quarta-feira, 29 de abril de 2009

Árvores no Terreiro do Paço


Segundo li na imprensa outra vez, o arquitecto responsável pela proposta do novo "plano" para o Terreiro do Paço, plano que ao que parece ainda ninguém pôde ver e que tem como emblema um eixo "estruturante" entre o arco e o cais das colunas (pois toda a gente que entra na praça vai apanhar o batel), defende que não se podem plantar lá árvores porque as pequenas são ridículas (concorde-se) e as grandes tapam os edifícios. Afinal é mesmo preciso ir a Paris. Menos arquitectura e mais paisagem é o que aquela praça precisa. Ou não será?

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A Dra. Manuela Ferreira Leite não lê o Expresso


No rescaldo da entrevista do Primeiro-Ministro à RTP,Ricardo costa escreveu esta semana no Expresso um "Curto memorando para uma próxima entrevista".

Não é tão curto quanto isso, tem vinte pontos. O primeiro diz: " Não repetir que o caso Freeport começou em 2004 e que teve "mão" de adversários políticos. Apesar de ser verdade, interessa pouco para o caso;" O décimo: "Não colocar o PR como opositor. Apesar disso desvalorizar o PSD, acaba por ser prejudicial ao Governo. A história mostra isso mesmo;" e para terminar o ponto 20 " Pôr o Ipod no máximo quando Santos Silva e Lello falam."

Manifestamente a Dra. Manuela Ferreira Leite não leu estes conselhos de Ricardo Costa, ou se leu, ignorou-os olimpicamente.

Só esta atitude de desconhecimento ou indiferença da líder do maior partido da oposição pelos conselhos jornalísticos/comunicacionais, justifica que vá a uma entrevista em prime time e esteja verdadeiramente preocupada com os problemas do país, mais do que com a performance comunicacional.

E a verdade é que quando estamos verdadeiramente empenhados e focados no nosso desempenho profissional, é difícil também ficarmos bem na fotografia. Mal da Vanessa Fernandes ou da Telma Monteiro se durante as provas duras que estão a disputar se lembrarem que estão descompostas, coradas ou com o cabelo desalinhado - é a derrota certa.

No final da dita entrevista a Dra. Manuela Ferreira Leite disse: "-Se perder, perdi." Lá está,ignorou que a vontade dos jornalistas/assessores/bloggers era que dissesse: "- Não vou perder" ou "- Se perder, demito-me da liderança do PSD." Isso sim, seriam bons momentos de prime time.

Começo a desconfiar que a Dra. Manuela Ferriera Leite, para além de não ler o Expresso, também não ouve Ipod.

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terça-feira, 28 de abril de 2009

Há que "malhar" no "malhador"...



Estamos há muito tempo habituados a ser tratados pelos media como gente estúpida, o que, no que diz respeito a questões políticas, faz com que, por exemplo, sempre que algum político faça um qualquer discurso, tenhamos ente 2 a 5 comentadores, em cada meio de comunicação, a explicar-nos aquilo que ele disse e aquilo que ele não disse, as razões pelas quais o disse e o não disse, e se o fez bem ou se o fez mal.
É claro que este processo está sujeito a desvirtuamentos, que deveriam ser equilibrados pelo bom senso dos comentadores e das audiências. Hoje, porém, instalada a confusão entre políticos e comentadores, acabou-se o equilíbrio e o bom senso, ficando assim a decisão sobre o modo de comunicar entregue, apenas, à quantificação das audiências e, nesta medida, à maior ou menor capacidade de entretenimento dos políticos-comentadores e dos comentadores-políticos.
Quem percebeu isto muito bem foi o actual PS e o seu secretário-geral - e nosso primeiro-ministro -, que deram mais um salto qualitativo, embora para baixo, na maneira de fazer política – e, sobretudo, de comunicá-la – no nosso país. Assim, desde os alinhamentos dos noticiários até às explicações sobre as notícias, tudo é favorecido pela espectacularidade comunicativa do governo e do PS, que entretendo mais as pessoas, consegue mais audiências e, nesse sentido, se diz que faz melhor política (isto, que era há já muito tempo praticado pelo Bloco de Esquerda, só com o PS ganhou a dimensão própria do poder, que o torna especialmente perigoso).
Do outro lado, temos o PSD e Manuela Ferreira Leite, que é diariamente criticada, sobretudo, pela sua imagem. Fala-se dos seus cartazes, da sua roupa, da sua maneira de comunicar, da sua falta de dinamismo, enfim… da maneira como ela aparece aos portugueses. E como a sua imagem, segundo nos dizem, não cativa as audiências, conclui-se, em uníssono, que não serve para primeiro-ministro e que não ganhará as eleições.
Há 15 dias, no Expresso, aparecia mesmo um artigo onde um qualquer publicitário, supostamente especialista na área da comunicação política, criticava Ferreira Leite pelo facto de, nos seus cartazes, usar a palavra “política”, que é algo que hoje não atrai as pessoas e deve, por isso, ser evitado. Ora, tratando-se de um cartaz de um partido político, não deixa de ser extraordinário. A mensagem, portanto, é clara: enganar não faz mal; mentir não faz mal; pecado é não entreter.
É nesse sentido que quero alertar para a maneira como sistematicamente nos são dadas a conhecer as opiniões de Manuela Ferreira Leite: por interposta pessoa, nomeadamente por via do alinhamento noticioso quase sempre garantido pela interpretação que o ministro Augusto Santos Silva faz das palavras de Manuela Ferreira Leite.
Estrategicamente definido, pelas empresas de comunicação do PS, que José Sócrates nunca se deve dirigir directamente a Ferreira Leite, com o objectivo de a desvalorizar a ela e às as suas intervenções, Santos Silva foi o escolhido para, assim que ela acabe de falar, recentrar a discussão em torno, não daquilo que ela disse, mas daquilo que ele disse sobre aquilo que ela disse, ou, na maioria dos casos, não disse. E o ministro, que vê nessa sua própria desvalorização uma oportunidade para o reconhecimento do seu valor, “malha” com gosto na presidente do partido oposto, num espectáculo que tem tido, aliás, algum sucesso.
O facto é que, em inúmeros casos, a maioria das pessoas diz que Manuela Ferreira Leite disse, não o que ela disse, mas o que o ministro disse que ela disse - o que é inclusivamente confirmado quando a própria Ferreira Leite vem depois dizer que não foi aquilo que ela mesma disse, ou quiz dizer, mas uma outra coisa, com o que faz com que até ela e o PSD falem, não do que eles próprios pensam e dizem, mas do que Santos Silva diz que eles dizem e pensam.
Ontem, por exemplo, a líder do PSD deu uma entrevia à SIC. Hoje, a TSF, a meio do seu noticiário, "informava" que a dirigente social-democrata já veio explicar que, nessa entrevista, não disse nem quiz dizer que estava disposta a fazer um governo de bloco central, quando disse aquelas palavras na entrevista – que então passam via rádio –, as quais foram, no entanto, assim interpretadas pelo ministro Augusto Santos Silva, que, para além disso, acha ainda que a presidente do PSD é incoerente e demagógica e isto e aquilo – passam então as palavras do ministro Santos Silva –, coisas que ficam - e permanecerão - no ar enquanto se passa para à próxima notícia.
Conclusão? Só esta: Parece claro que o país prefere José Sócrates para tempos de campanha eleitoral e Manuela Ferreira Leite para governar o país. Infelizmente as pessoas vêm sendo convencidas a votar de acordo com a capacidade que um político tem de fazer campanha. Por isso, talvez Manuela Ferreira Leite devesse, sem nunca deixar de escrever “política” nos seus cartazes e de procurar a "verdade" nos seus discursos e acções, prestar alguma atenção ao que se passa nos media, mandando alguém, com patente inferior à sua, “malhar” também em Santos Silva, logo a seguir à entrevista (até pode ser antes de ele falar), pelo facto de ele não prerceber o que ela disse.

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segunda-feira, 27 de abril de 2009

A roda dentada


Ainda sobre a entrevista de Sócrates a Judite de Sousa e José Alberto Carvalho. O que mais impressionou foi a forma como os três se "encaixaram" uns nos outros.

Há ali uma coreografia, um andamento próprio, um mecanismo uniformizador. Não há uma lógica diversa entre políticos e jornalistas.

Forma e conteúdo de uns e outros são idênticos. Os jornalistas estão mais sofisticados do que há vinte anos( veja-se o pendente H. Stern no pescoço da jornalista), mas evoluiram na continuidade.

Quem mudou decisivamente foram os políticos. Submeteram-se à lógica dos jornalistas e da comunicação. Deixaram-se capturar por ela. Rodearam-se por assessores, jornalistas ou com formação na área, e desistiram do real.

Sócrates entrou neste mecanismo e opera-o como ninguém o tinha feito ainda em Portugal. Aliás, infelizmente é preciso dizê-lo, chega a ser visto noutros partidos como modelo de comunicação e eficácia a seguir.

Diz-se "desemprego": pacote de medidas. Diz-se "saúde", outro pacote. Os jornalistas enunciam outra questão, e lá vem outro pacote.

Eu gostava de ver rupturas, uma visão de Portugal, uma visão de futuro. Dizerem-me onde querem que Portugal esteja daqui a cinco, dez, vinte anos. Quais são as nossas prioridades.

