terça-feira, 30 de setembro de 2008

II. La fondation de Rome, Alexandre Grandazzi, Les Belles Lettres

Merece-me, no entanto, algumas críticas. Como vai sendo moda actualmente, fustiga-se Dumèzil e o trifuncionalismo indo-europeu. O pano de fundo é a fustigação de qualquer teoria geral. O amor pós-moderno ao fragmentário impera nesta obra.

O problema é que a imposição do fragmentário como modo de leitura da realidade padece sempre de um vício lógico. Não havendo conceito unitário, ou melhor unificador, não havendo invariâncias, como é possível aglutinar um fragmento? Porque mesmo um fragmento tem uma consistência própria. E havendo vários fragmentos só se poderia então analisar um de cada vez. Que critério de escolha deste fragmento? Se se analisa mais que um, que os liga entre eles?

A imposição do fragmentário é assim uma metodologia que omite premissas. Melhor, que as reprime. É que mesmo a descrição de um fragmento pressupõe uma procura de unidade, mesmo que menor. E essa procura de unidade pressupõe um critério unificador. A fragmentação tão amada pelos pós – modernos (nome agastante que se reduz a dizer que se é posterior a qualquer coisa que se define como modernismo por mera caricatura) é mais que uma porta para o arbitrário, é a sua tirania. A tirania é o seu critério unificador.

O segundo problema passa pela valoração do contributo indo-europeu. Uma questão é a de saber se a teoria unificadora tem falhas, e a do trifuncionalismo tem-nas como todas as teorias, uma questão igualmente é a de saber se o critério unificador dos povos indo-europeus sob o ponto de vista ideológico terá de ser outro. Provavelmente. Uma outra coisa, igualmente verdadeira, é que qualquer teoria unificadora não prescinde da apreciação de situações concretas. Querer explicar os druidas apenas pelo fundo indo-europeu, dado que não existem druidas em todos os povos indo-europeus, seria sempre falho. Mas esperar que povos que falam línguas com tão fortes parentescos entre si não tenham elementos ideológicos, religiosos e de mundivisão comuns parece-me irrealista.

É evidente que existem fenómenos de importação. Um tunisino pode falar francês, e isso não significa que esteja mais próximo dele um francês que o mesmo francês está da Alemanha. Mas as línguas pressupõem e conformam ao mesmo tempo vivências. Seria muito peculiar que não houvesse um fundo comum de modos de vivenciar entre os povos indo-europeus.

O terceiro problema, já aludido, tem a ver com o facto de as invariantes não poderem excluir a análise das concreções. Roma e Atenas fazem parte do espaço indo-europeu, em acréscimo com trocas muito intensas entre si. Mas Roma não é Atenas. Ninguém diz o contrário. E isso não pode ser descurado, obviamente. Visto da monografia percebe-se que o geral se torne irritante. Quando a verdade é que o geral está mais delimitado pela linguagem em que se enuncia que pela injustiça do que se diz.

Mas, e anuncia-se aqui o quarto problema de fundo e este geral na metodologia histórica, onde está o método e o objecto relevante? A História tem-se debatido com três posições de relevância: o universal, o típico e o concreto. A prática histórica oscila mais entre o típico (teorias estruturais, mentalidades etc.) e o concreto (seja o que for este concreto, se país, de cidade, se acontecimentos, se personagem). O universal tem sido objecto de estudo ou de amadores ou dos raros génios que a História como ciência teve.

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Paul Newman


O meu comentário a este belo texto do Pedro.

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segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Newman: Somebody Up There Likes Him

Paul Newman morreu. Com ele, morreu a dignidade na derrota. Ninguém como Newman (nem Gary Cooper, nem John Garfield, nem Pacino, nem Montgomery Clift) mostrou o interior da dignidade no momento do ocaso, do falhanço, do fecho irremediável. Todo o cinema de Newman é construído nessa específica complexidade: e quando se perde tudo, como se mantém o mais importante?

Em "Nobody's Fool", o sexagenário Sully Sullivan (ninguém parecia menos sexagenário do que Newman apesar de o ser) sabe que perdeu as hipóteses de romance com Melanie Griffith, 25 anos mais nova, mas o seu discurso de derrota - no banco da frente de um carro nas traseiras de um bar de uma cidadezinha carregada de neve - sabe a vitória.
Em "The Color of Money", conseguimos sentir a dor física de "Fast" Eddie Felson depois de ser indecentemente aldrabado por Forest Whitaker, que se aproveita de um Felson imerso em auto-deslumbramento. Newman está de óculos escuros, mas sentimos os seus - terríveis, tremendos, doces - olhos azuis a ficarem castanhos com a vergonha e a melancolia.
Em "The Verdict", o "looser" Frank Galvin, advogado de meia-tigela, habituado a defender filhos miseráveis que ficam com a segurança social dos pais, tem uma última chance de recuperar a rectidão, e consegue agarrá-la, mas é preciso ver Newman a perceber que a cooperante - e amante - Charlotte Rampling o enganou em toda a linha para tocar na desilusão de um homem exausto .
Em "Butch Cassidy and the Sundance Kid", Butch, bandido simpático como poucos, mantém a cabeça próxima do céu segundos antes de entregar a vida às balas, roubando a cena (e o filme, e o cinema que ali estava a acabar) ao cintilante Robert Redford e ao realizador George Roy Hill.
Em "Cat on a Hot Tin Roof", a censura não permitiu a implosão da homossexualidade de Brick - o sólido, inquebrantável jogador de futebol americano que não correspondia aos sorrisos das "cheerleaders" na peça de Tennessee Williams - mas Newman deu-lhe a agonia de um animal ferido, a desaparecer devagarinho ao lado da pantera omnívora, Elizabeth Taylor.
Claro que há a célebre alma amaldiçoada de Eddie Felson enquanto jovem em "The Hustler", mas o retrato exacto da precária dignidade na derrota já estava no filme de estreia como protagonista, "Somebody Up There likes Me", com o seu Rocky (emulado do Marciano) a despedir-se de tudo no ringue, menos do sonho da honra.
Newman vai ficar bem. Por ser um dos mais firmes mensageiros da nossa extrema fragilidade, somebody up there likes him.



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" A PIZZA IS BORN "

It’s almost August in Lisbon, I decided to stick around and enjoy the peacefulness of this diverse and alternative city without all the usual traffic.While most of you were out and about working on your tan line this past summer, I was in my kitchen at La Brus”K”etta working on a different tan-one which involved “tanning the perfect pizza dough”...



Ever remodel your kitchen at home and have to put up with some bothersome issues which call for an aspirin and a good night sleep? Something about dealing with renovations….need I say more?  After it all came together it was time to play with my imported oven from Italy and patiently await the arrival of my teacher -Paolo.

Pizza dough can become extremely temperamental-almost that of a 4yr old child not getting his/her way! If it’s not handled correctly or left unattended chances are it becomes over worked and extremely difficult to put up with.Even a chef with my experience needs a little coaching once in a while-especially the kind of couching to help bring back some memories of my “teenage pizza days”. May sound easy but making the perfect pizza dough can be as difficult as making the perfect eggs over easy,“bacalhau com natas” or a smooth “leite creme”…practice definitely makes perfect!

A pizza man isn’t just about mixing water and flour. It involves understanding the dough’s silky exterior touch and delicate cushion consistency! Lucky for me, “Paolo o Pizzaiolo” a native “Napoletano” from my home town Ottaviano-Napoli was here to remind me of those forgotten “pizza tricks” and also added some new ones in order for us to reach perfection.

After our “espresso stretto”, we would head down to La Brus”K”etta. Our primary goal…to create the most scrumptious pizza’s ever to hit Lisbon.With his knowledge and my background using Portugal’s tasty ingredients- La Brus“K”etta was about to give birth to the new Portuguese Pizza’s! The menu would later develop-making sure we kept tradition alive by adding the “motherships” of pizza  such as a “margherita” and a “marinara” to the list. It doesn’t get more “simple tasty” than that ! Just the right amount of mozzarella cheese-or not.A true test with these two pizza's-you need to taste the freshness of  that ripe and juicy "seeded red fruit"-the fresh tomato!

We were able to reach our perfect batch of dough after the second attempt. The only ingredients we did not import, fresh yeast and water. We lucked out! “Lisbon’s water is not much different from that of Napoli. Come to think of it-the people, the way to prepare food and the family bonds here are not that much different from us ”, said Paolo.

It was time to put the pizzas to the test. Following the waiters to the dining room and keeping our distance, we were able to see the first reaction after the initial bite. We were content with all the happy faces shortly followed by plenty of “mmmm’s”!

Now for the fun part-Paolo could not understand why people were cutting the pizza with a knife and fork. I explained that Portuguese have some of the best table manors and “know how to eat” - no matter what background they come from. A napkin to pick up finger food, a knife and fork when seated at the table-always!

