quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Os políticos italianos


Já o sabemos. A cultura não evita o pior do ser humano. Poucas regiões e épocas foram tão cultas quanto a Alemanha da rRpública de Weimar e isso não a isentou das falhas da humanidade. É verdade: é ingénuo pensar que a cultura evita a falha humana.

No entanto, e no entanto... Com cultura temos outro mundo. A política italiana não se isenta de humanidade, nem sequer do grotesco da humanidade, da farsa, do ridículo. Mas quando comparamos com outros países (deixo ao leitor o gosto de pensar quais) vemos que existe um nível bem diverso, uma cultura bem mais profunda.

Para simplificar uso a wikipedia. Facilita o acesso e para os efeitos, que não são científicos é por demais bastante.

 

Dando os exemplos (excluo outras que são publicações sobre política, direito e economia) e nem me pronunciando sobre qualidade das obras:

Matteo Renzi, Stil Novo. La rivoluzione della bellezza tra Dante e Twitter, Milano, Rizzoli, 2012 http://it.wikipedia.org/wiki/Matteo_Renzi#Libri

 


  • Avvenimento cristiano e fenomeno rivoluzionario. Lezioni sul marxismo. Testi del seminario condotto presso l'Universita Cattolica di Milano, 22-25 febbraio 1972, Milano, Comunione e liberazione, 1972.
  • I cattolici e la crisi della società italiana, con Augusto Del Noce, s.l., s.n., 1977.
  • Dialettica e nostalgia, Milano, Jaca Book, 1978.
  • La crisi dell'economia marxista. Gli inizi della Scuola di Francoforte, Roma, Studium, 1979.
  • Il pensiero di Karol Wojtyla, Milano, Jaca Book, 1982.
  • L'uomo e il lavoro. Riflessioni sull'enciclica "Laborem Exercens", Bologna, CSEO biblioteca, 1982.
  • Metafisica della conoscenza e politica in S. Tommaso d'Aquino, Bologna, CSEO, 1985.
  • Nuova evangelizzazione e dottrina sociale, Milano, Scuola di dottrina sociale, 1988.
  • Cattolici e politica, con Augusto Del Noce, Milano, Scuola di dottrina sociale, 1988.
  • La famiglia, un soggetto di azione sociale, testo di una lezione tenuta il 7 maggio 1987, in Luigi Giussani, Luigi Negri, Rocco Buttiglione, La famiglia, Milano, Quaderni di Litterae Communionis, n.3 1988
  • Traduzione italiana e saggio introduttivo a Josef Seifert: Essere e persona, Milano, Vita e Pensiero, 1989
  • Augusto Del Noce. Biografia di un pensiero, Casale Monferrato, Piemme, 1991. ISBN 88-384-1582-X
  • La crisi della morale, Roma, Dino, 1991.
  • L'uomo e la famiglia, Roma, Dino, 1991.
  • Il problema politico dei cattolici. Dottrina sociale e modernità, Casale Monferrato, Piemme, 1993. ISBN 88-384-1979-5
  • Giustizia e politica tra prima e seconda Repubblica, con Mario Luzi, Formello, SEAM, 1998. ISBN 88-8179-076-9
  • Il pensiero dell'uomo che divenne Giovanni Paolo II, Milano, Mondadori, 1998. ISBN 88-04-45382-6
  • Meridione. La grande occasione, a cura di e con Giuseppe Nistico e Antonio Marzano, Soveria Mannelli, Rubbettino, 2001. ISBN 88-498-0132-7
  • I cattolici liberali nell'attuale contesto politico, Soveria Mannelli, Rubbettino, 2007. ISBN 978-88-4982-018-8
  • Lo stato della democrazia nel mondo, con Gianfranco Fini e Carlo Galli, Roma, Armando, 2011. ISBN 97888-6081-812-6
  • La sfida. Far politica al tempo della crisi, Soveria Mannelli, Rubbettino, 2012. EAN 9788849833720

 


·         Grandi illusioni. Ragionando di storia d'Italia (con Andrea Graziosi), Bologna, Società editrice il Mulino, 2013

 


·         Piccola storia di Roma. Da Romolo al giubileo del 2000, Milano, Mondadori, 2000. ISBN 88-04-47796-2. vincitore del Premio Cimitile

·         Sotto il segno di Pio IX, Milano, Rizzoli, 2000. ISBN 88-17-86362-9.

·         Un gesuita in Cina, 1552-1610. Matteo Ricci dall'Italia a Pechino, Milano, Rizzoli, 2001. ISBN 88-17-86940-6.

·         La fuga di Pio IX e l'ospitalità dei Borbone, Roma, Benincasa, 2003. ISBN 88-86418-12-4

 

 


·         Un dissidente del Risorgimento. Giuseppe Montanelli, Firenze, Le Monnier, 1962.