Internamente, gostava de perceber se o envelhecimento do país é ou não um problema grave. De cada vez que saio das auto-estradas e viajo pelo interior vejo um país deserto e envelhecido.

Gostava de saber se queremos mesmo apostar no turismo, como fonte de riqueza e potenciador de turismo e se sim porque é que o nosso património está a caír aos bocados.

Externamente, gostava de saber que política para conciliar a União Europeia e a nossa história Atlântica, que modelo de relação com os PALOP.

Podíamos ter visto aquele programa através do vidro da tv. Sem som, apenas observando o ritmo cadenciado e monocórdio do perfeiro encaixe daquelas rodas dentadas.

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Humanidade e inclusão social


Há oitocentos anos um português, um lisboeta, notabilizou-se pela sua acção, preocupação e dedicação aos outros. Esse homem, Santo António, padroeiro de Lisboa é, simultaneamente, padroeiro dos pobres. Lisboa tem essa marca impressa na sua história e na sua cultura. A humanidade não pode ser substantivo só usado em certas alturas do ano e, muito menos, como arma de arremesso político.

A humanidade, ao invés, tem de ser sempre a raiz fundadora de qualquer acção política.A humanidade resulta da consideração da alteridade. Olhar o outro como um sujeito na sua plenitude de direitos e deveres. Não olhar o outro como objecto de uma mera acção de caridade. Ver o outro como sujeito e nunca como objecto, é o fundamento da humanidade.

Oitocentos anos depois, Lisboa ainda persiste uma cidade murada, sitiada e cercada, já não pela cerca do castelo, mas pelas modernas vias, eixos, circulares e pontes. Por um lado, rodeiam a cidade sucessivos níveis de periferias, justapostas no tempo, que afastam os cidadãos da sua cidade. Estes estão cada vez mais longe, com custos cada vez mais elevados e generalizados de tempo, dinheiro e de vida. Em suma, uma escala que é desumana.

Por outro lado, mas ao mesmo tempo, Lisboa é hoje, como há oitocentos anos, centro de atracção daqueles que vindos de fora procuram nela uma vida melhor. Muitos não conseguem encontrar respostas para o que buscam. José Luís Peixoto escreveu há pouco tempo, palavras para Lisboa que os The Weasel fizeram música “(…) a realidade não foge. A realidade está sentada, espera toda a noite por nada, ou encosta-se a uma parede, talvez com fome, talvez com sede, fuma um cigarro infinito e distingue na escuridão um grito, dentro de si própria(…).”

Que pode o poder local fazer? Pode pensar melhor, articular melhor, racionalizar mais, usar mais e melhor os meios e os instrumentos sociais, políticos, económicos, jurídicos, já existentes. Mas pode, muito mais decisivamente, fazer pontes, encarar as questões numa perspectiva mais transversal e multidisciplinar. Fomentar a partilha de recursos escassos entre o poder central e o poder local, potenciando a utilização de recursos humanos e materiais.

Deve incrementar a participação de privados, incentivar a que participem na construção da comunidade a que pertencem.

Pode olhar para o urbanismo como factor decisivo de promoção da inclusão social, adoptando as medidas adequadas para que o parque habitacional existente não sirva para excluir, mas ao contrário, como instrumento de inclusão. Instrumento e políticas sujeitos a regras claras e justas. Pode convocar a sociedade civil a participar, incentivar as entidades privadas a colaborar com o projecto da sua comunidade, num sentido de responsabilidade colectiva, motivadas pelo necessário compromisso social.

Pode reorganizar administrativamente o município, repensar o tamanho, modelo e organização das Freguesias, torná-las muito mais próximas dos munícipes, mais atentas, operantes e eficazes. Dotá-las dos meios para que possam colaborar na educação, na cultura, na prática desportiva, verdadeiros factores determinantes da inclusão social.

Pode aplaudir e incentivar o papel das associações públicas e privadas que, sem fins lucrativos, desempenham há muito um papel fundamental no apoio aos mais desfavorecidos e carenciados, com acções diárias e concretas, a operar no terreno há muito tempo.

Se, como dizia o escritor, a realidade em Lisboa está sentada, vamos levantá-la.

Queremos uma Lisboa com gente e vida dentro.

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sábado, 25 de abril de 2009

quinta-feira, 23 de abril de 2009

O Túnel do Marquês



É do livro de Job o dito "Post tenebras spero lucem".
Foi este ditame que Juan de La Cuesta usou e cunhou em D. Quixote quando pela primeira vez imprimiu a obra.

Muitos de nós usam o Túnel do Marquês. Podemos não saber latim, Não conhecer D. Quixote,e ainda assim pensar ou dizer baixinho: depois das trevas, a luz.

Todos sabem o que significa: post tenebras spero lucem.

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III. La meglio gioventù, Marco Tullio Giordana, Itália, 2003

Trata-se de um filme saudável, humano, verdadeiramente comovente. Em que com apontamentos religiosos discretos se vê que a última geração se dedica ao restauro de um passado significativo ou a aventuras desejadas pelas gerações anteriores. Cumprem uma dupla missão portanto: contra o esquecimento e contra a inércia. Sob a aparência pacata é por isso um profundo e verdadeiro filme de aventuras.

É possível estar envolvido na coisa pública sem perder a vida pessoal, embora o risco exista. É possível ter vida pessoal sem que isso signifique ensimesmamento, embora o suicídio exista. É possível viver, não isento de sofrimento, porque isso seria impossível, mas não centrado nele, porque isso seria limitativo.

Bem sei que há pessoas que vêm a vida como náusea e vómito. Mas isso apenas significa que os seus olhos estão fixados no espelho. Em vez disso temos aqui a diversidade da paisagem italiana, da sua paisagem física, da densidade da sua História, cheia de locais ricos de sangue humano, e das suas manifestações de diversidade pessoal.

É certo que na nossa época isso não basta, mas é de se reconhecer que a melhor apologética é sempre a simples exposição. O filme não é um panfleto e devemos estar-lhe gratos por isso. É um tapete de Bayeux das possibilidades humanas. Porque é raro que um filme institua para uma época uma possibilidade para o ser humano. Este fá-lo. É possível, faz sentido, é aliás a única coisa que faz sentido, ser feliz. Significativo que para isso seja necessária a presença dos mortos que abençoam os nossos amores. Sem estupidez, não destituído de uma ponta de ingenuidade, mas essa é a característica da bela sobrevivência que nos faz avançar.


Alexandre Brandão da Veiga

1) http://www.amazon.fr/gp/search?__mk_fr_FR=%C5M%C5Z%D5%D1&title=&select-title=field-title&field-actor=&field-director=Marco+Tullio+Giordana&field-subject=&field-cnc-rating=&index=dvd&mysubmitbutton1.x=0&mysubmitbutton1.y=0
2) http://it.wikipedia.org/wiki/Marco_Tullio_Giordana
3) http://it.wikipedia.org/wiki/La_meglio_giovent%C3%B9
4) http://www.raifiction.rai.it/raifiction2006fiction/0,,1803,00.html
5) http://www.italica.rai.it/index.php?categoria=biografie&scheda=giordana&lingua=ita
6) http://www.movieplayer.it/film/322/la-meglio-gioventu/

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quarta-feira, 22 de abril de 2009

Latina América

Na América Latina não se organizam processos contra políticos.
Só contra jornalistas.

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A entrevista

Ontem, ocorreu-me que há duas formas de estar na política.
Há quem vista vestido azul, e nos queira tomar a todos por parvos.
Gosto muito mais da senhora Clinton, na aspereza do seu tailleur.

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terça-feira, 21 de abril de 2009

A vertigem do decote


Do cimo de um 13º andar, vê-se Lisboa inteira. Um exército de automóveis refulge sob o sol atravessando inclemente a ponte 25 de Abril. Almoça-se no restaurante, fumam-se cigarros na varanda mobilada com mesas e cadeiras. Nesse 13º andar existem computadores de uso livre com ligação à net. Outros sentam-se nos sofás a ver tv. Ao fundo, as crianças brincam no parque infantil. Tudo tem um ar clean e profissional. Não chega a ser intimista, mas é acolhedor e agradável.
Os recepcionistas homens vestem fato escuro, as recepcionistas mulheres também vestem um fato escuro, com a saia abaixo do joelho. Médicos e higienistas, homens e mulheres, vestem-se de forma asséptica e de modo exactamente igual: calças e pólo claros.
Aquele prédio de 13 andares alberga uma das clínicas dentárias privadas mais conhecidas do país com filiais em vários continentes.
Para uma mulher que lá queira trabalhar impõe-se uma questão: ou a indumentária é importante, ou não é. Se o vestuário for importante, tem duas opções: ou adapta o seu estilo pessoal às regras existentes, ou não o faz e procura outro local para trabalhar.
Para mim a opção seria simples. Não poderia aceitar: tenho medo das alturas.

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II. La meglio gioventù, Marco Tullio Giordana, Itália, 2003

A Itália é vista na caricatura como o país dos exageros e da gesticulação. Mas não podemos esquecer que, juntamente com a França, embora em épocas diversas, foi o país que mais contribuiu para o espírito de contenção, policé, clássico, de actuação. O cortesão do Castiglione e o salão da italiana Madame de Rambouillet contribuíram tanto para o afinamento dos costumes quanto a corte de Versailles ou os trovadores franceses.