The reason for Paolo’s shock; pizza gets “butchered” when cutting it with a knife and fork. In order to get the full flavor-one needs to pick up the slice and eat as if you would a sandwich-which brings us to the reason why a pizza pie is sliced in the first place. Don’t worry about the paparazzi or neighboring friends-savor the true flavors of this flour and water creation without utensils and allow it to show its "casual romantic side"…grab that slice!

Chef Guerrieri

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I. La fondation de Rome, Alexandre Grandazzi, Les Belles Lettres


Quem fizer uma primeira leitura poderá pensar que é mais obra de metodologia histórica que de estudo de um caso concreto. Mas não seria justo afirmar isto desta maneira. Apenas prova que qualquer análise das origens implica sempre repensar o método. Porque o método pressupõe uma origem. Seja a origem a palavra crística, seja o surgimento de Hélade, ou a fusão bárbara no império romano. Roma não é o Cartaxo. A fundação de Roma tem um outro peso, histórico, mítico, ideológico, civilizacional.

Nesse aspecto é dos livros mais profundos que vi sobre um tema aparentemente tão restricto e tão nebuloso como a fundação de Roma. A uns parecerá que este já está dito e redito à exaustão. A outros parecerá que não se deve falar da questão, que deve ser relegada para o plano da lenda.

O que é fascinante neste livro – para além da seriedade e da erudição do autor, o que nunca é de desprezar – é a sua capacidade de nos mostrar como a complexidade dos métodos e a sua diversidade pode contribuir para uma compreensão mais profunda de uma questão que oscila entre ser rebarbativa ou esquecida, entre ser fundamental, ou mera curiosidade. Filologia, arqueologia, geologia, História, todas contribuem para delimitar o que seja a dita fundação de Roma.

Roma e Pavia não se fizeram num dia. Continua a ser verdade científica. Mas que tenha havido uma função de Roma, uma efectiva fundação, não no sentido de criação ex nihilo, mas de sagração das suas fronteiras, e consequentemente exposição da sua identidade, que tenha havido tal realidade, chame-se Rómulo ou não o seu fundador, e que a arqueologia nos corrobore, pelo menos neste sentido, esta fundação, apenas nos pode deixar em admiração. Depois das polémicas entre o hipercriticismo e o fideísmo históricos (para usar as felizes expressões do autor), percebe-se que a lenda como material tem de ser usada com mais cautela, e que por múltiplas vias (como a arqueologia nomeadamente) a lenda pode ser corroborada.

No fundo, existe um paradigma algo de negociante no hipercriticismo. Não é por sorte que surge em ambiente burguês. A sua lógica é a do merceeiro que desconfia sempre que o estão a enganar nas contas. A sua minudência, muitas vezes meritória, mais não é que um sinal de desconfiança generalizada na honestidade alheia. E um imenso gasto de energia em desperdício. Esperto é quem desconfia. Contesta-se tudo ou quase tudo, porque quanto maior o campo do indicado como suspeito menos crentes parecemos, e logo menos crédulos. O problema é que a descrença, aqui como noutras áreas da vida, só por si, ou como crítica de vida, leva sempre a empobrecimento. Acaba por ser acrítica, porque mais não é que recusa sem critério. Não é de espantar, acaba por redundar em birra.

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domingo, 28 de setembro de 2008

A life, vidinha

"Lifestyle" é, segundo artigo de reputada escritora no jornal " Sol" de ontem, a escolha consciente de mulheres diletantes, que não se divorciam para manterem "(...) carrinhas e jeeps, crianças educadas em colégios particulares com actividades extracurriculares que incluem natação, rugby ou equitação, todo um lifestyle programado ao milímetro que nos fizesse sentir adultos, responsáveis e arrumados na vida.".

Remata a autora que em nome desta abundância, estas mulheres não se querem divorciar, vivendo assim uma vida (infeliz?) em nome do "lifestyle".
É verdade, existem mulheres que vivem assim. Da Lapa até Cascais.Da Avenida da Boavista até à Foz, passando por uma das ruas mais belas de Portugal, a Rua de Gondarém, no Porto.

Com esta concepção, imagino a autora uma férrea apoiante da nova Lei do divórcio. E vejo agora onde o Primeiro-Ministro foi buscar os argumentos para a lei.
Estar casado, ou não, divorciar-se ou não, é só e apenas uma questão de "lyfestyle".
Com o devido respeito pela autora e pelo Primeiro-Ministro, estas mulheres não são representativas das mulheres em Portugal e generalizar esta concepção é uma ofensa para as mulheres portuguesas.

Tenho familiares, amigas, colegas de trabalho, conhecidas, em Lisboa, no centro, no norte do país, nas ilhas. Conheço advogadas, juízas, professoras, secretárias, administrativas, costureiras, empregadas de limpeza, empresárias, comerciais, e todas, em diverso grau, defrontam graves problemas económicos com o divórcio. Se os salários são baixos em Portugal, os salários das mulheres são ainda mais baixos. Uma mulher com o seu salário a sustentar-se a si e aos filhos, passa mal, muito mal, dependendo sempre da boa vontade de familiares mais próximos.

Não falo de não terem dinheiro para ir ao cabeleireiro. Falo de não ter dinheiro para a comida, para transportes, para pagar as contas da electricidade e água.

Já ouvi muitas mulheres dizerem-me que têm apenas um filho porque em caso de divórcio ainda o conseguem sustentar, mas não têm o segundo porque não estão certas de lhe conseguirem dar de comer...
Isto num país com uma taxa de natalidade baixa como a nossa.

A vida destas mulheres divorciadas que eu conheço não tem "style", é só life, ou vidinha, em bom português.

Dir-me-ão que se já não há afecto...É possível, mas muitas mulheres que conheço, percebem que da constância do casamento depende o mínimo para os filhos: comida, educação. Por isso pugnam tanto por ele. E por isso dependem tanto das questões patrimoniais da Lei do divórcio.

O "afecto" lembra-me sempre um cachorro lindo branco de focinho húmido preto que se compra da loucura do Natal e se abandona para morrer atropelado na auto-estrada a caminho das férias algarvias, quando ele cresce, come muito e tem doenças.

Bem vistas as coisas, também é coisa que sucede às mulheres. Damos à luz bebés,crescemos, comemos muito, e temos doenças. Compreendo, não há afecto que resista.

Ou mudo de amigas, ou torno-me escritora famosa, ou mudo de país.

E no entanto só me assalta a frase da minha avó Fernanda, a propósito de um divórcio famoso na família:

" - Quem lhe comeu a carne, que lhe roa os ossos...".

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" Ensaio sobre imanência e metafísica na masculinidade enquanto obra de arte".


O título é roubado de uma frase que o Manuel Fonseca escreveu no post do Dean Martin.

Lembrei-me desta obra de arte. Neste filme não sei qual dos dois é a imanência, nem qual é a metafísica.

Mas fiquei a saber o que era a masculinidade.

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Tintin contre Professeur Choron

No inicio dos anos 80, o meu Tio Antonio ofereceu-me a sua preciosa colecçao de cerca de 40 numeros do Hebdo Hara Kiri. Esse foi um momento de incandescente iluminaçao em que os discretos Tintin, Corantin, Coronel Clifton, Corto Maltese, o muito Portugues Espiao Acacio e muitos outros habitantes das paginas do ja’ nessa altura extinto “Tintin”, foram esmagados de forma visceral por um universo de humor “Bete et Mechant” onde a ironia se misturava com o grotesco, o absurdo e o neo-pornografico. As capas de um provocatorio absolutamente gratuito, o total desrespeito pelo bom gosto dos textos e a agressividade da banda desenhada do Hara Kiri abriram-me assim as portas a uma fascinante e "nova" ordem (a)cultural.


O Hebdo Hara Kiri fundado em Paris por George Bernier (aka Prof. Choron - 1929-2005) em 1960, tinha como slogan «Si vous avez deux francs à foutre en l'air, achetez Hara-Kiri, sinon, volez-le !». Com Choron ao comando, a revista encarna ao longo de mais de duas decadas o espirito ultra corrosivo de uma corrente anarquica e radical, que parte de uma contestaçao aberta a De Gaulle, passa pelo Maio de 68 e os libertinos anos 70, apoia a candidatura anarquista-burlesca de Coluche à presidencia em 81 para “ leur foutre au cul”, para vir depois gradualmente a perder a sua força e originalidade iniciais, vindo-se a extinguir completamente em 1989.

