segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Falta um boné nas mãos de Sócrates

«José Sócrates foi chamado a Berlim por Angela Merkl». O anúncio feito, nestes termos, pela TVI é eloquente.
Quem é quem? Estaremos na Europa sonhada da fraternidade de Estados soberanos ou na imprudência de uma nova era imperial?
A verdade é que o vencedor é sempre assimilado pelo vencido. Os gregos colonizaram os romanos depois da hora. E a raça ariana faz-se finalmente reconhecer como «superior», depois de todos os genocídios. Terá aptidões na filosofia, na música e na organização. Mas tudo mais é tendênciazinha para a supremacia que os tratados preveniram e os povos esqueceram.
Só falta oferecerem um boné ao amigo de Chavez para ele segurar na mão, cheio de nervos, quando lhe for permitido entrar agradecido na sala da Chanceler.

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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

É agora ou nunca


Está aberto o debate público sobre as alterações das Ferguesias de Lisboa que, supostamente, servirão de candeia para iluminar duas vezes o que se irá passar no resto do País. (ver post anterior) Façam o favor de não transformarem a discussão sobre esta alteração radical da nossa identidade e representação democrática num expediente que a Democracia concebe para não ser praticada. Inundem o site com o que pensam e com alternativas concretas. Sejam!.
Obrigada.

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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A marca de Mértola


A primeira vez que a vi foi descendo o Guadiana, nos idos anos 80. Mértola deu-se a conhecer, imponente e sóbria, de pedra e cal, como um porto seguro para quem chega exausto depois da longa viagem azul a partir de Jeromenha. Não havia Alqueva e o Pulo do Lobo era evitado por curto desvio pelas aldeias do fim.
Muito mudou. Desde os anos 70 que a vontade de voltar a ser única no Alentejo construiram a imagem de marca da vila.
Sabíamos que Mértola era o último porto do Guadiana, a partir da foz. Agora os títulos dos panfletos explicam que se trata do último porto do Mediterrâneo. Conhecíamos os mitos da presença muçulmana no Al Andaluz transformado no Paraíso do Islão, alcançado e por alcançar. Em Portugal, apontávamos Silves como a grande musa inspiradora para reis e poetas árabes. Mas para quem visita Mértola agora, parece que o Algarve é como um subúrbio do centro de interesses da civilização islâmica e que os três séculos de presença muçulmana nesta vila vingaram mais do que todos os outros romanos ou cristãos.
Não quero fazer análise histórica pela aritmética dos séculos. O que seria da Irlanda, da Polónia ou da Hungria apenas com o tempo de ocupação que viveram. É conhecida também a tendência para contar a História de Portugal de Norte para Sul, ao sabor da Reconquista Cristã, favorecendo os heróis e as raizes da nacionalidade. Uma leitura mais atenta diz-nos que toda a Civilização veio do Sul e que os autóctones pouco se mexeram com a entrada e saída de cartagineses, romanos, suevos, árabes ou cruzados.
Para quê então esta narrativa que nos leva a ter, em Mértola, a construção de uma imagem de marca tomada por um período de três séculos? O heroi a cavalo na porta do castelo contruído por um Rei português, é muçulmano. Na propaganda, a Igreja Matriz é apresentada como a única Mesquita de Portugal. Ora é sabido que, em todo o Alentejo - e até a Sé de Lisboa - os templos cristãos foram construídos nas fundações das Mesquitas que, por sua vez, se fizeram erguer na base de outros templos cristãos visigodos. A Arqueologia é fértil no aproveitamento das pedras de sinal contrário, como se viu na grande exposição do Jubileu do Ano 2000 na Alfândega do Porto.
Esta lógica pendular da leitura histórica é como a da toponímia de Mértola, ainda ocupada pelos nomes dos heróis vermelhos. Ou será apenas uma táctica turístico-comercial para vender mais um destino?
Mértola é mais rica e mais verdadeira do que isso. Basta lá chegar pelo rio e ceder aos seus encantos.

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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Afinal era mentira



Passava um minuto da meia noite e meia de ontem quando o Correio da Manhã fez publicar seis linhas on line sobre a ilibação de Helena Lopes da Costa das graves acusações de que foi alvo, há dois anos, durante a campanha para as Autárquicas de Lisboa. Sob o título «Ex vereadora absolvida», a timidíssima notícia adianta «O Tribunal da Relação de Lisboa não deu provimento ao recurso do Ministério Público sobre a não pronúncia da Ex Vereadora da Câmara de Lisboa, Helena Lopes da Costa, a propósito da atribuição de casas da autarquia. O Ministério Público tinha feito uma acusação por cerca de 20 crimes mas a actual deputada não foi pronunciada e julgada». Na época, os jornais não falaram em cerca de 20 crimes mas em 22. Deram-lhes nomes e pormenores sórdidos. O título do DN denunciou o «Lisboa Gate», a SIC falou no assunto de hora a hora, tal como os outros canais de TV.