O filme em questão mostra-nos uma verdadeira lição de contenção. Não uma cristalina e hierática movimentação, que acaba mais no exagero que na contenção, mas uma verdadeira lição de vida contada com restrição, cuidado, respeito, delicadeza, finura.

A vida respira por todos os lados neste filme, exactamente por não a deixar espirrar a todo o momento, nem toda a espécie de circulação aérea que possa passar pelos nossos esfíncteres ser exposta.

Damos como assente que a exposição de seres humanos numa obra de arte é fácil. É, no entanto das coisas mais difíceis que posse existir. Na maioria dos casos os filmes apresentam produtos tipificados, figurações meramente convencionais, planas, mais que previsíveis. O que é mais fácil é transformar actores em caricaturas e é bem mais fácil fazer gigantones que David de Donatello.

Ligar o vulcão interior e exterior (o Etna tem uma forte presença na obra) ao cuidado na sua exposição, o pudor na apresentação das personagens que as deixa mais frágeis com o resguardo dos seus sentimentos, a vida pessoal às vicissitudes políticas e sociais, não é obra para todos.

Fazer um hino à felicidade, em que curiosamente a Madonna e Aquiles se apresentam nos momentos chave, rodear de pessoas – passo o palavrão – boas, circunstâncias difíceis que não as impedem de procurar o melhor caminho, fazer isto tudo sem cair na lamechice nem no extremo contrário da dissecação neurótica das motivações, eis de novo obra rara.

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segunda-feira, 20 de abril de 2009

Melancolia moderna


Os caminhos da modernidade levam-nos por uma contradição em que muitos se deleitam, por gostarem de se deixar arrastar pelas seduções da doce ilusão da felicidade efémera e, presumidamente, sempre reconstruível. Vivemos, contraditoriamente, de efémero em efémero numa compaixão de nós próprios que não nos deixa ver além dos sentidos: o mundo reduzido aos prestígios de engenharias sentimentais.
Dificilmente percebemos que nos enganamos a nós próprios, porque fazemos da vida um filme em que somos a personagem principal, sem termos a humildade de nos disponibilizarmos para os outros e, assim, para nos encontrarmos a nós mesmos. Vemo-nos de fora de nós sem nos fazermos outros de nós. Somos para nós próprios a imagem que fizemos de nós a partir de fora de nós. Sem centro nem reflexo, vagueamos incertos e insatisfeitos.
Não estamos, não somos, efectivamente presentes: derivamos sem destino, à espera, nem sabemos bem de quê, até que um dia descubramos que é tarde para recomeçar. Mesmo assim não será tarde demais, se tal dia de facto chegar. Até lá cheiramos as flores mas o seu aroma não se impregna no nosso ser profundo, envolto em teias de compromissos em que estamos ausentes e em que nos escondemos de nós próprios.
Admitimos que é uma condição do tempo, admitimos que não somos os únicos e o espírito da heroicidade não nos habita, nem sequer nos visita. Desistimos. Vamos procurar longe o que teimamos em não encontrar perto. Cegamos a nossa esperança a troco da possibilidade de viver vidas que não são a nossa. Não nos reconhecemos no palco do nosso teatro. E é como estrangeiros que presumimos que toda a nossa felicidade está lá ao fundo, nas nuvens que passam, como o estrangeiro de Baudelaire.
Transformamos tudo num jogo, num entretenimento, numa pretensão. Caímos no insuportável niilismo com justificações e discursos à cerca de nós próprios e do mundo em que vivemos mas que não construímos, nem conservamos. Contemplamo-nos e enchemo-nos de compaixão de nós próprios. Nada permanece para nós, em nada nos fixamos, tudo abandonamos. Insatisfeitos, insaciáveis, inconsequentes.


O Estrangeiro de Charles Baudelaire

— De quem gostas mais homem solitário? De teu pai, de tua mãe, de tua irmã, ou irmão?
— Não tenho pai, nem mãe, nem irmãos.
— Dos teus amigos?
— É uma expressão de que não sei o sentido.
— Da tua pátria?
— Não sei onde está situada.
— Da Beleza?
— Amá-la-ia se a conhecesse, e a sua imortalidade.
— Do oiro?
— Odeio-o tanto como vós a Deus.
— Então que amas tu, singular estrangeiro?
— Amo as nuvens... as nuvens que passam... lá longe... as maravilhosas nuvens!

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Quando For Grande X

Quero ser como o Clint Eastwood.

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I. La meglio gioventù, Marco Tullio Giordana, Itália, 2003


Todo o intelectual que se preze, quando se quer mostrar aberto, qualidade que isoladamente sempre me pareceu suspeita, diz que gosta de futebol e de filmes americanos. Quanto ao primeiro gosto pergunto-me se poderia ultrapassar tais hábitos familiares, quanto ao segundo gosto outro tanto haveria a dizer.

Há muito cinema americano, muito do qual mais não é que cinema europeu forçado à legibilidade por força do mercado, o que nem sempre lhe fez mal, e acabou por ser uma purga salutar para a obsessão investigativa de muita da arte europeia. Há muita coisa que é apenas divertida, como um sorvete, sem mais, mas também não menos. Muita coisa há que é apenas um produto industrial, incaracterístico, desfigurado.

A questão passa agora por outro lado. É que tendo uma força nos mercados, sobretudo desde os anos 80 até hoje dia, que se pode caracterizar de monopolista, a verdade é que o cinema americano que actualmente se produz é efectivamente um produto normalizado, expectável, com uma retórica apertada e mais que previsível. Em bens não essenciais a culpa está sempre mais em quem compra do que em quem vende e por isso o público acaba por ter o que merece, pelo menos na sua maioria.

Mas de vez em quando surgem, mais que resistências, pontos de luz que nos permitem respirar melhor. O curioso é que esses pontos de luz, respirando humanidade, vêm em geral do cinema europeu, tão desacreditado por um excesso de intelectualismo que hoje em dia cada vez menos pratica, mas de que ainda se está a purgar.

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domingo, 19 de abril de 2009

Geração de 59

Esta blog ficou mais pobre, há que dizê-lo com frontalidade. Havemos de recuperar, mas ficou mais pobre. Querem um bom exemplo disso? Nunca tanto se falou dele.

O MSF escrevia posts cultos. Há outros posts cultos por aqui, claro, mas não são como os dele (todos são únicos, aliás). Uma das coisas de que eu gostava era que podia apenas perceber metade - por só conhecer metade das referências cultas dadas - mas percebia sempre o sentido todo. O PN tinha outro efeito. É que era a metade dos comandos essencialmente liberais deste blog. A ideia era sempre que o que tem de ser feito muita força tem e a mais se não é obrigado. Por outras meias-palavras, se aparecia feito era porque assim tinha de ser e se não aparecia era porque assim não tinha de ser. Enfim, aqui jaz a minha capacidade de explicar a falta que esses dois fazem. Para apenas falar dos mais assíduos e não falar dos jantares (mas aí a conversa será outra seguramente).

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sábado, 18 de abril de 2009

What has Europe Ever done for us?

Sem quere fazer política (que não posso) não resisto, na sequência, da referência aos Monty Pyton do Carlos Jalali a colocar este video (autoria MEP mas inspirado num site inglês: http://www.whathaseuropedone.eu/)

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O sétimo Python?

Is it just me, ou a coluna de hoje de Vasco Pulido Valente no Público denota uma influência dos Monty Python?



'O PC recusa qualquer espécie de aliança com um PS que "virou completamente à direita" e acha como sempre que o PS se deve emendar. O Bloco, que António Costa descreveu como "um partido oportunista, que parasita a desgraça alheia", com certeza que não anda ansioso por se abraçar ao referido Costa. Ou, para não ir mais longe, a um PC que o despreza e combate. De resto, fora este ódio trilateral, há um ódio comum (e suponho que retribuído) aos "Cidadãos por Lisboa" de Helena Roseta e ao índio sem tribo Sá Fernandes, que não pára de arranjar sarilhos. Vale a pena perguntar qual é o objecto de tantas querelas? Vale a pena perguntar quais são, do PS a Roseta, as grandes diferenças políticas sobre Lisboa? Não vale. A esquerda gosta de se dividir e detestar; e a seguir de sofrer porque se dividiu e se detesta.' (VPV, Público, 18-4-2009)

PS: Sou fã de VPV - mesmo (ou até talvez especialmente quando) não concordo com o que ele diz. Ele já foi comparado neste blog aos ABBA - para mim, ele é o Morrissey dos comentadores portugueses.

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O primeiro post...