Nos anos, Hara Kiri deu tambem vida a uma corrente de desenhadores e argumentistas (Reiser, Gébé, Willem, Wolinski, Cabu, Vuillemin, Lefred Thouron, Nicoulaud, Fournier, Cavanna e o proprio Prof. Choron) que iria revolucionar a tradicional “Bande Dessiné” dos anos 50 e 60 e dar origem a tantas outras publicaçoes de sucesso como L’echo des Savanes, Charlie Hebdo, Circus, e Metal Hurlant. Saidos de algumas desta revistas, podem-se tambem considerar herdeiros directos do Hara Kiri, autores como Lauzier, Veyron, Bilal, Moebius, Tardi, Schuiten, Boucq, Manara, Comes e Bourgeon, que deram forma durante os anos 80 e 90 a um novo periodo de ouro da BD Franco-Belga. Embora o espirito original de subversao se tenha perdido nestes autores domados pela força das editoras e das "version luxe", a influencia seminal do Hara Kiri continua a sentir-se nesta “Neuvieme art”.

Hoje, em pleno seculo XXI e submerso de anglo-saxonicas “buzzwords” como “bail-outs”, “force multipliers” e “adverse morality”, vendido ao capital americano e vivendo uma vida ao sabor do meu “business acumen” e dos meus queridos “long-term stock-option incentives”, gostava de poder chamar o Prof. Choron para vir abrir uma grande frente de anarquica resistencia contra o cinzento esteril, hipocrita e desinspirado destes ultimos tempos. Um seu colaborador descreveu Choron como « .... un gentleman déguisé en salaud. Il a passé sa vie à rire avec talent d’une société de salauds déguisés en gentlemen : notre société. »

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Ameaça de privatização

Ao arrepio da senda de nacionalizações, linha gonçalvista, que o executivo liberal de Bush lançou nos Estados Unidos, com particular incidência nessas execráveis excrescências do capitalismo que são a Banca e os Seguros, ameaço privatizar este blog (tenho cá dentro as minhas alianças) se pelo menos 12 dos elementos do "colectivo", cujos nomes estão aqui à direita (salvo seja), não desatarem a mandar posts e a fazer sublir a cotação do "Geração de 60" na Bolsa.

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Provocações partidárias

As interferências de factores alienígenas na política são incalculáveis.

Por exemplo:
Com acentuada melhoria no cabelo e com óculos de massa preta, se Marques Mendes medisse um metro e setenta e cinco será que seria ainda, hoje, o sólido líder do PSD?

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Superioridade Ideológica













Julgo não haver dúvidas: a governação do presidente Lula é, em todos os aspectos, da política externa à gestão da economia e das finanças, política social e inovação, superior à do presidente Bush.
Será que os resultados conferem ao sistema ideológico de Lula consequente superioridade sobre o de Bush?

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Era Uma Vez Uma Canção, parte 2

Dean Martin com Mia Farrow e Sharon Tate: thrilling and smooth
Dean Martin foi o primeiro, em 1954, a cantar “Sway”. Já lá vamos.
Antes, recordo que, nesse ano, um tal Norman Gimbel, praticamente um desconhecido, escreveu em inglês, a letra da canção de que comecei por falar aqui. Uma letra notável, cheia de curvas, de suaves “pára, arranca”, escrita com olhos fechados e sonhadores. Não julguem que foi obra do acaso. Norman escreveria depois, e durante três décadas, centenas de sucessos. Ganhou Golden Globes, Emmys e o Oscar. E para não julgarem que estou a falar de uns monos quaisquer que já toda a gente esqueceu, lembro que a letra em inglês de “Girl from Ipanema” é dele, como é dele, já nos anos 70, a de “Killing Me Softly With This Song”.
Mas se a letra tem a técnica mágica de que se fala num dos versos, o essencial foi a voz e a interpretação de Dean Martin. Dino Paul Crocetti – assim se chamava este filho de italianos nascido no Ohio – só aprendeu a falar inglês na escola. Não sei se isso teve alguma influência ou não (parece-me que sim) na forma como Martin canta “Sway”. Há, queiram ou não queiram, um eco latino que impregna cada estrofe.
A “persona” de Dean Martin também influenciou o resultado final. Ele era o epítome do ladie’s man. Um womanizer, como agora, com má cara, se diz. Mas era o género de womanizer com muito boa cara que jantava todos os dias em casa com a família, if you know what I mean. Só um tipo assim seria capaz de insinuar a desmedida ternura e entrega que a canção pede, continuando a manter a pose masculina e cool de controle e segurança.
When we sway, I go weak”? A voz dourada de Dean Martin mostra charme, mas não fraqueza. Sobreviverá, com viril easy manner, a qualquer desenlace. Desculpem-me a provocação geracional, mas este tipo de homens deixou de se fabricar nos anos 50.
Se com “Sway” ainda não chegaram lá, e querem mesmo perceber, façam o favor de ver um dia destes um filme, “Some Came Running” de Vincent Minnelli. Olhem bem para a personagem de Dean Martin, comparem-na com a de Frank Sinatra, e não se espantem se vos apetecer escrever um ensaio sobre imanência e metafísica na masculinidade enquanto obra de arte. Banda sonora já têm: este “Sway”, thrilling e smooth, cantado por um italiano do Ohio.


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sábado, 27 de setembro de 2008

Era uma vez uma canção


Aviso: vai ser uma experiência dolorosa. Vão aturar-me durante 3 posts. Contrapartida: vão ver e ouvir 3 clips exaltantes.
Tudo para, e só para, contar a história de uma canção, de que deve haver 1001 interpretações. Hoje, cantam-na Michael Bublé, a francesa Arielle Dombasle, a mediática Jennifer Lopez, o excelente Peter Cincotti. Cantaram-na Dean Martin, Eydie Gormé, Julie London e Los Panchos.
Comece-se, então e como deve ser, pelo príncipio.
Era uma vez uma canção chamada “Quién Será”, tão cheia de ritmo e de balanço que um dia teria de se chamar “Sway”.
Pablo Béltran Ruiz, estudou um ano de leis e três de química. Acabou músico. Mexicano e maestro, escreveu um belo mambo em 1953, ano em Estaline morreu e milhões de russos felizardos nasceram (e também eu, ao lado do Côa, o rio da minha aldeia).
Quién Será” era um cha-cha-cha (ou mambo?) com ritmo doce e lírico que, um ano depois, o cinema mexicano adoptou, numa interpretação a que Pedro Infante emprestou uma ironia benigna, sublinhada sem acinte pela realização, como se verá no vídeo abaixo.
É uma canção simples, à volta de uma mitologia masculina simples. Não repeti o qualificativo por acaso: a canção, de tão simples, duas vezes simples, é mesmo maravilhosa.
A Pedro Béltran Ruiz – ainda hoje vivo, e ainda hoje à frente da sua banda – é de agradecer, com recuada e humilde vénia, a cortesia dos milhões de passos de dança que o seu “Quién Será” ofereceu a salões de bailes, y por supuesto a casais apaixonados, a cônjuges e adúlteros, num tempo em que o amor era de maior idade, com todas as barreiras e sem a mariquice fácil da lei do divórcio em coro e contrabaixo.
Por mais danzóns, merengues, cumbias e boleros que se tenham dançado, “Quién será la que me quiera a mi / Quién será la que me de su amor / Quién será, quién será” foram, em 1953, as estrofes do México. Todo. Inteiro. Dançaram-nas porteiros e telefonistas, chefes de repartição e enfermeiras, bacharéis e costureiras. Foi tal o balanço, o doce enlevo, a paixão e o calor que, do México, as estrofes passariam a fronteira. Com marimbas e o mesmo ritmo. Mas agora, em inglês.

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sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Loneliness

Loneliness, Elena Vasilieva


O que é que Greta Garbo queria dizer quando disse: "I want to be alone"? Ou melhor, quando disse que não disse, ao dizer: "I never said, I want to be alone. I only said I want to be let alone".
Acabamos, seja como for, por descobrir que há um bocadinho de solidão na vida de cada um de nós.

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Why do crack dealers still live with their moms?


“TED Ideas worth spreading“ (Technology, Entertainment, Design) começou em 1984 como uma serie de conferencias juntando pessoas destas tres areas com o desafio de apresentarem ao vivo uma ideia excepcional em cerca 18 minutos e para um publico muitissimo exigente e de natureza digamos bastante “liberal”.

Este site reune a maioria das apresentaçoes feitas ate' hoje e inclui speakers como Isabel Allende, Jeff Bezos, Richard Branson, Richard Dawkins, Norman Foster, Frank Gehry, Peter Gabriel, Jane Goodall, o muito "Liberal" Gore e muitos outros(as).

Esta e’ uma apresentaçao de Steven Levitt, (co-autor de “Freakonomics”), que com um tremendo humor e tal como num dos capitulos do livro, tenta explicar a razao porque a maioria dos traficantes de droga vive ainda em casa da mae.

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Divórcio à portuguesa

Dizem-me que a lei do divórcio foi aprovada. Já não percebo nada.

Então era concubinato, união de facto, economia comum ou casamento aquilo que unia o Magalhães ao JP Sá Couto? Então e agora como é que vão dividir o património? Parece que é coisa para cima de 200 milhões de euros...