Bem sei que o CM fecha antes da meia noite e que a edição escrita de hoje não poderia incluir esta notícia. Veremos o CM de amanhã. Mas, se houvesse algum sentido de proporção e de pudor, já não digo de Justiça, o erro sobre a acusação de alguém inocente deveria ser minimamente destacado on line.

Recordo como tudo surgiu: estava em discussão se Santana Lopes deveria ser candidato a Lisboa. Lançaram-se suspeitas graves sobre a atribuição indevida de casas a próximos de Santana que chegou a ser constituído arguido durante um tempo. A campanha foi para a frente com esta «bandeira eleitoral» até que, afinal, a investigação fez surgir casas e mais casas entregues a dirigentes da esquerda virtuosa e a proto-intelectuais, como Baptista Bastos. O assunto arrefeceu, não fosse a lama da ventoínha continuar a espirrar para mais nomes da rosa.

Veio a verificar-se agora que as acusaçõas à Vereadora de Santana não passaram de uma atoarda. Curiosamente na mesma semana em que um canal de televisão faz uma peça com Helena Roseta a dizer que as rendas de casa vão passar a ser conforme os rendimentos dos inquilinos para acabar com os abusos de longa data. A peça «jornalística» não cuidou de ouvir a Oposição na CML sobre a mesma matéria, o que no meu tempo de jornalista seria um pecado mortal. Nem tão pouco se interrogou porque é que essa actualização ainda não foi feita, ao fim de quatro anos de poder PS na CML. E nem se informou do preceito, inaugurado pelo socialista Vasco Franco nos anos 90, de actualizar anualmento o levantamento das rendas. Sabemos que a fiscalização e manutenção das boas regras é menos empolgante. Mas deve ser feita porque há muito tempo que acabou o arraial das campanhas e dos amanhãs que cantam. Poder é responsabilidade. Poder é trabalho. Poder é serviço.

Mas, aparentemente, nascemos todos hoje, como as notícias do dia.

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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Freguesias, para que vos quero?


Ontem a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou, pela maioria dos votos, o debate público sobre o acordo do PS e do PSD sobre o novo mapa das Freguesias de Lisboa. No ambiente impoluto dos gabinetes, estes senhores combinaram eliminar 29 freguesias de Lisboa. Porque não conseguem convencer o resto do País, a medida só se aplica à Capital. E a mudança vem com tintura de iodo: mais competências e mais verbas para as freguesias de Lisboa.
Como é aceitável que se proponha uma legislação que defende para as freguesias da Capital privilégios e competências não reconhecidos às unidades políticas equivalentes do resto do País? Passaremos a ter «um país, dois sistemas», como na China?
A liberdade e o desprendimento são condições do espírito reformista de que o nosso País carece. Mas é falta de discernimento dispensar o respeito pela identidade secular da cidade e enfraquecer o imperativo da proximidade entre eleito e eleitor.
Uma freguesia não se julga apenas pelo número de camas mas pelo número mutante de fregueses que a vive durante o dia. A dos Mártires (Chiado), por exemplo, criada por D. Afonso Henriques antes do Município, terá 400 habitantes durante a noite mas ultrapassa largamente os 40 mil durante o dia. Do mesmo modo não se pensa eliminar as freguesias dormitório favorecidas pelo desordenamento do território.
Reconheço que o actual modelo de gestão de 53 Freguesias em Lisboa, com dimensões territoriais e populacionais tão díspares, não é viável para atender aos fenómenos sociais emergentes de cidades mais frequentadas do que habitadas. Proponho, por isso, a criação de dez conjuntos de freguesias na Capital que favorecem a gestão autárquica sem o estrago social, histórico e político da extinção das freguesias. É também um modelo mais adaptável às exigências de cada época e exportável para cada concelho do nosso País. E será, com certeza, uma solução menos agressiva para os sentimentos de pertença das populações que merecem o nosso respeito e que devem ser considerados, também na perspectiva da segurança interna.
Uma machadada certeira no dispendioso universo empresarial da CML, o corte nas despesas correntes e uma avaliação criteriosa de cada um dos mais de 11 mil funcionários da CML obteria maiores ganhos e menos custos. Sem demagogia.