·         Carducci e Croce, a cura di, Bologna, Poligrafici il resto del carlino, 1966

·         Il mondo di Giolitti, Firenze, Le Monnier, 1969

·         Il venti settembre nella storia d'Italia, Roma, Nuova Antologia, 1970

·         L'Italia dei laici. Lotta politica e cultura dal 1925 al 1980, Firenze, Le Monnier, 19

·         Fra Carducci e Garibaldi, Firenze, Le Monnier, 1981.

·         Tradizione garibaldina e storia d'Italia, Firenze, Le Monnier, 1982. ISBN 88-00-85594-6

 

 


·         Francesco Cossiga (a cura di), Sir Thomas More, santo e martire. Patrono dei governanti e dei politici. Raccolta documentale, Roma, Colombo, 2001

 

Esta não é análise científica e muitos mais exemplos poderiam ser dados. Mas deixa-nos a reflectir. Não faço a comparação expressa com a classe política portuguesa em qualquer época. Ex silentio já está feita.

 

(mais)

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Virtude


De entre as ciências mais elásticas que a Terra já viu encontra-se a da etimologia. Desde o extremo da mais aberrante fantasia (a “pantera” chama-se assim porque é amiga de todos os animais, diziam etimologistas medievais), até ao hipercriticismo germânico do século XIX (grande construtor de sólidos mas secos edifícios), de todos os extremos provou esta actividade.

Seja como for, em que grau se queira usar desta ciência, e com que rigor, sempre tendo algumas cautelas, muito se pode aprender com ela. As palavras que usamos não são inocentes. Para um jurista “fé pública” tem um significado técnico, que não se confunde com as peregrinações de Fátima, e “placebo” para um médico não se trata de uma entrega do seu corpo aos prazeres do doente como o significado latino poderia dar a entender. Só conseguimos falar com as palavras que temos. E qualquer crítica destrutiva da etimologia deveria ter isso em conta quando a desdenha.

Uma das palavras que se encontra cada vez mais relegada para sedimentos mais recuados na nossa linguagem é a virtude. Ainda se manifesta em jargão económico nos “círculos virtuosos”, ainda é admitida na física nas partículas virtuais, mas sempre desventrada do seu conteúdo central. Época pudica que fala sempre ao lado do principal, preocupada com a pureza ritual, a nossa era é lesta em enterrar o essencial, em evitar o decisivo.

Vejamos as etimologias. Virtude parece ter parentesco com “uir”, varão, e “uis”, força. Falo em parentescos porque por vezes não há apenas filiações semânticas, mas igualmente casamentos, associações, contactos. As palavras são seres sociais, adquirem tiques dos vizinhos ou dos seus amantes. A virtude é a qualidade de quem é varonil, de quem tem força. Maquiavel restaurou este uso indo-europeu. O renascimento foi tanto antiquário como renovação. Tenho mesmo dúvidas que se possa ser uma coisa sem a outra.

Em grego “aretê”, palavra tão complexa na sua História que não posso nem sequer enunciar os seus mais simples desenvolvimentos. Consta que etimologicamente terá origem no indo-europeu em palavra que significa o homem livre por excelência, o nobre, o “arya”. O herói também. Tem virtude quem tem força, poder, quem é livre, quem é nobre no fim de contas. Sem poder não há liberdade, é esse o estado do nobre.

O cristianismo veio a dar, como estoicismo, uma coloração bem diversa a esta virtude. Ser livre, o verdadeiro poder, decorre de uma luta consigo mesmo, para atingir a serenidade, a paz, o amor, consoante os casos. Todo o novo vocabulário positivo recebe de uma linguagem aristocrática, viril, guerreira. O herói das virtudes e as virtudes heróicas, o poder sobre as paixões, a luta da alma. A nobreza de carácter, o espírito livre, os livres-pensadores.

Mais uma vez encontramos aqui a fusão entre o cristianismo e o paganismo indo-europeu. É aliás difícil destrinçar nos textos, mesmo de entre os mais fervorosos crentes das épocas mais crentes, o que é realmente cristão e o que é pagão indo-europeu. A mulher deve ter orgulho na sua virtude (pecado de orgulho?), a resignação heróica é muito mais estóica que cristã por vezes (as cartas de Heloísa a Abelardo, por exemplo).

Como prometi que analisaria o que subtende à política preciso por isso de tentar dar uma explicação deste escondimento da virtude. Já sabemos para onde foi. Para o vocabulário técnico, encapotada, mascarada, asseptizada. Como é hábito de uma época de pudibundice como a nossa. Mas porque se esconde a virtude do espaço público? Porque é ridículo hoje em dia um ministro, um jornalista, um empresário, dizer que é virtuoso ou virtuosa?