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quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Desinspirado

Se a palavra existe, é assim que estou e retirei o post um pouco ridículo sobre um importante evento, que fica aqui ligado todavia. Volto mais tarde. Alguns acham que os posts devem ser definitivos. Eu sou mais adepto de rascunhos, revisões, jogar basket com bolas de papel no lixo, etc.

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quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Palin, este é para ti.

Palin, tens razão. Alguém duvida?

ADÃO E EVA - José Régio

Olhámo-nos um dia,
E cada um de nós sonhou qua achara
o par que a lama e a carne lhe pedia.

- E cada um de nós sonhou que o achara...

E entre nós dois
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente,
...Se deu, e se dará continuamente:

Na palma da tua mão,
Me ofertaste, e eu mordi,o fruto do pecado.

- O meu nome é Adão...

E em que furor sagrado
Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!

Ó beijos angustiados e raivosos
Que as nossas pobres bocas se atiraram,
Sobre um leito de terra, cinza e pó!

Ó abraços que os braços apertaram,
Dedos que se misturaram!

Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri,
Sede que nada mata, ânsia sem fim!
- Tu de entrar em mim,
Eu de entrar em ti.

Assim toda te deste,
E assim todo me dei:

Sobre teu longo corpo agonizante,
Meu inferno celeste,
cem vezes morri, prostrado...
Cem vezes ressucitei
para uma dor mais vibrante
E um prazer mais torturado.

E enquanto as nossa bocas se esmagavam,
E as doces curvas do teu corpo se ajustavam
Às linhas fortes do meu,
Os nosso olhos muito perto, imensos
No desepero desse abraço mudo,
Confessram-se tudo!
...Enquanto nós pairávamos, suspensos
Entre a terra e o céu.

Assim as almas se entregaram,
Como os corpos se tinham entregado.
Assim duas metades se amoldaram
Ante as barbas, que tremeram,
Do velho pai desprezado!

E assim Eva e Adão se conheceram:


Tu conheceste a força dos meus pulsos,
A miséria do meu ser,
Os recantos da minha humanidade,
A grandeza do meu amor cruel,
Os veios de oiro que o meu barro trouxe...

Eu os teus nervos convulsos,
O teu poder,
A tua fragilidade
Os sinais da tua pele,
O gosto do teu sangue doce...

Depois...

Depois o quê, amor? Depois mais nada,
- Que Jeová não sabe perdoar!

O Arcanjo entre nós dois abrira a longa espada...

Continuamos a ser dois,
E nunca nos pudemos penetrar!

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A Graça dos Movimentos Simples


Pedi coisas simples, encontrei coisas simples.
A fotografia, de Dima Oukhov, intitula-se, com mérito e propriedade "Grace of Simple Movements".
E, no entanto, só espero que ela fique assim, sem se mexer, nunca, nunca mais.

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terça-feira, 23 de setembro de 2008

Sinto a falta, parte II

À coeur ouvert, Geneviève Van der Wielen


Sinto a falta
De histórias maravilhosas e verdadeiras sobre mulheres e homens, sobre traições, facas e tangos, cigarros ansiosos e lençóis clandestinos (“... no de abrir-se a dentes línguas tão penetrantes quanto línguas podem...”);

Sinto a falta
De um pensamento que não se esgote em depressões taciturnas, em dores de cabeça do tamanho de um comboio, ou na venalidade de chás e bules (“... ó caro doutor Freud, arranjaremos pélvica e insuspeita maneira de sublimar o egoísmo”);

Sinto a falta
De uma academia consciente de que a nossa melhor metafísica é cómica (“... quando me fazes rir, sinto-me enredado numa inocência feliz”).

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Razões para sorrir?


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Obrigado, Senhor Primeiro-Ministro

O Centro de Segurança Social fica na Rua das Pedralvas. A Rua das Pedralvas fica em Benfica, seguindo as indicações do cemitério.Impunha-se mudar a residência dos elementos do agregado, lá fui.
Lá chegada, começo a ver muita gente à porta, com um ar estranhamente pacificado. Mais mulheres do que homens. Negros, brancos, ciganos, novos, velhos, bonitos, feios, magros, gordos, senhoras com o cabelo loiro impecavelmente armado, crianças também. Portugueses, Brasileiros, Ucranianos. A diversidade lembra uma assembleia das Nações Unidas.
Entro afoita, a máquina em aço inoxidável modernaço cospe a senha: 202. Olho apavorada para o número do atendimento, 102.
À minha frente tenho cem números, cem almas,cem.
Lá dentro as pessoas não estão calmas, estão resignadas. A maioria é claramente cliente habitual e já sabe ao que vai. Papel na mão, esperam pelo subsídio.
Tento o segurança: " - Se faz favor, é só para mudar a residência", " - Tá aí o papel é só preencher." Encho-me de esperança e em brio o preencho, estendo-o ao segurança/porteiro que recua apavorado: " Eu cá não recebo nada!".
Olho em volta para aquilo tudo. Homens vestidos de preto com o chapéu enterrado na cabeça perguntam pelo almoço. É a risota. Rematada pela frase cínica do segurança que diz que já que a malta não faz nada, também não há porque resmungar da demora.
" Tempt not a desperate man" lembro-me eu das palavras do bardo, ainda acaba mal aquele porteiro.
Desisto.
No sábado na tv vejo o comício em que o nosso Primeiro-Ministro fala das revoluções na segurança social. A multidão bate palmas. As bandeiras a preceito.
Animei-me, pudera.
Na segunda-feira envio um mail para o site da segurança social a perguntar o que fazer para alterar a morada, só isso. A resposta veio célere, numa hora. Sim senhor, muito bem. Era só ir, pessoalmente, a um posto de atendimento!
Recordo as palavras e gitos de ordem do comício de sábado e das duas, uma: ou volto a Pedralvas e desapareceu aquela gente toda ou resolveram servir um chá e umas sandes de pepino aos utentes. Não acredito que as pessoas tenham desaparecido. Pelo que deve ser mais a segunda opção, e embora ache o pepino um bocadinho indigesto, sempre é melhor do que nada.
Muito obrigado, Senhor Primeiro-Ministro!

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A importância de se chamar Altamente

ADMISSÃO DE PESSOAL

Refª A - Um lugar de Técnica Profissional Especialista de Prevenção e Segurança;

Refª B - Um lugar de Assessor da Carreira Técnica Superior de História;

Refª C - Um lugar de Operário Altamente qualificado Principal Mecânico;

Refª D - Um lugar de Operário Qualificado Principal Pintor;

Refª E - Um lugar de Fiscal Municipal Especialista Principal;

Refª F - Um lugar de Fiscal Municipal Especialista;


E ainda dizem que não há qualidade na nossa Administração Pública

( Concursos publicados no Jornal "Público" de 22 de Setembro )

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"O liberalismo científico"

La Famille Heureuse, Geneviève Van der Wielen

Provavelmente teremos de voltar às coisas simples. Desde que a economia, a mais séria das sérias mulheres de César, descobriu o prazer sôfrego e avassalador da montanha russa, as nossas vidas perderam a linha regular e previsível que nos servia de horizonte. O que, ontem, era religião passou, hoje, a seita fanática e repulsiva. E isso era ontem, porque hoje, o que era verdade há uma hora é já mentira há cinco minutos.
Wall Street, qual fénix, levanta-se orgulhosa, mas enfraquece-lhe o joelho Dow Jones à esquerda e fere-se-lhe a asa Nasdaq à direita. É tiro e queda.
O petróleo, cansado do fausto milionário dos 100 dólares, parecia ter regressado à burguesa normalidade de uma discreta prosperidade e bem-estar. Num só dia, com desculpas de que há divórcio e estalada no Delta do Níger, voltam a subir-lhe à cabeça os delírios de ouro negro e o “light sweet crude” chuta para os 120,92 dólares o barril em Nova Iorque. “Quando não se aguenta um copo não se deve tentar beber um barril”, já me dizia, e dizia bem, o barbeiro (ó meu velho e abençoado Mário) do bairro adolescente e angolano que me criou.
Posso – podemos – com algum estoicismo, aguentar tudo. Mas há limites. Quando, em menos de uma semana, George W. Bush, o último e prosaico esteio de um mundo ordenado e harmonioso, transforma os Estados Unidos da América na maior economia socialista do mundo, eu tremo e Marx e Lenine sentem-se uns palhaços.
Para que serve, agora, toda a – tanta, tanta – sabedoria que reuni em noites de bar aberto e fumo espesso e lúbrico? Ah, de que valem, hoje, as intoleráveis batalhas travadas em festas onde as feridas ideológicas se apaziguavam com o bálsamo de “slows” dançados até à última gota?
Confesso, reaccionário, que me invade uma proustiana nostalgia. Gostava de voltar a viver num mundo que compreendesse. O que eu não dava para voltar a viver no mesmo mundo a que devo tantas horas de felicidade egoísta e descuidada.
Talvez, amanhã, o petróleo baixe, a Bolsa suba e Bush regresse ao “liberalismo científico”. Mesmo assim, provavelmente, nunca mais voltaremos às coisas simples.
Publicado por autor anónimo no Pnet Homem.