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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A caixa de Pandora

Confesso que nunca acreditei muito na lei das compensações, pelo menos na sua formação vulgata. Geralmente diz-se que os gregos eram muito racionais, inventaram a razão e outras trivialidades quejandas, mas esquecemo-nos que se trata de um dos povos com a mais fértil imaginação. Se a laboração intelectual dos celtas nos fosse mais perceptível talvez víssemos que a sua capacidade intelectual igualava o seu génio para a imaginação. Da mesma forma trata-se de povos que criaram tipos de uma imensa beleza física. É triste para os desprovidos, mas a natureza não é muito igualitária.

Um dos mitos gregos mais ricos e mais glosados é o da caixa de Pandora. Que este nome significa todos os dons, ou mesmo a totalidade na dádiva, que desta caixa saíram todas as desgraças do mundo, que a causa dessa desgraça foi a curiosidade e que no fundo ficou a esperança, todos nós sabemos igualmente. No entanto, poucos se apercebem da profundidade do mito e consequentemente da sua permanente actualidade. Na melhor das hipóteses achamos belo o conto e pouco mais.

O problema de tratar como infantis os mitos gregos é que isso é esquecer que é pela mesma razão que criaram mitos e criaram a ciência: porque eram efectivamente inteligentes, ou seja, estavam efectivamente despertos para a realidade.

Sejamos pois coerentes e vejamos a actualidade do mito. Há basicamente duas formas de se abrir uma caixa de Pandora: ou retirar o pão ou retirar a identidade. Quando ambos ocorrem em simultâneo a mistura é explosiva.

Hoje em dia a maioria dos representantes da dita extrema-esquerda (pouco extrema na verdade) tem pão na mesa. Não é bem pelo pão que reclama, nem sequer pela sua proletarização. Na maioria dos casos são recrutados de classes muito baixas que paradoxalmente estão melhor agora economicamente não apenas que os seus antepassados, mas que o que eram na infância. Reclama mais por frustração, por medo. Não por lhes retirarem uma identidade que nunca foi forte, mas por desesperarem de ter uma que tenha significado. Gostariam de ter privilégios aristocráticos, pelo que lhes mimam os tiques: o desprezo pelo dinheiro, pelo trabalho criador, pela disciplina. Avançam-se como arautos da liberdade (pretensão aristocrática se a há) e anseiam por um poder sacramental. A extrema-esquerda não é hoje em dia tão perigosa porque no fundo sabe bem que este sistema a favorece bem mais que qualquer outro. Dá-lhe emprego mais ou menos seguro, obnubila a sua mediocridade intelectual, social, estética. Vive bem no mundo de confusão porque é destituída de projecto em boa verdade, mas viveria mal com qualquer projecto. O seu paradigma é o travesti. Critica a sociedade capitalista, mas usufrui das suas vantagens, despreza a democracia, mas faz-se paladina das suas conquistas na medida em que favorecem os seus caprichos.

Ficamos assim sem saber quem são os deserdados e para onde eles vão? Quem, além de ver o seu pão diminuir, vê a sua identidade ser negada? São estes que tendem para as soluções de extrema-direita.

Quem vê o pão diminuir são os operários, classe aparentemente em vias de extinção, mas que com a longevidade da nossa época resiste e resistirá ainda por muitos anos. Os jovens sem emprego. Os habitantes dos subúrbios. Em acréscimo, e em grau mais agudo, os que são de origem europeia. Porque a estes é-lhes retirada qualquer identidade. O primitivo pode e deve ter orgulho de ser primitivo. O oriental deve ter orgulho da sua origem. O turco vem de uma imensa civilização. De que se pode orgulhar o europeu? De nada. As ciências, a arte, a música, a tecnologia, a filosofia europeias são afinal bens universais. Invocar a sua origem europeia é sinal de racismo. A Europa não tem direito ela mesma a ter origem, seja o cristianismo, seja o paganismo indo-europeu, porque como todos nós sabemos isso é racismo também.
O europeu em vias de proletarização, ou precarizado, é o verdadeiro desapossado. Duplamente desapossado. Economicamente, por uma globalização que lhe dizem inevitável e em que nada ganha, ao contrário do turco que se instala nos sistemas de segurança social europeus que para ele são comparativamente vantagem. O culturalmente desapossado, porque o que a sua cultura fez de bom é reivindicado pelo universo e nada do que o que constitui pode ser invocado como diferença.