A primeira razão já foi enunciada. A época é pudibunda. Como é costume, as épocas não reconhecem nunca os seus pontos de pudibundice ou pudor. Mas eles notam-se sempre por um teste simples: se fazem corar. Uns por real pudor, outros por pudibundice. O pudor enriquece, a pudibundice rigidifica. Ora o horror à virtude e à palavra que a representa apenas gera rigidez. Faz corar por rigidez.

Por outro lado, sejamos generosos e concordemos com eles. Não são virtuosos, são destituídos de virtude. As pessoas têm direito de ver satisfeitas as suas reivindicações. Não afirmam terem, em grande medida porque realmente não têm.

Mas porquê este horror à virtude? Porque esta dimensão do ser humano e não outra?

Bom, para começar há que ser justo. A virtude não está sozinha. Igualmente a nobreza, o pudor e outras palavras são afastadas do espaço público. Corresponde a um processo de massa de expulsão de tudo o que respeita ao mais íntimo do ser humano do espaço público. Funcionaliza-o, torna-o de confiança, previsível, como uma máquina. Daí a necessidade de se exigirem – maquinais – manifestações de bons sentimentos pelos homens públicos.

Exige-se que os homens públicos sejam destituídos de intimidade, surjam despidos dela. Isto nada tem a ver com pudor ou contenção. Exige-se que os sentimentos sejam também eles previsíveis e catalogáveis. Não se admite que o homem público tenha maus sentimentos (elitismo, vingança, por exemplo) e os que manifesta têm de pertencer a um catálogo de bons sentimentos. A virtude é coisa demasiado íntima para existir no espaço público, e demasiado ridícula para se admitir no privado.

Mas tem de se reconhecer igualmente que todo o sistema de educação, seja formal, seja familiar, social ou outros, varreu a palavra virtude do seu campo de actuação. Não se instila virtude nas crianças mas apenas comportamentos adequados. Uma conformação exterior, que fez de conta que o interior não tem impulsos negativos. O pensamento meramente funcional, bem mais antigo do que o julgam os modernos, alastrou-se como um cancro para todos os níveis do comportamento, e mais importante, dos sentimentos, na sociedade.

Que políticas gera ou pode gerar o homem sem virtude? Desde logo uma política toda ela virada para o comportamento, para o exterior, para a aparência. O que esteja fora do escrutínio público é apenas alvo do seu capricho. O que modera as suas acções é apenas o efeito público e não o intrínseco desvalor da conduta. Como sabe que apenas o que é publicamente sindicável lhe limita o caminho tentará esconder o mais que pode. É certo que em todas as épocas houve quem tentasse esconder. Mas quem é educado no valor absoluto da virtude, sabe que pode ser julgado por instâncias secretas que perscrutam as suas mais íntimas intenções ou seus mais secretos actos. Demitindo-se este juiz interior o espaço não publicitado é pura arbitrariedade.

Na política, a sua técnica é a do facto consumado. Aceita-se a Turquia como candidata sem informar previamente o público e muito menos sem lhes pedir a opinião e ainda menos a decisão. Decide-se seguir para a guerra do Iraque sem curar se os soberanos (os cidadãos numa democracia parece-me) estão de acordo ou não.

Na ideia da projecção histórica o seu paradigma é a dos tesouros afundados. Fica por isso no esquecimento da História, porque se alguma substância teria, este homem público deixa-a toda submergida.

Mas sobretudo, sendo destituído de virtude, é destituído de real força interior. A sua vida é uma perpétua obsessão com a protecção da sua fraqueza. A defensiva anima-o, só ela o motiva. Defende-se da grandeza, e tenta espezinhá-la. Por inveja, mas por sensato instinto de inteligência. Sabe que o espaço que ocupa teria sempre muita gente mais qualificada para o preencher. A sua vida é sempre um conjunto de “por exclusão de partes”. Só está onde está, não por ter sido escolhido, mas por os outros terem sido afastados. O deserto, Átila, os seus heróis. Daí que apoie a entrada dos turcos na União Europeia. Gosta de termos de comparação que não o envergonhem.

É este espectáculo que nos é reservado. Pessoas sem virtude, sem força interna, sem nobreza. Foi essa a sua condição de subida, precisam de a manter para sobreviverem. Mas estes pobres coitados são apenas herdeiros das bermas de onde vieram, e onde em boa verdade ainda estão. Culpados, reais culpados, são todos aqueles a quem foi dado o poder de soberania de os pôr onde estão. Numa democracia, sem lugar para dúvidas, todos nós.
 
Alexandre Brandão da Veiga

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(mais)