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domingo, 21 de setembro de 2008

Sinto a Falta

Cigar, Jennifer Newton


Sinto a falta
de pessoas que finjam com gentileza que não lhes interessa compreender o mundo e que acreditem, desinteressadas, num hedonismo cósmico.
(“... que se lixe Aristóteles, tragam-me é um bom charuto de 5 cêntimos”).



Às vezes, sinto falta de algumas coisas. Ou de algumas pessoas. Ou de algumas velhas sensações. Começo hoje a fazer a lista.

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Um mundo de homens

um mundo de homens

Um mundo de homens.
É o que dizemos quando nos metemos a discutir futebol. Ou é a justa qualificação de algumas conversas em que, com candura, falamos de mulheres. Será mesmo?

um mundo de homens

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sábado, 20 de setembro de 2008

Os traineeeeeeeeees

Existe uma categoria de candidatos a assessores, ou consultores, políticos ou de imagem, ou comunicação, de Ministro que, enquanto jovens, ou muito jovens, eu chamo traineeeeeees.
A estridência do nome provém do facto destes jovens candidatos a assessores serem de muita evidência. Assemelham-se enormemente entre si. Não muito altos, trajam todos o mesmo fato cinzento escuro, a mesma camisa azul e a mesma gravata encarnada. A qualidade e gosto na escolha do sapato costuma definir a proveniência social.
Usam acoplado ao ouvido um aparelho telemóvel, da mais alta tecnologia, o mais recente grito, portanto. Geralmente na mão esquerda, porque, de passagem, sempre exibem impanes, o grande relógio. Mãos transparentes de dedinhos finos treinados apenas nas novas tecnologias: soundbytes.

Sempre apressados, sempre aos magotes, muito conscientes, compenetrados e atentos às necessidades do seu Ministro, ou Secretário de Estado. Negoceiam tempos de antena com as tv´s, batem o pezinho pequenino, e saiem finalmente, em arrevoadas, conscientes de mais um dever cumprido. Parecem bandos de pardais à solta.

Suspeito que nenhum deles tenha frequentado estações de camionagem, ou de caminho de ferro, centros de saúde, hospitais públicos, usado transportes públicos, andado em escolas públicas, posto o pé na segurança social ou num centro de emprego,ou tenha ido ao interior, que é onde verdadeiramente anda, ou pára, o país que Portugal é.

Só da cabecinha desta gente pode ter saído um discurso que ouvi a um Ministro no qual comparava as performances da economia nacional e o problema energético com a selecção nacional, o Critiano Ronaldo e o recordista dos 100 m, sendo que Portugal ficava a ganhar.

Para esta gente, Portugal tem a distância que vai de Cascais à Bica do Sapato. De TGV. Ou de carro com motorista. Ou de táxi, em último caso.

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Sou só eu?


Sou só eu que decidiu comprar uma casa? Sou só eu que tive a mediação de uma imobiliária? Sou só eu que pagou IMT e IMI? Sou só eu que decidiu fazer obras de remodelação no apartamento? Que contactou, pediu orçamentos e contratou pedreiros, canalizadores, estucadores, pintores, electricistas, carpinteiros, pessoas singulares, colectivas, biscateiros, prestadores de serviços e empreiteiros? Sou só eu que tive de fazer uma mudança? Só eu mandei fazer limpezas?

Devo ser.

Porque sendo só eu a comprar uma casa, fazendo nela obras, mandando-a limpar e mudando-me finalmente, poderei ter tido a noção que há uma grande área de actividade económica do país que foge ao fisco, pura e simplesmente não se colectando. É a glória da economia paralela, sustentada por todos aqueles que obrigatoriamente pagam impostos.

" - Qual o preço?"
" - É X,Sô Dôtôra."
" - Passa factura, recibo?"
" - Oh, SÔ Dôtôra,assim o preço é diferente..."
" - É diferente como?"
" - Atão, nesse caso é preciso fazer as contas..."

Agora entendo porque é que o mercado da habitação em Portugal está estagnado. É porque ninguém do Governo comprou casa nestes últimos anos. E já agora também não levou o carro à oficina.

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O beijo do dragão

A falta de liquidez, o encerramento de bancos de investimento à míngua de depósitos, o estigma da falência do Lehaman Brothers, todo esse ruído se apaga face à flor silenciosa, rosa em botão, tão presente e quase invisível.

O beijo do dragão, D. Oukhov

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Fleetwood Mac



O que é que deu cabo dele? A intensa doçura com que cantava? As trips de LSD? Os electrochoques com que lhe trataram a esquizofrenia, as alucinações e a paranóia?
Peter Green fundou os Fleetwood Mac. Ele era, sem prejuízo dos outros músicos, a banda. Ainda devo ter nalgum baú o single do Rattlesnake Shake. Mas do que eu gostava mesmo era dos blues que Green cantava. Este I Need Your Love So Bad parece veludo; pede que venhas dançar e nos encaixemos, sem um centímetro de desculpa, da cabeça aos pés, até não podermos respirar.

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Notícias de Paris

O meu amigo RA - nickname Andrea - num comentário de hoje a este post, foi esclarecedor e conciso. Cito-o:

"Meu caro Manuel, segundo dados não oficiais de um observatório independente para a imigração sediado em Paris, saíram de Portugal nos últimos dois anos cerca de 300.000 portugueses. O destino, para esta nova corrente de imigrantes, foi sobretudo a Europa e os países que nesta são acolhimento tradicional mas também Andorra, Reino Unido e sobretudo Espanha.
Temo que por este andar acabem a curto prazo os problemas de trânsito na Ponte 25 de Abril e que finalmente se consigam reduzir os índices de sinistralidade nas estradas portuguesas. Abraços."

Lá vamos, cantando e rindo. Meu estimado, já uma vez raptado e agora exilado Andrea, um abraço.

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quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Alguém esqueceu-se do mercado


A crise financeira dos últimos dias serve para recordar um facto muito simples: o mercado é um meio e não um fim. Já há muito tempo escrevi um texto em que defendia que era um erro confundir o Estado e o mercado com ideologias. Tratam-se apenas de duas formas diferentes de produzir decisões sociais.

Tal como o Estado, o mercado é um simples mecanismo de agregação das preferências individuais em decisões colectivas. No Estado, o instrumento fundamental de agregação dos interesses individuais em decisões colectivas é o processo político (legislando, administrando etc.). No mercado, são as transacções. Estamos perante dois processos de decisão social distintos: um com uma tendência mais atomista, descentralizada e de cooperação voluntária (o mercado), o outro assente, sobretudo, em mecanismos de decisão mais centralizados e de cooperação imposta (o Estado). Mas, mesmo a este respeito, é preciso notar que o próprio mercado gera fenómenos de centralização (o primeiro dos quais são as empresas: como notaram, por ex., Coase ou Williamson as empresas são instrumentos de coordenação e hierarquia necessários à redução dos custos de informação e transacção; são, no fundo, mini-Estados). Isto significa que nem sempre o mercado assenta na ou produz liberdade (da mesma forma que nem sempre o Estado reproduz o interesse público) mas significa, igualmente, que o mercado tal como o Estado exige mecanismos de responsabilidade.

Um das questões fundamentais das decisões colectivas é precisamente a responsabilidade: é esta que garante que a instituição que decide (Estado ou mercado) atende a todos os custos e benefícios potenciais (incluindo avaliando o risco). Quer Estado quer mercado têm de estar sujeitos a mecanismos de responsabilidade que correspondam às formas de poder e de decisão que assumam. No fundo, o que aconteceu na crise financeira foi que alguém se esqueceu de criar mecanismos de responsabilidade correspondentes às novas formas do mercado: criou-se uma cadeia de decisão em que o risco foi sendo transferido até ao ponto em que o último elo da cadeia já não tinha percepção do mesmo ou não estava em condições do avaliar. Isto não nos deve levar a colocar em causa o mercado mas apenas a recordar aquilo que é realmente o mercado.