A Europa é o único continente, ou melhor a única civilização, a que não é dado o direito de ter orgulho em si mesma. Sempre que há este duplo desapossamento quem ganha é a extrema-direita. E é ela que cresce na Europa, sobretudo entre os abandonados da globalização. Veja-se em França que os operários passaram do partido comunista directamente para o Le Pen, e na Alemanha de Leste passou-se rapidamente do socialismo real para o nazismo, o mesmo se passando na Polónia e na restante Europa Central.

Em vez de procederem a uma afirmação identitária saudável da Europa, os políticos europeus, (por pressão americana em parte, por pressão dos bem pensantes, dos nacionalistas e por pressão do capitalismo liberal – os programas são muito mais comuns do que se julga) continuam a não querer afirmar a identidade da Europa. Se bem se vir somos o único povo no mundo que não tem direito a identidade. Destituíram-nos do direito a uma antropologia, a rituais próprios, a fontes próprias. O europeu é o único homem despojado de uma antropologia, como se tivesse perdido irremediavelmente direito a ela por um pecado original de ser europeu. E esse jogo abre uma caixa de Pandora que já está em curso e neste momento acho difícil que pare.

Mas, pode-se contra-argumentar, criámos instrumentos na Europa que evitam o conflito. Instrumentos? Sim. Mas os instrumentos só são eficazes enquanto são alimentandos por uma substância. Só acredita em direitos humanos quem foi formado numa determinada concepção do homem. Quando se diz que essa concepção não nos caracteriza tudo é admissível. Os chineses e os sauditas dizem que respeitam os direitos humanos, mas na sua concepção de homem. Uma dialéctica meramente instrumental mostra a sua fragilidade, porque rapidamente é transformada no seu contrário.

Não espanta por isso que cresça a extrema-direita sob uma ou outra forma, com várias capas ou diversas dialécticas. O encobrimento não é exclusivo da extrema-direita. A extrema-esquerda e os muçulmanos “moderados" turcos, para quem conhece a sua História fazem o mesmo. O que é específico da extrema-direita na Europa é o total encobrimento, não apenas dos seus modos, como das suas fontes.

A extrema-esquerda é perigosa porque é eficaz. Dissolve a identidade europeia, e é aliada objectiva da política americana que quer fazer da Europa um espaço multicultural, bebe das mesmas fontes e conduz aos mesmos resultados geoestratégicos fundamentais (adesão turca, apagamento de referências clássicas, de educação disciplinada, etc.). A extrema-direita é perigosa porque é crescente e porque todas as forças políticas visíveis contribuem para o seu crescimento. Desapossados ora do pão ora da identidade, ora de ambos, cria-se na Europa uma classe crescente nas suas bases, de velhos e jovens largados à margem da sociedade e fora de qualquer possibilidade de legitimação identitária.

A extrema-direita é tanto mais perigosa quanto menos for ouvida, quanto mais for afastada do espaço da comunicação social, quando totalitários verdes, fúcsias, vermelhos e de outras cores têm livre-trânsito no espaço público. Ganha assim a aura do herói e da vítima de um só golpe. Os extremistas de direita não são obrigados a ser confrontados racionalmente com as suas contradicções e passam por ser isentos de contradicções.
Nos anos de 1920 o Mein Kampf era desdenhado com desprezo aristocrático pelas elites europeias, e alemãs sobretudo. É verdade que é um livro mal escrito. Mas em muitos aspectos portador de lucidez. Se alguém o soubesse ter lido em devida altura teria percebido tanto a legitimidade de algumas queixas como o horror de muitas soluções. Umas e outras foram descuradas e o resultado é conhecido. A política sub-reptícia que hoje em dia impera é a de conceder lentamente às pressões de extrema-direita, em matéria de segurança, imigração, nalguns planos sociais esparsos, nuns países mais abertamente que noutros (sobretudo na Europa do Norte e Central, enquanto a Europa latina continua seguindo a matriz anglo-americana – ironia do destino, a Inglaterra começa a abandonar essa matriz aos poucos).
Não deixa de ser irónico que se abra a caixa de Pandora, a caixa do dom total, quando se descura quem nada recebe. Que no fundo haja a esperança só é boa notícia para quem se esquece que é preciso descer ao fundo para que ela renasça. Numa Europa que descura o desapossamento económico e identitário muito se pagará por esta inépcia.



Alexandre Brandão da Veiga



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