A crise que, terrível, se abateu sobre todo o mundo, chegou também ao Geração de 60. Tentámos combatê-la: mantivemos a qualidade do nosso produto, animámos os trabalhadores, investimos em novas contratações (diversificámos, como agora se diz), enfim: fizemos tudo o que podíamos para continuar esta nossa missão de debatermos temas sérios, ainda que em tom divertido.
Mas não devemos ignorar os factos. Depois da Quimonda, e apesar dos inúmeros esforços do ministro Manuel Pinho, também o Geração de 60 foi vítima desta crise e, assim, obrigado a prescindir, temporária e/ou definitivamente, de alguns dos seus trabalhadores.
Dito isto, temos as contas sanadas. Os contratos foram rescindidos de comum acordo e a nossa missão poderá agora continuar. Os que saíram são nossos amigos e virão aqui regularmente visitar-nos. Os que ficam estão alegres, porque acreditam nesta sua empresa, pela qual trabalharão a dobrar por apenas metade do salário.
Estamos assim, com um espírito renovado, pois que, como diz um antigo provérbio chinês: «a escassez dos recursos aguça o engenho» (eles dizem sem os "éles").
A todos os nossos habituais leitores, comentadores e amigos, portanto, fica aqui feito o aviso: a nossa equipa está pronta a dar o seu melhor para continuar, assim o esperamos, a ser uma voz (in)conveniente, séria, culta e divertida, em prol de uma actividade social e política que tem urgentemente de ser credibilizada, também aqui, na blogosfera.
Continuaremos, por isso, como diz o nosso editorial, que se mantém inalterado, a ser «um espaço público onde, de modo livre e incondicionado, sem preconceitos e sem dogmas, se confrontam teorias e concepções distintas, ideias e visões opostas, das quais, em última análise, acabarão por brotar valores que nos implicam em tudo o que tem a ver com a nossa vida: da filosofia ao sexo, da arte à política, da história à moral, da liberdade a Deus.»
«Alea jacta est.» Contem connosco. Apareçam. Nós cá estaremos.

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quinta-feira, 16 de abril de 2009

O último post

Este é o meu último post no meu primeiro blog, o “Geração de 60”. Sinto-me muito infeliz por ir embora. E um bocadinho feliz por saber que estou livre e posso, agora, fazer tudo o que me apetecer, a começar por não escrever nem mais uma linha nos próximos 7 anos.
Outros valores se levantaram, não necessariamente mais altos. Ainda por cima, tinha acabado de convidar o Miguel (sim, o MEC) e o João (claro, o JPC), e ao abrigo de uma resma de artigos de caserna que regem as relações de rapazes da nossa idade frequentadores de tasquinhas onde se come um decente peixe grelhado e nunca escalado, eles entendem que devem sair também. Pelos inconvenientes causados aos meus adorados companheiros de blog e aos meus dois recentíssimos convidados, apresento-me a Sua Majestade a blogosfera, como o velho Egas, de corda ao pescoço. Conto com a Sua infinita misericórdia.
A questão – sair ou não sair – nem é estética, nem política, nem moral. O mundo está sério, dramático e a pedir tanta acção que o lema que me trouxe para o “Geração de 60” – chatices não! – já olha para mim de lado, e com ar sarcástico e ameaçador. Faço-lhe a vontade e vou sentar-me no meu cantinho hedonista. É que não me apanham, nem a escrever comentário anónimos.
O que interessa é que o “Geração de 60” continua. Já não tenho nada que me meter, mas arrisco-me a profetizar que, respondendo a estes tempos de perplexidade presente e futuro de solvabilidade incerta, o blog vai ser directo e contundente como nunca, focando-se no seu propósito cívico inicial. Para mim, ter convivido com as pessoas talentosas, brilhantes e generosas que o constituem, foi “one hell of a ride” – e se, como espero, um destes meus co-bloggers chegar a primeiro-ministro, garanto-vos que Portugal ficará decente e honestamente servido.
Mas não quero, nem é assim tão apaixonante, adivinhar o futuro. Se há paixão é sempre no passado e, ao longo destes dois anos, os meus camaradas do “Geração de 60” deram-me tudo: ternura, emoção, gentileza e sincera amizade. Meço as palavras e recordo o que pouco recomendável Bukowski disse num dos seus raros dias de sobriedade: “That’s what friendship means: sharing the prejudice of experience.
Devo ao Pedro Norton o convite. O Pedro foi cúmplice mesmo nas quando tropecei em disparatadas divagações, poupando-me a desmentidos e contraprovas que arrasariam a reputação do mais pintado dos engenheiros, quanto mais a minha. Eu ia falar do “La Chunga”, infame cabaret da coxa que estamos sempre a apontar à cabeça um do outro, mas isso seria roubar um mote que lhe é querido e que, estou certo, ainda dará brilho a uma dezena dos muitos posts que há-de escrever.
Vou-me embora, já a morrer de saudades, mas com um baú recheado de recordações calorosas. As almas conspirativas podem estar descansadas: as partilhas vão ser fáceis e ninguém pedirá pensão de alimentos.
Viva o “Geração de 60”. Até sempre.

Good-night? ah! no; the hour is ill
Which severs those it should unite;
Let us remain together still,
Then it will be good night.

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quarta-feira, 15 de abril de 2009

Liberal ou reformador?


Pode um liberal ser reformador? Pode, na minha opinião, porque todos podem ser tudo. Mas não pode, também na minha opinião, pois corre o risco quase sempre de entar no campo dos outros, coisa que um liberal, como eu, pelo menos, não gosta. Reformar implica uma estratégia, uma visão, liderança, instituições para levar a cabo tudo isso e convencer os outros. Tudo isso é demais para um liberal (como eu). A não ser, claro, que seja mesmo importante. Por exemplo, em caso de guerra, de perigo de vidas humanas, de fome ou de violência. Enfim, deixemos as grandes teorias para os outros e deixem-me dar um exemplo.

Quando entrei neste blog pensei, ah, isto podia ser melhor e, como alguns se recordarão, sugeri uma modificação técnica substancial que o tornasse mais parecido com os blogs da Vox. A reacção foi simpática mas, claro, ausente. E eu percebi logo porquê. Não me disseram mas eu percebi: "então já viste o que isso implicaria? E quem iria fazer isso? E vamos fazer uma reunião e votar para que sim ou que não? Não é para tanto trabalho que estamos aqui. É só para escrever". Foi uma lição que me recordou que um liberal não deve ser um reformador (a não ser que queira, claro, e que os outros queiram ser convencidos). Este blog existe como nasceu e ponto final. Não é melhor, não é mais bonito, não é isto, não é aquilo? Não faz mal, o que interessa é escrever. Já viram a capa do New York Review of Books? Há coisa mais feia? Sim e não. Para mim até é bonita porque é a capa do NYRB. E se, nos psicadélicos anos 1970, alguém se tivesse lembrado de mudar a capa do New Yorker? Teríamos perdido o que temos. Reformas não, pequenas inovações que cada um faz sem pedir grandes autorizações sim. E continuar a concentrar nos conteúdos. É assim que gosto. Mas também do contrário.

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terça-feira, 14 de abril de 2009

Inez Teixeira — “De dentro para fora”




Inez Teixeira, exposição sob o título: “De dentro para fora”, inaugurou ao público no passado dia 26 de Março, na galeria VPF Cream Art, Rua da Boavista, n.º84 (até 9 de Maio)

Sobrevivendo a todas as mortes anunciadas da pintura e aos seus proclamados renascimentos, Inez Teixeira (Lx.1965), apresenta um conjunto heterogéneo de pinturas (acrílico s/ tela) e desenhos (de pequenos formatos), que dão continuidade a um percurso singular na pintura portuguesa do final do século XX e princípio do século XXI.

A singularidade surge deste facto: 25 anos de produção podem (e devem) ser lidos como uma narrativa que se vai desvelando e revelando a partir de um tema central— a paisagem— e a sua transformação pelo ponto de vista do seu observador ou autor.

Se compararmos com a literatura, a personagem principal, o herói, é aqui a paisagem, e o autor que faz da personagem o seu alter ego, e vai através desse outro descobrindo-se a si mesmo e ao mundo, enquanto realidade que não está imediatamente dada, ou está apenas para quem fica na rama da ilusão, é aqui a visão pendular entre um interior e um exterior, um de dentro e um de fora, duma paisagem que Inez Teixeira mostra como aparições, e que são as imagens formadas pela subjectividade do olhar, imagens de visita a mundos encobertos pela opacidade do ser, imagens de desocultação lenta do que, ainda assim, permanece misterioso.

Glosando o título desta exposição, poderíamos chamar a uma primeira fase— De fora para fora— uma fase expectante, de contemplação do que se dava, filtrado por um olhar depurador que nos mostrava a solidão dos seres naturais e dos seres primitivos: pássaros sobre bancos de areia, cabanas no meio da noite em campos indistintos, abrigos, ninhos...

Numa segunda fase– De dentro para fora– surgiram, sobretudo, texturas e intrincadas tecituras que permitiam perceber um lado de fora que surgia filtrado e adiado– tempo de espera– como uma grelha que não sabíamos se era uma prisão ou uma protecção.

Numa terceira fase de novo— De fora para fora— em que as paisagens cósmicas (meteoritos) ou as topografias (metálicas), revelavam um mundo agressivo e sem intimidade, como se o mineral inorgânico, à deriva pelo espaço sideral, dominasse toda a realidade impiedosamente e sem destino.

Finalmente, e a culminar na actual exposição, de novo— De dentro para fora— mostrando a ruptura com o niilismo cósmico anterior e regressando ao enfoque na intimidade das construções orgânicas, mas transcendendo-as para um imaginário onírico, rico de impossibilidades materiais, fuga da normalidade e anulação do tempo.

Nesta fase, surgiram, primeiro, as paisagens construídas a partir de uma simbólica em que os abrigos ou as cabanas são agora casulos que evoluem em formas larvares até às borboletas, são mutantes que perdem a pele e as suas pregas formam caminhos e jardins, florestas densas, num ambiente quase gótico, como se as formas da paisagem ainda sem distinção entre corpos e extensão fossem animadas por um só e o mesmo movimento.