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quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Da Visão: Moms for Sarah




Já aqui o defendi a propósito do mesmo Barack Obama: os fenómenos de massas sempre irritaram a «intelligentsia». Porque é suposto que a «intelligentsia» desmonte cinicamente a proverbial candura das massas. Porque à «intelligentsia» compete moderar o entusiasmo bruto e primevo dos povos com a fria racionalidade que, por definição, daqueles a distingue. Mas sobretudo, convenhamos, porque nenhuma «intelligentsia» pode parecer verdadeiramente inteligente se deixar o seu intelecto marchar, a seu bel-prazer, anónimo, indiferenciado, ao lado de mais uns quantos milhões de cidadãos desqualificados. «Não é natural nem fica bem», como rezava um anúncio velhinho do restaurador Olex.
Compreende-se portanto que o senador Barack Obama, um dos mais extraordinários casos de popularidade dos últimos anos e um homem que tem resgatado para a política activa gerações inteiras de eleitores que dela pareciam ter-se irremediavelmente afastado, nunca tenha caído no goto de uma certa elite bem pensante europeia (maioritariamente de direita, porque na rejeição do fenómeno há também uma boa dose de ortodoxia política). De resto é essa mesma elite intelectual de direita que, para que não subsistisse qualquer sombra de dúvida sobre a sua capacidade de resistência à imoderada vaga de entusiasmo, se rendeu, ela própria acrítica, aos encantos de um McCain que parecia prometer, se não propriamente densidade intelectual, pelo menos uma muito menos ameaçadora sobriedade de um ex-herói da guerra do Vietname.
Imagino que o «furacão Palin» não estivesse nos planos desta gente. Até porque, sejamos justos, a historiografia oficial garante que o próprio McCain, até ao dia em que acordou com a extraordinária ideia de projectar tão singular figura para o estrelato mundial, só se tinha avistado cinco (presumo que estimulantes) minutos com a antiga «quase-Miss-Alaska» (o que não deixa de ser um processo de «recrutamento» que dá, em si mesmo, para todo um tratado). Mas a verdade é que a vida dá muitas voltas e que a vingança se serve fria. Em vez da «retórica vazia» de Obama, a intelligentsia europeia de direita ganhou agora um estimulante discurso (esse sim, denso e verdadeiramente erudito) sobre o creacionismo, a diabolização do aborto e as virtudes das armas de fogo. Assustada com a «falta da preparação» do candidato democrata para governar o Mundo, pode agora dormir descansada com a tranquilizante ideia de poder contar na Casa Branca com a inestimável experiência da «ex-mayor» de Wasilla (sempre são 8.471 habitantes). Desconfiada da «volatilidade programática» de Obama, conta agora com a tenacidade da governadora que, a propósito da emblemática «bridge to nowhere», já defendeu, com a sua reconhecida inflexibilidade em questões de princípio, tudo … e o seu contrário. Finalmente, em vez de se confundir com as ignaras multidões electrizadas com o discurso de mudança de Barack Obama, pode agora exibir-se, muito mais orgulhosa e respeitosamente, ao lado das simpáticas «Moms for Sarah».

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Crise? Qual crise?



Eu não sou economista – apesar de saber inglês! No entanto, não me parece muito difícil explicar a actual crise económica mundial.
Há pelo menos 30 anos o mundo decidiu viver a crédito. Este movimento começou no chamado mundo ocidental com a ideia de que, desta forma, era possível transformar os proletários de ontem nos burgueses de amanhã, sem pôr em causa os poderes instituídos.
As ideologias, porém, poderiam deitar tudo a perder. Mas socialistas e liberais têm mais em comum do que se pensa (nomeadamente a mesma ideia de que a economia é a base da vida humana em sociedade e de que a ciência e a técnica são os instrumentos que permitem dominá-la), pelo que conjuntamente se empenharam nesta mesma tarefa, deste modo diferindo os problemas do presente para o futuro.
Ora, neste moderno mundo da comunicação, que dizem ser o nosso, uma boa ideia não consegue ficar muito tempo escondida, pelo que logo se resolveu aplicá-la a todo o mundo. Claro que, aqui, passadas as fronteiras do confortável canto ocidental, o presente põe problemas bem maiores – as guerras, as doenças, a pobreza, a fome, o isolamento, a ignorância… – e, nesse sentido, mais difíceis de iludir.
Nada, porém, que a poderosa aliança entre políticos e capitalistas, operando de modo global, não consiga fazer, entretendo os povos num contínuo teatro mediático, no qual os indivíduos, espectadores e consumidores passivos da produção desta realidade, têm a noção de participar activamente.
É claro que tudo isto funciona com um equilíbrio muito instável, de onde resulta um terrível e constante medo das crises. Socialistas e liberais, aliás, também aqui sempre estiveram de acordo, pelo que, nos dois extremos, prometendo o fim da história, prometeram sempre o fim das crises. Em conjunto, portanto, continuaram a trabalhar.
O problema, como eu dizia, parece-me, assim, muito simples. Todos sabemos que, ao comprarmos qualquer coisa com um cartão de crédito, temos algo no presente pelo que só iremos pagar no futuro. Isto implica, obviamente, que alguém nos emprestou esse dinheiro, o qual haveremos de pagar com juros.
Ora, foi esta última premissa que, na verdade, desapareceu. Porque aplicando este sistema à economia global, temos que viver a crédito significa ter agora um conjunto de coisas pagas com dinheiro que resulta da produção de coisas que ainda não aconteceu, isto é, o dinheiro que nos emprestam ainda não existe.
É claro que nada disto tem importância se o tal equilíbrio se mantiver: os pobres e os proletários participam hoje mesmo nas delícias dos ricos e capitalistas e estes garantem que no futuro continuarão a ser ricos e capitalistas. O problema está nas crises. Porque elas obrigam a que o dinheiro, que só existe no futuro, seja pago agora. E aí é que são elas. Os pobres ficam sem as coisas, os ricos sem o seu dinheiro, e os governos são obrigados a tomar uma decisão (é, aliás, o que significa a palavra crise).
E todos temos visto os Bancos estatais a tentarem controlar a inflação e a injectarem dinheiro nas economias. Todos temos visto os governos a intervirem na gestão das instituições financeiras e a comprarem empresas em risco de falência. Mas ninguém quer mudar o discurso, porque ninguém quer mudar o estado das coisas. Se tudo correr bem, a tempestade vai passar e tudo ficará como dantes. Sem crises, sem história, sem ideologias.
Mas é difícil não reparar numa cada vez maior intervenção dos Estados nas economias, com a imediata conotação ideológica que isso tem. Com a agravante de que, perante a actual diminuição dos poderes dos Estados, essa maior intervenção caberá cada vez mais a entidades mais distantes dos cidadãos e dos seus representantes directos, que, deste modo, menos as controlarão e mais serão controlados por elas.
A estratégia, no entanto, para já, continua a ser pôr uma almofada sobre a cabeça e esperar que a tempestade passe, pelo que ninguém parece muito interessado em meditar no facto do governo dos Estados Unidos da América ter hoje nacionalizado uma Companhia de Seguros! Mas já ninguém deve ter ilusões: o século XXI será de novo um século de crises, de história e de ideologias. Para o bem e para o mal. Ora, o mal já aí está (nomeadamente a associação totalitária entre políticos e capitalistas). Cabe-nos agora preparar o bem.

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Briseida, a pelada ( continuação)

" - És bela tu, podia dizer-te que te deitasses comigo uma hora, mas não é nada disso que tu queres, pois não?" - Repetiu Aquiles.
Estavam sentados de frente. Aquiles tinha puxado bruscamente um banco para pousar as pernas. Briseida estava sentada com as costas direitas, a cabeça baixa, olhava as mãos. Via o queixo dele apontado na sua direcção e dois olhos de ferro.
Quando ela ouviu de novo a mesma frase, levantou a cabeça e disse:
" - Que é isso, uma hora?"
" -É o tempo que levam os Deuses a piscar os olhos" - respondeu Aquiles a rir.
Briseida ouviu a resposta em silêncio, depois levantou-se. Aquiles levantou-se também. Briseida virou-se para saír, ficando à distância de um sopro dele. Olharam um para o outro. Aquiles sorriu. Briseida saíu em passo apressado. De narinas dilatadas e cabeça levantada, aquele homem lembrava-lhe um cavalo que o pai tinha no estábulo.

Por ora, a nossa história fica assim. Retorna com o solstício. Veremos o que faz Briseida com um ano inteiro.

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terça-feira, 16 de setembro de 2008

Divórcio ou Morte!

