saliento. Não vou falar do valor intrínseco do Islão. Não vou falar da sua importância cultural enquanto tal. Não vou falar das suas características.

A questão é bem diversa. Hoje em dia falamos do islão e até há uns 30 ou 40 anos (não é preciso recuar mais) mal se falava no Islão, salvo como uma remota recordação de tempos muito pretéritos, ou a imagem perfeita da decadência e esterilidade civilizacional.

E eis senão quando se fala do islão a torto e a direito. Porquê?

Será porventura que ficámos espantados com as grandes criações do islão na matemática que nos ultrapassam as nossas? Ou na física? Não. Ou então na biologia e química nos encherão de ensinamentos? Não. Talvez tenha sido a música em que novos Beethoven foram descobertos em terras muçulmanas? Não, de novo. Uma literatura diversa que complementa ou esmaga a nossa? Da mesma forma, uma reposta negativa. Ou então seriam novas correntes filosóficas que nos rasgam horizontes? Também não. Ao menos a teologia muçulmana, que nos obriga a confrontar os mais básicos postulados da nossa? Nem isso, lamento.

Se não são razões culturais poderiam ser experimentos sociais, realizações políticas que nos envergonhariam pela sua diversidade e capacidade expensão do ser humano. Será? Não, não, e um ainda mais cansativo, não.

Não seria estranho que assim fosse. O hinduísmo e o budismo, como o confucionismo surgem na Europa com questões, problemas, riqueza e contributos culturais desde muto cedo. Sobretudo desde a época moderna que levam a estudos filosóficos, linguísticos, teológicos, literários.

Que nos leva a falar sobre o islão, assim sendo?

Quatro factores. A expansão demográfica, a imigração, rendas, e a instabilidade política e civilizacional.

A expansão demográfica, hoje em dia em desaceleração, mas que já teve os seus frutos, decorre de um motivo muito simples. Antes reproduziam-se como coelhos e morriam como tordos. Graças à medicina europeia (chamemo-la da cristã?) e às medidas de saúde pública de origem europeia (só fizemos aleivosias no mundo como se sabe), continuam a reproduzir-se (um pouco menos) como coelhos, mas já não morrem como tordos.

A imigração interna, igualmente. A Europa não acolheu muçulmanos porque se apaixonou pela sua cultura. A imigração resultou do cruzamento de dois egoísmos: o europeu que carecia de mão-de-obra barata e abundante e o dos muçulmanos que queriam ganhar mais. Não correm eles apaixonados pela nossa cultura, que desconheciam aliás quase totalmente, nem nós pela deles. Egoísmos são os fundamentos de um lado e de outro. Mas o que se pensou como um fenómeno provisório (os alemães, mais isentos e rigorosos chamam esse espécime de Gastarbeiter, trabalhador convidado) torna-se mais perene. Vêm muitos, a generosidade europeia permite o reagrupamento familiar e vêm mais, e a generosidade dos sistemas sociais europeus e a nossa ciência melhora-lhes a saúde.

Por outro lado, rendas. Alguns dos países muçulmanos são rentistas de gaz e de petróleo. Como todos os países rentistas fazem grandes gastos concentrados e sumptuários. Um dos luxos pode ser aviões, outro propaganda. Recentemente houve uma exposição em Londres, se bem me lembro, sobre as 1001 descobertas da ciência islâmica. Curioso o facto de não se falar paralelamente dos milhões de descobertas da ciência cristã. O facto é que surgem artigos uns a seguir aos outros sobre a fraude, mostrando que as ditas descobertas islâmicas são afinal gregas, cristãs, persas. Porque precisa da fraude tal movimento, se há tal grandeza na civilização? Chegaremos a um dia em que Bach seria dito muçulmano, como o cristianíssimo Kierkegaard passa por ateu em mãos menos honestas.

A instabilidade civilizacional e política decorre de factores bem mais fundos. Só por si merecem um tratamento próprio. E, lembro apenas que se trata de países que, com maior ou menor riqueza (Atenas nos século IV e III a.C. era mais pobree  menos poderosa e não deixou de acolher Platão, Aristóteles, depois Epicuro e Zenão) não produzem nada de realmente novo para a humanidade desde há séculos.

Que interessa segregar esta questão de outras, como a relevância intrínseca do islão? É simples. É que se percebe por esta via que, quando se ouve hoje em dia falar no islão, o fundamento desde discurso é sempre e tão-somente político. Não decorre nem de exemplos nem de conquistas culturais, sociais ou económicas. Fala-se do islão sempre por razões políticas.

As motivações políticas são em si legítimas. Mas para a política. Não me interessa saber se Gauss era um homem desinteressante politicamente, ou se Euler era um mau conversador. O seu valor intrínseco como matemático não pode deixar lugar a dúvidas. Inversamente a mulher de Nicolae Ceaușescu recebeu doutoramentos honoris causa e honras científicas no Reino Unido e nos Estados Unidos. Da sua obra científica nada sobra.

Uma simples pergunta dá-nos uma chave para perceber tudo o que se diz sobre o islão no espaço público, excluindo muito raros estudos efectivamente eruditos. São razões políticas que impõem esse discurso. Quando se fala da grandeza da cultura islâmica, são razões políticas e não culturais que impõem esse discurso. Quando se fala da beleza da religião muçulmana são razão politicas e não culturais ou religiosas que motivam a pessoas.

Em suma, são argumentos absolutamente irrelevantes sobre o ponto de vista cultural, social e económico. Quem quiser que se fique pela política. Mas ao menos que saiba que é só dela que fala. Se nos afirma estar a falar de religião, de cultura, de criação, apenas labora na mentira. Fala de política, nada mais.

 

 

Alexandre Brandão da Veiga

 

 

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