Depois, surgem as paisagens oníricas, o imaginário fantástico, casas que nascem nas árvores e florestas com árvores invertidas num efeito visual que tornam a paisagem numa impossibilidade material próprias de uma quinta dimensão (para lá do tempo e do espaço Kantianos).

Nesta fase, IT concebe uma viagem a lugares imemoriais e fascinantes. Lembra, todavia, num pequeno desenho, filho único no conjunto exposto, onde aparece uma caveira em fundo monocromático, que é preciso experimentar o perigo e o despojamento, para passar de dentro para fora e ver uma nova realidade que nos liberta do espaço e do tempo concebidos como distância e sucessão irremediáveis.

IT, poderia dizer ao fim destes anos: “Do meu esconderijo eu tenho observado tudo, e agora, mesmo de fora, continuo escondida”.

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segunda-feira, 13 de abril de 2009

E o J. P. Coutinho também faz falta...

Já que estou nesta de me presumir capaz de substituir o insubstituível Manuel Fonseca, permito-me dizer ao João Pereira Coutinho que ele também faz muita falta. O João desculpar-me-á a franqueza saída desta minha presunção de uma certa intimidade internética, mas tenho que lhe dizer que a sua irrupção aqui no blog foi assim como o programa nuclear fancês: muitos testes; muita polémica à volta desses testes; e depois, absolutamente, desaparece no silêncio próprio das profundezas do Pacífico. Vá lá. Venham daí esses mísseis. Tanto faz nucleares como não obrigado: os seus posts fazem falta.

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O Pedro Norton também faz falta...

Pois é. De boas intenções está o incherno feio - quer dizer: o inferno cheio. Lá jantámos, procedemos às maldades do costume, e comprometemo-nos todos a escrever mais posts. Ora a obrigação, em primeiro, lugar, é dos chefes, que, ainda por cima, quando escrevem, escrevem sempre muitíssimo bem! Por isso, Pedro, agora é contigo. Venha de lá esse exemplo - e venham de lá esses posts.

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Argumento adaptado

Passou há algumas semanas na tv um episódio da série "Irmãos e irmãs". Série que vi mais no início e que agora, como todas as coisas, parece que vai perdendo a graça à medida que o tempo passa.
Um casal, constituído por um homem pai de filhos de um casamento anterior e por uma mulher sem filhos, tentam ambos ser pais de uma criança. Por peripécias várias parece que iriam recorrer a uma espécie de adopção(?). A mulher visita no hospital aquela que seria a mãe da criança que iriam adoptar. Visita essa que não corre bem e que acaba com a possibilidade da dita adopção.
Quando relata a visita ao marido e ele discorda dessa atitude, a mulher justifica-se dizendo que achava que aquela solução não iria resultar, que o bebé não lhes seria entregue, afirma enfim que preferiu agir assim porque não queria que lhes partissem o coração.
Nesse momento, o marido fita-a, calma e secamente diz-lhe: " - Se não estás preparada para que te partam o coração, não estás preparada para ser mãe."
Fim da cena.
Partem-nos o corpo ao meio para nascer, partem-nos o coração todos os dias. É o único amor que não parte nunca, que não perde graça, que nunca passa, esse amor que une pais a filhos.
Não consigo entender a notícia que ouvi há pouco: há crianças adoptadas que são devolvidas às Instituições, geralmente as maiorzinhas, com 5,6,7 anos.
O amor de um pai a um filho,biológico ou adoptado, nunca passa.
Se esse amor passa é porque nunca existiu.

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Ben-Hur


Quando Quintus Arrius diz:"- Vai remar 41", eu sei que a Páscoa finalmente chegou.

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sábado, 11 de abril de 2009

O MEC faz falta...

Um só post e o nosso blog tornou-se francamente mais divertido. Um só post e batemos o record dos comentários. Um só post e juntaram-se à mesma mesa os patrões e os funcionários do Geração de 60 para debater a estética do blog. Um só post gerou entusiasmada animação nesse plenário, no qual difíceis decisões foram tomadas e enérgicas medidas implementadas. Ora, se tudo isto aconteceu com um só post, quem pode imaginar o que irá acontecer com dois e com três e com quatro... e com cinco e com seis e com sete? Por isso, humildemente, aqui pedimos: MEC, venha o segundo, se faz favor.

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Familiarity breeds contempt?

Este post do Pedro Norton sobre os Velvet Underground & Nico fez-me lembrar um velho ‘jogo’ que tinha com amigos na universidade*. Se pudessem voltar atrás no tempo e ver uma banda ao vivo por década, quais escolheriam? O jogo começava nos anos 60 - parafraseando Larkin, achávamos que a música só tinha realmente começado nessa década. As minhas escolhas eram (e são, ainda hoje) os Velvet Underground nos anos 60; os Pistols na década de 70; e os Smiths nos 80. Não tinha dúvidas sobre isto na altura, e ainda hoje não as tenho.

Como “jogávamos” durante os anos 90, não tínhamos que escolher bandas dessa década (até porque essas, em geral, podíamos ver). Mas agora que o jogo incluiria também essa década, sinto uma enorme dificuldade em escolher a banda dos noventa que gostaria de ver. Das que não vi, talvez os Nirvana, embora mais pelo simbolismo – raramente oiço Nirvana hoje em dia; talvez os Stone Roses, embora o álbum epónimo seja de 89; talvez os My Bloody Valentine, ou os Tortoise, ou os Smoking Popes, ou os Happy Mondays, ou os Public Enemy (embora algumas sejam parcialmente dos anos oitenta)... Mas são demasiados talvez. E fico na dúvida se isto se deve a uma genuína ausência de grandes bandas nos anos 90; ou se é porque esta uma década que efectivamente “vivi” musicalmente, e fico sem a distância necessária para a avaliar.


*: Sim, reconheço que é um jogo muito ‘Nick Hornbyano’ – mas, em nossa defesa, inventámos isto algum tempo antes do High Fidelity.

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Lisboa e o seu herói...

Estamos finalmente em tempo de eleições. No céu, que já há muito se mostrava carregado, surgiu finalmente a tormenta – e a pobre terra encheu-se de outdoors. Felizmente que o justiceiro Sá Fernandes – herói ainda indefinido, que não sabe bem se é o Lone Ranger ou o Tonto –, logo mandou retirar uns quantos que desfeavam a praça Marquês de Pombal.
A razão, obviamente, assiste-o, pois que, apesar dele próprio ali ter colocado uns outdoors na última campanha eleitoral para a Câmara de Lisboa, descobriu agora que existe um regulamento que proíbe terminantemente implantá-los naquele local. Vai daí, mandou tirá-los, brandindo o dito regulamento em frente à câmara – de televisão – e alto jurando tudo fazer para defender a lei: a mesma que ainda há pouco tempo, compreensivelmente, incumpriu, justamente pelo facto de que não a conhecia.
Ora, este episódio, trágico-cómico, com que se inicia este tempo festivo que são para nós as eleições, não faz mais do que confirmar aquilo que as pessoas pensam dos políticos e que pode bem resumir-se nestas três muito breves ideias: 1. São uns incompetentes, que nem sequer conhecem as leis e os regulamentos. 2. São uns intrujões, que usam as leis e os regulamentos conforme lhes convém. 3. São uns intrujões e uns incompetentes, que nem sequer conhecem as leis e os regulamentos que querem usar como lhes convém.
Talvez as pessoas estejam enganadas, mas, então, é bom começarmos a convencê-las do contrário, porque, nestes tempos pouco democráticos que vivemos, é cada vez mais o povo que faz falta.

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quinta-feira, 9 de abril de 2009

III. O que é a História?

Podemos assim descrever esse espécime execrável que é o anti-histórico. O que impera no espaço público europeu, em grande medida pela plebeização e americanização da época. Este caracteriza-se por três dimensões de ódio:
a) Odeia o que está fora dele, odeia a investigação, a procura da verdade. É o seu umbigo o único paradigma da vida, e recusa que haja efectiva diferença. “Todos diferentes” para ele significa apenas que as diferenças têm de existir de acordo com os seus paradigmas, ser dóceis à sua visão das coisas. A efectiva abrupta, abismal, e mesmo conflituosa diferença é-lhe repugnante. Se diz que a História é guerra é porque sente qualquer alteridade como uma afronta.
b) Odeia o ser humano. Para ele a Europa ser uma construção anti-histórica é enterrar segunda vez os mortos e enterrar preventivamente os vivos. Os seres humanos concretos, os que estão fora dos textos de declarações universais ou das reportagens etnológicas, os que já não podem testemunhar ou que nunca o puderam fazer são-lhe repelentes igualmente. O ser humano para ele não é o que concretamente vive e viveu, mas o que mais uma vez é dócil à Declaração Universal dos Direitos do Homem. É uma figura jurídica, desprovida de sangue e vida.
c) Odeia a mudança e consequentemente a constância. Apenas conhece a rigidez. Mais uma vez a rigidez dos textos políticos e jurídicos. Uma constante não pede rigidez. Bem pelo contrário, uma invariância pressupõe a mudança. Senão nada há que procurar que não varie. A sua concepção do tempo é a do folclore, a do festival de luzes e cores, facilmente domável e delimitado pelo seu princípio e fim. A vida é apenas apresentação, com um programa definido à partida, sem surpresas.