Onde é que está Mr. Abubakar?
Entre a morte e o divórcio, Mr. Abubakar, um líder religioso nigeriano, escolheu o divórcio.
Casado com 86 mulheres, Mohammadu Bello Abubakar foi condenado à morte, a menos que aceitasse resignar-se à lei islâmica que lhe dá de barato ter apenas quatro mulheres. Mr. Abubakar ainda tentou litigar, sustentando que não há no Corão ponto, ponta ou versículo que penalize quem, para além das quatro relações canónicas (as quatro de avanço), se atire a compromissos sexuais mais ambiciosos.
Invocou também o facto de já estar casado com as suas 86 mulheres há mais de 30 anos. E reclamou resultados abonatórios: todas elas têm filhos seus. Cerca de 170, já que a contagem final se revelou incerta.
O tribunal, apostado na vigorosa e profunda reintrodução da Sharia, não se comoveu e, parafraseando o grito lânguido de Sierra Maestra, atirou-lhe com um “Divórcio ou Morte” irredutível. Mr. Abubakar aceitou. Não sem um lamento elegíaco: “Como é que estes sábios sacerdotes podem esperar que eu consiga deixá-las em dois dias?!
Para ser franco, há uma razão que me leva a simpatizar com as sacerdotais razões dos juízes islâmicos. Que, e autorizo-me a viril cumplicidade do primeiro nome, Mohammadu andasse feliz e contente, quem duvida? Mas poderá dizer-se o mesmo das mulheres de Mohammadu?
Admito que Mohammadu, de quem todos somos indefectíveis admiradores, conseguisse diariamente distribuir miminhos, húmidos beijos e suados abraços, para a seguir deslizar pela pista levantando glorioso e ruídoso vôo com uma das parceiras amadas. Admito mesmo que o infatigável Mohammadu repetisse diariamente a proeza com outra esposa.
Os números não mentem. Ainda assim, cada uma das 86 esposas teria motivos de plena satisfação apenas de 43 em 43 dias. Vá lá, um mês se, sempre em pé, Abubakar arrebatasse e fosse arrebatado por três amantes ao dia.
O adultério poderia ser a solução para elas, se o apedrejamento até à morte não cortasse cerce a ousadia. Outras modernices? O ambiente, em open space imagino, não seria o mais propício. Não se lhes conhecendo queixa, e atendendo ao longo conúbio de 30 anos, temo que a única legítima conclusão seja a de que esta amostra de 86 mulheres nos obriga a pensar, de outra e mais modesta maneira, a maneira como e quanto o sexo interessa às mulheres. Dir-se-ia que lhes interessa pouco.
Só lhes interessa de 43 em 43 dias? Vá lá, uma vez por mês? Mr. Abubakar, deixe-me que lhe diga, ao dar-lhes vida fácil, tornou a nossa muito mais difícil.
O Pnet Homem anuncia grandes mudanças. Como se pode ver, nesta transcrição feita com a devida vénia

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II. Ti Manel e Ti Jaquina

É evidente que o Ti Manel e a Ti Jaquina são analfabetos ou quase, mas têm uma grande sabedoria de vida. É bom de se ver. Porque a sabedoria de vida neste sistema pressupõe exactamente o analfabetismo. O escritor está-se a defender a si mesmo. Apenas isso. Justifica a sua ignorância, mostrando que pessoas ainda mais ignorantes que ele podem ser sábias. Aliás, apenas podem ser sábias por nada saberem de culturalmente estruturado. O problema é que este tipo de paradigma destrói o próprio valor da literatura. Alguém que escreve, e afirma quem nem sabe escrever é melhor que ele, está a lançar as sementes para que o próprio acto de escrever se torne coisa menor. E tem razão. E gosto de lhe dar razão no que lhe respeita. Faz arte menor. A arte dos Tis.

Julgava que estava em vias de extinção. Mas infelizmente renasce a todo o tempo. Repare-se que a arte vinda do povo nem sempre é arte popular, no sentido folclórico, estafado e enfadonho que geralmente tem. Hesíodo elevou-se por si mesmo à aristocracia da vida. Assumiu os valores aristocráticos, incorporou-os numa visão da vida e num modo e sentir popular e conduziu-se até à criação dos deuses. Se a sua intenção foi a ultrapassar Homero quanto à qualidade seria temerário dizer, mas ultrapassou-o geneticamente. Escavou até ao fundo o meio que conhecia. A terra. Subiu até ao maior cimo que conhecia. O céu. E neles desvelou a origem dos deuses. A sua formação.

Arte feita pelo povo, quando assume os valores aristocráticos, os faz descer à terra e os eleva até aos céus levando-nos até à origem dos deuses, sem dúvida essa é arte maiúscula. Mas arte popular que nem parte nem chega ao povo, porque dele nunca saiu, é apenas exercício de bairro. Acanhado. Isto tanto mais quanto esse povo é apenas ficcional, mera origem do autor. O escritor, hoje em dia burguês por inevitabilidade, quer assentar em terreno firme. Para ele, esse terreno é o povo. A classe que contribuiu para fazer desaparecer. Assenta em mortos em cujo homicídio participou e inventa por isso figuras em que até os nomes estão truncados. Ti Manel, Ti Jaquina.

Para dizer o quê? Que sendo pessoas de pouco banho e pouco lustre, são eles os verdadeiros, os ilustres representantes da raça humana. Eles devem ser o paradigma. Quando escava a terra apenas fica com lama. Quando sobe aos céus parte as pernas. E quando procura a origem dos deuses apenas encontra – Tis Maneis e Tis Jaquinas. Que Deus lhes perdoe, que outras coisas me ocupam neste momento.


Alexandre Brandão da Veiga

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Diet Coke or New Coke?


Escrevo de uma executive suite da Harvard Business School (sem cedilhas nem acentos), que apesar do pomposo nome, e’ um espartano quartinho com aguas quentes e frias no coracao do campus universitario e onde nao tenho sequer uma televisao onde possa presenciar ao serao o espectaculo vivo que este curioso pais chamado Estados Unidos da America proporciona aos seus cidadaos. Cidadaos esses, que hoje observam estupefactos e esperemos de forma particularmente humilde o colapso das algumas das suas mais queridas e aparentemente ate' aqui inabalaveis instituicoes privadas. Estou aqui reunido com lideres da industria farmaceutica e na companhia de alguns professores da HBS faculty (pagos de forma absolutamente obscena) procurando perceber como salvar esta industria dos horrores do inverno que se aproxima.

Sem televisao dizia, decidi pois entreter-me folheando o “The Harbus”, orgao oficial de comunicacao dos estudantes independentes desta universidade e que apresenta como artigo de fundo – “Sarah Palin – Diet Coke or New Coke? “

Deste maravilhoso e perfido artigo que se desenvolve ao estilo de um verdadeiro HBS case study, destaco os paragrafos de abertura e conclusao:

“This year's 2008 election is starting to look a lot like a certain RC strategy case: Cola Wars. There is the election's Coca-Cola, a historic and trusted brand, in John McCain. There is Pepsi, a youthful and fresh new brand, in Barack Obama. And there is Sarah Palin, John McCain's brand extension - his Diet Coke...”

“In the end, who knows? But one thing is for sure. Selecting a woman like Sarah Palin to be your running mate in this election year has little to do with politics. It is just damned good marketing.”

Considerando que as encomendas feitas ao distribuidor Americano dos oculos que usa a Palin, quadruplicaram desde o fecho da convencao republicana, os diligentes estudantes de Harvard estao aquilo que se podia dizer “right on the mark”!

Para quem estiver interessado(a), os ditos oculos sao made by Kazuo Kawasaki. Cabeleiras Palin Style podem tambem ser encomendadas on-line em Wigsalon.com

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segunda-feira, 15 de setembro de 2008

João Luis Ferreira

Descobri, com a ajuda de um ilustre amigo meu, esta plataforma, Archis, e esta revista, Volume. Se há alguém, na "Geração de 60", habilitado a falar do tema, creio (estou absolutamente seguro) ser o João Luis que já não nos brinda com a sua inteligência (e ironia) há séculos. Peço-lhe um favor e faço-lhe um desafio: leia este trecho e mostre-nos como é que se sai do labirinto.

"Our society seems to be locked into a position in which the user’s and voter’s choices determine how we shall live in the future. A disturbing collective urban life in a giant Big Brother House looms, a material and social world in which sensationalistic media and its commercial translation dominate.
Our sense of what is real and what is quality is on the verge of collapse. The practice and education of the engineers of this society is determined by short-term effect instead of long-term social responsibility. Culture becomes little more than a market, politics its façade and the city its stage.
Instead of reviving old school high modernist social engineering or claiming the need for an intellectual junta, we solicit new forms of social engineering. Where shall this lead?"

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Chef Guerrieri

Hi Chef,


How come that you didn't invite the all "Geração de 60" bunch to Mezzaluna Madonna's dinner?!!! I'm happy - I guess all the bloggers are - that you got her. But now, you know, you've a story to tell.
At the next blog party: no rules, great stories.
Pois é, o Chef Guerrieri foi mesmo o anfitrião da Madonna no Mezzaluna. Grande escolha. Quem é que duvida que é este o melhor restaurante italiano de Lisboa?!

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I. Ti Manel e Ti Jaquina

Julgava que este tipo de literatura já tinha acabado. Uma em que as personagens são Ti Manel e Ti Jaquina. O dito realismo português consagrou muitas destas personagens, muitas vezes com bom estilo, mas mais vezes ainda com alguma tacanhez. Não é realismo. Apenas miserabilismo.

O argumento é bem conhecido. O escritor X aparentemente fala apenas do seu bairro mas o seu bairro é uma metáfora para o mundo, e é pois da humanidade inteira que fala. Falso. Se fala apenas do seu bairro é porque nada mais conhece. O espécime que reconhece é apenas extrapolado e de forma arbitrária. A diversidade da experiência humana é-lhe desconhecida. O seu espírito é imperialista. Pretende impor à humanidade inteira como paradigma o seu bairro.