O que une todos estes traços do anti-histórico é em suma a docilidade. A docilidade que exige aos outros porque no fundo e na expressão é um ditador, um tirano. O seu paradigma é o domador circense de feras. Para ele o ser humano é a besta humana. Tem de ser domesticado, enfiado na gaiola dos direitos do homem, dos tratados internacionais. O seu chicote é dourado pela palavra doce, mas silva e estala ao mínimo desvio. O ser humano é apresentado como o leão, o rei da selva, elogia-se a sua nobreza, mas nega-se-lhe toda a liberdade e o contacto com a savana. O anti-histórico é circense. Nada mais. E de nada mais quer que o ser humano se aproveite.


Alexandre Brandão da Veiga

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As ideologias acabaram?

O Público (e o site do CDS) noticiam que "os 11.562 militantes do CDS com telemóvel" receberam um sms de Paulo Portas ontem à tarde, em que o líder do CDS os informava dos candidatos do partido para as Europeias.

Creio que podemos eventualmente tirar uma de duas conclusões disto:

1. Os militantes do CDS usam o telemóvel bastante menos que os portugueses em geral (proporção de portugueses que afirmam ter pelo menos um telemóvel em inquéritos: 4 em cada 5; número de telemóveis por cada 100 residentes em Portugal: aproximadamente 130).

Ou:

2. O número de militantes do CDS é de pouco mais de 11.652 militantes.

Pessoalmente, espero que a primeira esteja mais perto da realidade. A ideia dos militantes do CDS serem mais conservadores até na adopção de novas tecnologias agrada-me...

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quarta-feira, 8 de abril de 2009

Árvores

Estou assim meio de férias que isto de trabalhar todos os dias cansa e meio de férias em Lisboa. Not bad. Ora isso serve para ler jornais velhos, também, e descobri que há mais um "plano" para o Terreiro do Paço. Fui ler porque queria ver se era desta que começavam a plantar árvores nesta maldita (para elas) cidade e, claro, o arquitecto acha que não. Aquilo deve ter uns pisos a marcar "percursos" e uns tons para aqui outros para ali, perspectivas, etc. Árvores? Se for preciso sombra (?) montam-se uns toldos, diz o profissional de urbanismo. Ora aí está. Tal como na Avenida dos Aliados, na Invicta. Será que um dia vamos ter alguém que ame árvores lá para a CML. A vereadora Helena Roseta achou o dito plano "muito interessante".
Será que as árvores são simbolo do passado, que há demasiada ligação ao mundo rural onde elas quase sempre, neste país, ainda são para abater?
Assunto sério: A Av. da República perdeu as árvores graças aos túneis e às obras do metro. A Fontes Pereira de Melo idem, ibidem. Mais recentemente foi a Joaquim António de Aguiar e também a António Augsusto de Aguiar (deve ter sido castigo pelos nomes). As árvores da Av. da Liberdade também foram arrasadas nos anos 1950 por causa do Metro mas alguém se lembrou de as replantar. Parece que resultou.
A excepção em Lisboa agora é a Expo. Ora bem, aí está, afinal não é preciso ir a Paris para ver como as árvores crescem mesmo, dão sombra e tornam a cidade mais rica. E são mais baratas do que os toldos.

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II. O que é a História?

O que se dá hoje em dia é uma mistura de fenómenos antigos com modernos. De antigo, o facto de todo o analfabeto se entender como especialista em História. Nunca a estudou, mas dedica-se “apenas” ao que de mais difícil esta tem: a síntese histórica. A Europa é isto e não é aquilo. Por sua sorte a História da Europa é curta e pouco rica, por isso qualquer edição do Reader’s Digest ou revista económica pode dizer em quarenta palavras tudo sobre a matéria.

De novo apenas o de que todo o destituído, não apenas se sente autorizado a falar na matéria, mas igualmente quer impedir que pessoas autorizadas falem. Ou tapando os ouvidos, ou mandando-as calar. Aprendeu no liceu umas banalidades e quer impor essas banalidades pouco verdadeiras como paradigma do mundo.

Do que se esquece é desta sementezinha que fez a História. A História é investigação. Não sabe História quem antes não a investigou, não foi atrás dele, não se perdeu nos seus imensos meandros e não encontrou referências no meio desse magma imenso de vidas humanas já passadas. Em nenhuma matéria se sabe se não se investigar, se não se estudar. Mas a História traz no seu próprio nome esta corveia.

A verdade é que não é de causar espanto que muitos destes desprovidos sejam anti-históricos. São contra a investigação, umas vezes atacando experiências genéticas, em geral atacando qualquer procura. Estão cheios de certezas absolutas, a começar pela de que elas não existem, e querem impedir os outros de procurar o saber.

A História, pela sua própria origem, implica procurar fora de si. Mas procurar o quê? A coisa poderia ter corrido de outra maneira, mas cristalizou-se e não por acaso, no ser humano. A História natural, expressão que durante milénios e pelo menos até ao século XX ainda se encontrava (ainda há restos dessa expressão nos museus de História Natural), cedeu cada vez mais o seu lugar à História sem mais. A História dos homens.

E que verificamos nessa História dos homens? Que as coisas mudam, e que os graus de mudança são diversos consoante as culturas, as épocas ou dentro da mesma época e cultura, consoante os estratos dessa mesma cultura. A economia, a tecnologia, as relações de parentesco, as estruturas de poder, os traços de mentalidade não têm a mesma fluidez, obedecem as constantes e variáveis diversas.

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Da Visão: Bater no fundo.




Que o inquérito a Mesquita Machado tenha sido arquivado. Que Avelino Ferreira Torres tenha sido absolvido. Que o «caso do envelope», um dos vários capítulos da saga «Apito Dourado», tenha dado em nada. Que a reforma penal que entrou em vigor em 2007 tenha evitado que Fátima Felgueiras fosse parar à cadeia. Que todos estes autarcas se recandidatem. Que o caso Freeport corra o risco de prescrever. Que o escândalo da Casa Pia se arraste há anos sem conclusão. Tudo isto, temos obrigação de respeitar. Em nome da presunção da inocência de todos os envolvidos, em nome de uma cada vez mais difícil mas imprescindível confiança no funcionamento da justiça, em nome do respeito por um Estado de Direito sem o qual não há Democracia que sobreviva, em nome da resistência a uma deriva justicialista que ofenderia qualquer cidadão com bom senso.
Dito isto, existirá algum princípio que nos obrigue a tolerar que alguém, condenado por corrupção há poucos meses, tenha sequer sido «pensado», quanto mais escolhido por unanimidade por representantes de partidos políticos, para a presidência de uma empresa municipal? Será demagógico defender que estamos a chegar ao grau zero do pudor em política? Será possível calar a indignação que este indecoroso episódio suscita? Será que o facto do Sr. Névoa, muito por mérito das pressões do Bloco de Esquerda, ter arrepiado caminho (apesar de não descobrir nenhum «impedimento moral» para assumir o cargo) repara o irreparável?
Estamos a brincar com o fogo. Há tempo demais. Há muito que os agentes políticos perderam todo o seu prestígio. Há muito que as sondagens de opinião «castigam», quase sem excepção, todos os órgãos de soberania. Há muito que os portugueses perceberam que a justiça é – «to say the least» – intoleravelmente lenta. Mas sucede que, bem ou mal, e apesar desta lenta degradação institucional, o país lá foi progredindo em termos económicos, ao longo dos últimos trinta anos. A custo, mais devagar do que devíamos, lá fomos saindo do terceiro-mundismo para que nos relegara a outra senhora. À boleia da Europa, dos fundos comunitários, do crédito barato, mas lá fomos melhorando a vidinha enquanto nos dávamos ao luxo de nos desinteressar dos destinos da República.
Acontece que, hoje bem o sabemos, tudo isso acabou. Ou na melhor das hipóteses, tudo isso terá acabado durante os tempos mais próximos. E a questão que agora dramaticamente se coloca é a de saber para onde se virarão os portugueses, perdida que estava já a confiança nas principais instituições da república, agravados que estão hoje os dramas sociais e as tensões económicas, quando perderem toda a esperança na redenção de um regime que teima em dar-lhes provas do seu apodrecimento. A história já nos ensinou que é destes caldos que nascem as convulsões e as revoluções. É destes pântanos que emergem todos os líderes messiânicos e todos os populismos. É nestes ambientes que se perde a noção da importância dos valores democráticos e liberais. E apesar de todas as lições da história, o país prossegue na sua deriva suicida.
Sou eu que acordei com mau feitio ou estamos mesmo sentados num barril de pólvora?

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terça-feira, 7 de abril de 2009

É sempre por causa do ouro

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Da fealdade deste blog




Este blog é feio? Pelos vistos, e felizmente, as opiniões dividem-se. Há quem o ache verdadeiramente feio e há quem consiga vislumbrar nele uma comovente beleza. Pela parte que me toca, sou lapidar: feio, muito feio mesmo, seria não poder considerá-lo feio. Diria mesmo mais: seria hediondo, grotesco, pavoroso, repelente, medonho. Desse ponto de vista, este blog até é bem bonitinho.

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Deve Sócrates demitir-se?

Perguntaram-me há poucos dias se, na minha opinião, José Sócrates se deveria demitir. Por mais estranho que pareça, não soube imediatamente responder – o que já de si é significativo –, pelo que resolvi dedicar-me um pouco a pensar nisto.
É preciso alertar que a questão não é se Cavaco Silva deveria ou não demitir José Sócrates, o que, face ao exemplo estabelecido por Jorge Sampaio relativamente a Santana Lopes, obrigaria o actual Presidente da República a destituir o nosso actual primeiro-ministro, não uma, mas uma centena de vezes. A questão é saber se José Sócrates, de moto próprio, deveria ou não demitir-se, em vista dos inúmeros casos alegadamente irregulares, ilegais e/ ou criminais em que, justa ou injustamente, se encontra hoje publicamente envolvido.
Esclareçamos, em primeiro lugar, que a questão não deve colocar-se de um ponto de vista ético. Com efeito, quando o senhor primeiro-ministro mente descaradamente na Assembleia da República, onde supostamente somos representados (como, por exemplo, naquele caso do relatório que dizia e insistia ser da OCDE), não se pode esperar, consequentemente, que se demita por razões morais.
A questão, do mesmo modo, não pode colocar-se de um ponto de vista estético (isto é, no âmbito de uma certa concepção de beleza que deveria envolver e sublimar os actos públicos), pois que quem desgraçadamente tenha visto as casas projectadas e/ou assinadas pelo Eng. Sócrates, imediatamente saberá que ele nunca se demitirá por quaisquer motivos que incluam a mais vaga noção da pulcritude.
A questão, assim, só poderá pôr-se de um ponto de vista, por assim dizer, legal, isto é, à luz de uma certa jurisprudência estabelecida por anteriores demissões de outros primeiros-ministros. Neste sentido, vejamos:

1. Mesmo que considerássemos, em sentido muito lato, o triste acidente de Sá Carneiro como uma certa forma de demissão, tal não nos parece ter qualquer aplicação ao caso de Sócrates, que, pese embora ter fumado num avião logo após ter aprovado a lei que o proibia, prontamente reconheceu o erro e prometeu deixar de fumar, sem que por isso tenha pago qualquer multa. Julgo, no entanto, que a medida deveria ser extensiva, por exemplo, aos condutores embriagados, que, no caso de, visivelmente contritos, convincentemente prometerem largar definitivamente a bebida, deveriam seguir em paz o seu caminho.
2. O caso da demissão de Guterres, porém, pode afigurar-se bem diferente, pois que a razão da sua demissão foi o facto do país se ter tornado num pântano, ecossistema que reconhecidamente se mantém. No entanto, como há uns posts atrás já disse, esta é uma decisão discricionária, que de modo nenhum obriga o actual primeiro-ministro. Ao contrário de Guterres, aliás, Sócrates é o nosso querido Shrek: um ogre divertido e resmungão, que gostando francamente do seu pântano, de lá de nenhum modo quer sair.
3. Temos, por fim, o caso de Durão Barroso, mas aqui não vislumbramos nenhuma solução possível, já que, em vista das dúvidas ultimamente suscitadas em torno das habilitações académicas do senhor primeiro-ministro, cremos que ele, para já, terá alguma dificuldade em conseguir arranjar lá fora um empregozito melhor.

Por aqui, portanto, não nos safamos. Tentaremos, no entanto, por uma certa analogia, analisar ainda o caso à luz da demissão de alguns ministros, ainda que sem esperança de melhor sorte. Vejamos:

1. O ministro Jorge Coelho, na altura em que altruisticamente se demitiu, prejudicando, como é público e notório, a sua vida pessoal e profissional, fê-lo por ter caído a ponte de Entre-os-Rios. Ora, Sócrates quer fazer exactamente o contrário, isto é, construir pelo menos uma ponte (entre outras coisas baratuchas que mais tarde pagaremos para assim enfrentarmos esta crise), pelo que este caso, obviamente, não se lhe aplica.
2. Temos também o caso de Isaltino Morais, que por causa de uma conta que malfadadamente mantinha na Suíça com um sobrinho se demitiu das suas ministeriais funções. Aqui, na verdade, o caso fia mais fino, já que o envolvimento da família de Sócrates nesta teia de negócios mal explicada vai já a um ponto de permitir inscrevê-lo directamente na Associação Portuguesa das Famílias Numerosas. Há aqui uma nuance, no entanto, que importa cuidadosamente analisar. É que Isaltino se demitiu por causa de um negócio que envolvia um sobrinho. No caso de Sócrates, porém, fala-se, é verdade, da mãe, do tio, do primo, até mesmo de um senhor que não lhe é nada, pertencendo antes à conhecida estirpe dos Smiths de Alcochete… mas não há, de facto, nenhum sobrinho, pelo que é, no mínimo, discutível, que este caso, assim, se lhe aplique.
3. A este propósito, aliás, poderia também lembrar-se a demissão de Leonor Beleza, mas o caso, lá está, passou-se com um irmão, pelo que obviamente não se aplica ao nosso Sócrates.
4. O caso mais estranho é o de António Vitorino, que verdadeiramente nunca ninguém percebeu porque é se demitiu, pelo que tanto serve para defender uma coisa como a outra. O facto, porém, é que o mesmo é hoje da opinião que Sócrates não se deve demitir, o que, embora não se percebendo, torna difícil a fundamentação contrária.
5. Há ainda, ultimamente, o caso de Freitas do Amaral, que abandonou o cargo de ministro por já não aguentar as dores nas costas. Ao que sabemos, porém – e de acordo, aliás, com o próprio –, Santos Silva só gosta de malhar nas pessoas da direita, pelo que também aqui o caso dificilmente se estenderá aos costados do nosso primeiro.

Continuamos, portanto, sem resposta. Temos de atrever-nos, por isso, a ir mais longe, a esses recantos autárquicos onde o povo, conhecedor do carácter de quem o governa, sabe bem escolher para além dos desenganos da justiça. Talvez aqui se possa achar a solução.

1. À cabeça temos Fátima Felgueiras, cuja ligação à América latina e o alegado saco azul que, dizem, serviria para financiar clubes locais, poderia à partida indicar algumas semelhanças com o nosso Sócrates e com toda esta estranha história do Freeport. Mas o facto é que a senhora Dona Fátima foi para o Brasil, de onde voltou com a beleza de outros tempos, enquanto Sócrates preferiu a Venezuela, de onde não se vê que tenha vindo remoçado. Quanto ao resto (em que, francamente, aliás, não acredito), o facto, que é relevante, é que nos vídeos em que nos dizem estar a falar o senhor Smith (os quais, tirando o facto de falarem em inglês, poderiam bem ser os das reportagens da Casa Pia), nunca se ouviu falar em sacos, mas sim em envelopes, os quais passando, segundo dizem, sempre por debaixo de uma mesa, ninguém pode afirmar com toda a certeza que eram azuis. Também este caso, portanto, não nos ajuda.
2. Há ainda Valentim Loureiro, que até na Liga se patenteia Major, mas, na verdade, ele nunca se demitiu, sendo que o que distribuía, na campanha, eram frigoríficos, pelo que só por manifesta má-fé se poderia querer comparar este caso com o de José Sócrates, que só com reconhecido direito se auto-intitula engenheiro e que aquilo que distribui na campanha são os fantásticos, os fabulosos, os inquebráveis, os domésticos e bonitos computadores Magalhães.
3. Resta-nos, portanto, uma última hipótese, que é a de Avelino Ferreira Torres. Ora, este senhor, com obra manifestamente feita, com uma capacidade de comunicação eficaz e apropriada aos seus eleitores, e recentemente absolvido de todos os crimes de que foi tão longa e injustamente acusado, em tudo me parece assemelhar-se ao nosso pobre primeiro-ministro. A solução, portanto, talvez aqui se encontre. Não porque Sócrates se demita, como o Sr. Torres também não se demitiu. Mas porque tendo Sócrates transformado a nossa vida política num contínuo e indescritível Big Brother, com o qual todos nós, todos os dias, somos inevitavelmente confrontados, talvez possamos, numa destas semanas que lá mais para a frente se avizinham, expulsá-lo da casa que agora ocupa, tal como ao dito Avelino parece que da da TVI também expulsaram.

Pedindo sinceramente desculpa a quem com alguma atenção me leu até aqui, a conclusão é a seguinte:

1. Sim, é óbvio que ele se deve demitir.
2. Não, é certo que ele não se demitirá.
3. Temos, por isso, que telefonar todos para aqueles números que passsam em baixo do ecrã e, o mais depressa possível, mandá-lo embora.

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segunda-feira, 6 de abril de 2009

Meritocracia

Em Portugal desdenha-se o esforço.
Em Portugal não se atende ao mérito individual.
Em Portugal não se premeia o trabalho.
Eu esforço-me.
Eu evidencio mérito.
Eu trabalho.
Há um ano que escrevo neste blog de forma crítica, sendo que nos últimos meses tenho-me aplicado especialmente.
Debalde.
O melhor que consegui foram uns comentários de uns anónimos mais ortodoxos.
A consagração máxima ainda não a obtive.
Eu quero um processo.
Como é que é possível que eu ainda não tenha apanhado com um processo?
É só amiguismos, é o que é.

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I. O que é a História?

Ir ao significado primevo das palavras tem sempre riscos. Pode-se cair na asneira de pensar que a árvore é igual à semente. Mas se estivermos precavidos contra este escolho, a tarefa é necessária, útil e gozosa.

É evidente que o sentido de uma palavra evolui, que ganha ramificações ao longo do tempo, e que muda o seu centro de gravidade ao ponto de já não se ver conexão aparente com a sua origem. Algumas funções matemáticas obtêm o mesmo efeito, quando geram duas ou mais figuras descontínuas entre si, mas que, quando bem vista a sua enunciação analítica, obedecem a um mesmo padrão.