Vivia na ilusão que já tinha desaparecido este tipo rotineiro de literatura. Para um texto ser literário teria de ter Tis (masculino) e Tis (feminino). É evidente que o realismo francês do século XIX tinha vários “pères”, o mais famoso o “Père Goriot”. Há mesmo quem tenha transformado a experiência popular em epopeia, como Visconti, que criou o realismo no cinema, para rapidamente o deixar a figuras amantes da repetição.

O problema não é o de meter Tis na literatura. Já se meteram coisas bem piores e com algum efeito e sentido. O problema é que se acha que a literatura necessita, exige, não vive sem Tis. Além de imperialista esta literatura é impositiva. De modo escondido, traficado, normativa. O Ti não é sinal de liberdade, mas um lugar comum imposto.

Nada tenho contra elementos normativos na literatura. A grande literatura não vive sem elas. A criação humana não se põe em pé sem regras. O problema é a qualidade das regras e a maestria do seu uso. O Ti como paradigma em vez de Apolo terá sempre um pequeno problema. Respira ar menos elevado e é menos bonito. Para quem gosta e para quem lhe basta tanto melhor. Citando a boa da rainha Cristina da Suécia: “non mi bisogna e non mi basta”.

Qual é o paradigma de vida destes cultores de Tis? Ti Manel, Ti Jaquina. Faltam letras, é bom de se ver. Porquê? Porque estes autores alimentam-se delas. Parca dieta para parcimoniosos resultados. Se é certo que a literatura sempre foi mais feita por quem tem a barriga saciada, nem sempre isso é assim. Mas também não deixa de ser verdade que, mais ou menos esfomeado que seja o escritor, se é bom, percebe que é frutificador de letras e não seu predador. Se vive de as comer errou na vocação.

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domingo, 14 de setembro de 2008

Ramalho Eanes

Acabo de ler o que João Gonçalves escreveu aqui. Ramalho Eanes foi prejudicado por uma decisão ad hominem de Mário Soares. Reparada a injustiça, poderia ter recebido mais de um milhão de euros. Recusou o dinheiro.
Vale a pena ler a notícia e o comentário no Portugal dos Pequeninos. Pode gostar-se mais ou menos do que Eanes tenha sido como estadista. Mas esta luva branca já ninguém lha tira. Poetic justice!

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O casamento do Sr. Sulu.




Hoje, enquanto meia América se deleita, rendida, com a retórica de cabeleireira de uma «quase-Miss Alaska» fã de criacionismo que trocou as voltas à eleição presidencial, casa-se o Sr. George Takei com o seu companheiro de 21 anos. É verdade, Mr. Sulu himself, aproveita a lei aprovada em Maio passado na California e põe a vidinha em ordem. A boda, rezam as crónicas, será abrilhantada pela presença do amigo de sempre, o meio-vulcano, meio-humano, Mr. Spock.

Não tenho, ao contrário do PS de Sócrates, nenhuma obsessão «politicamente correcta» com o casamento dos homossexuais. Está longe de me parecer a maior prioridade da nação e desconfio sempre muito da defesa de «agendas fracturantes» feita com base nos méritos do seu carácter ... «fracturante». Mas também é verdade que, nestes tempos de trevas, em que o Mundo corre o risco de vir a ser governado por uma criatura tão extraordinária como a Srª. Palin, confesso que me dá algum alento saber que há toda uma outra América, tolerante e liberal, que nunca se reverá na agenda religiosa e ultraconservadora da governadora do Alaska.

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130 mil empregos

Parece que dos 130 mil empregos criados pelo governo de Sócrates, cerca de 30 mil são no estrangeiro. Parece que alguns comentadores consideram o facto uma enorme perversão e se preparam para precipitar o primeiro-ministro nas mais duras penas do Inferno. A penas, enxofre e alcatrão.
Presumo que deve ser inveja. Emprego e no estrangeiro? Longe deste inglório e ingovernável jardim? Longe da qualidade de vida canalha de Lisboa? Está visto, por mais anjos que passem por eles, estes comentadores nunca saberão reconhecer a felicidade.

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Sealed With a Kiss

Os membros deste blog bem podem agradecer ao “sealed with a kiss” do vídeo abaixo terem chegado a ver a luz do dia e ameaçarem, mais dia, menos dia, virem a governar o país.
Em 1962, cantava-se assim, dançava-se como na foto acima, e amava-se de Verão em Verão, sem vontade de dizer adeus, com cartas ardentes fechadas com um beijo.
Ouçam, descontando o péssimo som do video, e depois encomendem o cd: “Teenage Crush, volume 1”.
Atendendo ao ritmo coleante, palpita-me que é um cd muito mais Tower Records do que Virgin.




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sábado, 13 de setembro de 2008

Le parole sono importanti

Tenho vindo a rever alguns filmes do Nanni Moretti e como verifico que o "Politically correct" nao e' caracteristica deste Geraçao de 60, nao podia deixar pois de partilhar este momento muito alto do seu cinema (incluindo a estalada a' jornalista claro!). Para os que nao viram ou nao se lembram de "Palombella Rossa", Michele Apicella (alter-ego de Moretti e que aparece pela primeira vez no filme "Ecce Bombo" de 1978), cansado da luta politica que vem a desenvolver como membro do partido comunista, encontra-se aqui neste longo dia a jogar uma partida de polo aquatico depois de um pequeno acidente de automovel durante a manha. Um acidente que o faz perder a memoria e esquecer o conteudo de uma polemica entrevista que teria dado na noite anterior a um programa politico televisivo e que e' reputada por todos os que o encontram de absolutamente memoravel e reveladora do estado do PCI.....

O uso da expressao "politically correct" que penso nao se usasse muito em 1989 quando este filme foi feito daria direito seguramente a uma muito merecida estalada do Nanni. Pensemos nisso quando enriquecemos (empobrecemos) as nossa frases com coisas do genero....

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sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Às armas


Às armas!

No Pnet Homem - um sítio muito duvidoso, onde 7 cavalheiros que afinal são 6 escrevem artigos ululantes para competir com o Pnet Mulher onde 7 Evas dançam com alegre volúpia - o Pedro Marta Santos, o nosso Pedro Marta Santos, foi vítima de ataque soez.

É preciso pôr esta gente na ordem.

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The Cricket

O Geracao (quem me dera ter, neste canto do Mundo onde me encontro perdido, uma singela cedilha ou um esvoacante til) contratou mais uma estrela internacional. Desta vez fomos "pescar" a Milao e asseguramos os servicos de Vasco "The Cricket" Grilo. A biografia oficial garante que "Vasco Holds an MBA from SDA Bocconi in Milan, a Masters in Manufacturing Systems Engineering from Lehigh University, PA in the US and an Engineering degree from Instituto Superior Tecnico in Lisbon, Portugal". Pelo sim, pelo nao, prefiro nao por as maos no fogo pela veracidade de tao brilhante curriculo. Quando a esmola e grande, o pobre desconfia. O que posso garantir e que, com o seu humor corrosivo, o Geracao nunca mais sera o mesmo.
Bem vindo Vasco!

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Aznavour

Por mais estima que eu tenha pela canção francesa, e tenho alguma, do que eu gosto mesmo é de Charles Aznavour. Gosto muito mais de Aznavour do que de Gilbert... ó mas que é que isso interessa. Gosto muito mais do Charles do que de Yves... ó deixa lá isso. Gosto muito mais dele do que do Serge .... ó poupa-me.
Neste concerto em Nova Iorque, no Carnegie Hall, Aznavour está por cima, muito lá por cima, da sua plenitude. Já nem precisa de ser muito bom. Basta-lhe ser gentil e sem remorsos. Certo na melodia. Infalível no tempo.


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O Fundamentalismo

... detecto neste olhar um sentido de indevida apropriação...
A este post sobre Sarah Palin, a Inês Dentinho respondeu aqui com garra e frontalidade. Demarcou-se de Palin (“nada contra e muito menos a favor”, disse Inês) e apontou espingardas ao politicamente correcto (“porque é que não é visto como um fundamentalismo?”).
Obrigou-me, por isso, a consultar os meus botões e saíu-me isto.
Entre instinto e razão, entre sonhos e pesadelos, tenho algumas coisas contra Palin e outras a favor.
Digamos que não aprecio da mesma maneira o que nela é acção e o que nela é reflexão. Indeciso e inconstante, não consigo é saber o que aprecio ou o que detesto.
Ah, mas sei o que odeio no politicamente correcto, e dou exemplos:

· a apropriação monopolista dos meios de contestação;
· a acumulação primitiva da mais-valia da queixa;
· a liminar exclusão dos adversários como praxis científica e revolucionária;
· mas sobretudo, sobretudo, pensarem que Lukács é uma marca de lâmpadas de 15 watts.

Ai Sarah, Sarah, que o teu fervor não derreta os gelos do Alaska.

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Será o Domingo?




E aqui o desenvolvimento.

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