Com a palavra História passa-se um fenómeno muito peculiar. É trivial lembrar que História significa em grego investigação. E é por demais evidente que hoje em dia perdeu muito desta ressonância e ganhou muitas outras. Poucas pessoas perceberiam que se fizessem livros com o título de História Natural, e ainda mesmo História policial, nesta acepção.

Mas na base da História está a investigação. A História é algo que sempre se soube não ser dado de origem. É algo que se procura. A natureza física ou a alma, ou ainda a divindade, poderiam ser vistas em muitas épocas como elementos dados, de acesso ao puro pensamento, à revelação, à intuição. Mas a História não. Desde a origem começou por ser procura e nesse sentido é o antecedente de todas as outras ciências.

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La Antena

Nao é cinema Sueco.

Não é Lang, nem Buñuel, nem Dali.

Vi-o todo estupefacto, entre a 1 e as 3 da manhã sozinho num quarto de Hotel.

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domingo, 5 de abril de 2009

L’Heure d’Été de Olivier Assayas


Filmado de modo realista, Tempos de Verão, na tradução portuguesa, trata um grande tema cinematográfico– a memória– ficando-se por um registo mais sociológico quando poderia ter sido mais poético e com isso um deleite espiritual.

O filme narra a história de uma família no período anterior e posterior à morte da personagem central– a mãe (Hélène Berthier). Esse tempo da narrativa consubstancia-se em torno de um lugar– a casa da família, nos arredores de Paris–, um viveiro de recordações e evocações de um espírito, o do pintor Paul Berthier (tio de Hélène) que ali viveu e trabalhou, com um jardim cheio de recantos e mistérios capaz de construir todo o imaginário infanto-juvenil de que nos nutrimos toda a vida.

A mãe e a casa são os lugares da memória. A morte de uma, a mãe, condena a outra, a casa. Ao fim de um tempo segue-se a dispersão e o fim de um lugar.

A expressão– hora de verão– sugere tempos felizes, intensos, vividos na intimidade e no convívio que trazem identidade. Hora de verão tem um perfume edénico, a presença de uma experiência plena e vitoriosa, memória da perfeição, de não haver quando nem onde.

O amor de Hélène, perpetuou a vida do tio, preservando nos seus lugares, e com o uso que as coisas vivas têm (gastando-se, envelhecendo, estragando-se, etc.), dois quadros de Corot, um painel decorativo de Odilon Redon com marcas de humidade, uma escultura quebrada de Degas, uma secretária e uma vitrina desenhadas por Majorelle, um armário por Joseph Hoffmann, entre outras peças que os museus cobiçavam para maior grandeza do Estado.

Para os filhos, espalhados por Paris, Estados Unidos e China, nada daquilo era mais importante do que o dinheiro que lhes faltava para as suas vidas consumidas pela vertigem do tempo. Como Hélène bem sabia, tudo seria vendido e com ela morreriam também a casa e as memórias de um tempo feliz, uma e todas as horas de verão.

Vendida a casa, esvaziada dos seus bens e pulverizada a memória, chega, então, a profanação final. Os netos decidem comemorar os últimos momentos dando uma festa de adolescentes e transformando o que antes fora um “templo” num abrigo de “sem terras”. Vemo-los chegar nas suas motas carregando garrafas de gin, vodka, whisky, cerveja, coca-cola, comida, sacos cama, computadores e iPods, colunas e vemo-los espalhados pelas salas fumando droga, bebendo, jogando à bola, ping-pong, dançando, correndo, perdendo-se na casa vazia e pelos jardins... No ar não se ouvem, o canto dos pássaros, nem concertos de música clássica. Ouvem-se ensurdecedores raps suburbanos. Uma sensação de desolação niilista percorre a sequência. Porém, uma certa tristeza evidente na neta parece conter um gérmen de redenção. Como no princípio do filme, ela acaba a correr pelos jardins não com os primos nem o irmão, mas com o namorado. O filme termina com os dois a escalar um muro, num sinal de esperança como se a hora de verão não estivesse perdida.

Mas além da casa e da mãe, havia Eloïse, a governanta, uma sombra que tudo fazia mover. Eloïse acabou “presa” num apartamento social de um sobrinho, mas continuou a ir depositar flores na campa de Hélène. Obreira no silêncio e na discrição, ela era a vida da casa enquanto a mãe era a sua memória vivida como um sonho. Pilar oculto de uma tradição punha flores e limpava a pedra tumular de Hélène. Viveu a perda sem se perder.

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sábado, 4 de abril de 2009

quando eu era pequenino 2

gostava muito de ter tido um Simca tão vermelho como este.
O Simca Aronde, segunda mão, em que o meu pai me levava, era igual a este, mas azul e branco. Andávamos pelas ruas de Luanda e íamos até às praias, para sul, quase até à foz do Kuanza. A última vez, com as válvulas à beira do colapso, a cambota em surdos lamentos, os pistões a ameaçar greve, fomos para leste, passando por Catete, Maria Teresa, Zenza, até Cambambe. Fomos nós – o meu pai e a minha mãe, a minha irmã e eu, tão candengue – que o levámos pela mão, ao Simca, já tão lacrimoso e ainda tão francês. Não o deixámos, mas se calhar devíamos tê-lo deixado morrer no meio do mato africano que tem o apetite voraz que as mães gostam de ver nos filhos
p.s. - faço notar que esta série - quando eu era pequenino - é uma imitação invejosa das que os Pedros, Norton e Marta Santos, inauguraram, um com a série "Quando Eu For Grande", o outro com o "Manual do Preconceito". Espero que não me cobrem direito de autor.

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Guerra em paz



Começámos por tolerar, com a condescendência própria dos culpados. De consciência pesada, passámos a reunir armados de brigadas anti-motim...

Fizemos de Davos o paradigma. E consentimos.

Agora, estamos assim.

À distância de três dias, Londres e Estrasburgo. O G20 e a NATO.

Pacifistas e anarquistas agridem, destroem e incendeiam. Com eles, militantes de várias causas e gente anónima descontente. Agendas diversas que só na violência - uma nova violência rebelde e compulsiva - encontram uma linguagem comum.

Mundo estranho, este nosso. Meio gratuito, meio visceral. Num tempo de vazio profundo e de mal-estar difuso.

Até quando vamos fazer de conta que tudo isto é normal? Até quando vamos acreditar que tudo isto é inócuo?

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Bem regressado, Gonçalo


Deram conta de que o nosso amigo Gonçalo Magalhães Collaço acabou de regressar à blogosfera?

Pois é, depois de nos ter deixado há cerca de um ano, agarrou em dois amigos, Luís Silva Santos e Pedro Graça, e está agora no Albergue Português.

O mote é dado por Leonardo Coimbra e promete: "O homem não é uma inutilidade num mundo feito, mas o obreiro de um mundo a fazer".

Por mim, lá irei. Em busca do desafio de pensar Portugal e os Portugueses.

Boa sorte, Gonçalo! Boa sorte, Luís e Pedro!

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quando eu era pequenino

Rezei muitas avé-marias. Ainda me lembro:

Avé Maria cheia de graça,
o Senhor é convosco,
bendita sois Vós entre as mulheres
e bendito é o fruto do Vosso ventre, Jesus.
Santa Maria, Mãe de Deus,
rogai por nós, pecadores,
agora e na hora da nossa morte.
Amen.

É uma das mais bonitas orações cristãs. É tão gentil. Sem querer ofender ninguém, é mesmo um bocadinho sensual. E é, se bem entendo, feminista avant la lettre. Ou estarei enganado?

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sexta-feira, 3 de abril de 2009

A poesia de Rumsfeld

O Táxi Pluvioso é a nossa imperdível visita da hora do chá. E traz sempre novidades. Hoje, por gentil indicação dele, fiquei a saber que Donald Rumsfeld, secretário da defesa no consulado de George W. Bush, revelou inesperados talento e vocação poéticos. Se quiserem saber mais, podem passar por aqui.
A crítica reconhece a Rumsfeld um gosto evidente pelo paradoxo e um ritmo repetitivo com ecos de beat generation. Não sei se é por andar a gostar de tudo em geral, mas a verdade é que gostei. Aqui está um exemplo:

The Unknown

As we know,
There are known knowns.
There are things we know we know.
We also know
There are known unknowns.
That is to say
We know there are some things
We do not know.
But there are also unknown unknowns,
The ones we don't know
We don't know.

E nos nossos ministérios, não haverá vocações?

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Quando eu for grande IX





Hei-de inalar as cinzas do Boris Vian, do Oscar Peterson e do Yasujirō Ozu.

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O MEC foi feio ou é impressão minha?


Isto que o MEC fez não é nada bonito.

Ainda mal passou da soleira da porta e já me fez ver que a casa onde vivo é feia.

Mas a verdade é que o fez da melhor maneira, mostrando-me outras casas mais bonitas para que pudesse comparar e, dessa forma, confirmar a realidade com os meus próprios olhos.

Quando com toda a sem cerimónia escreveu que o nosso blog era feio, não gostei.

Mais, disse que era bonito por dentro. Só faltou dizer que era um blog simpático.

“Arrivista armado em esperto”, pensei.

Mas pensei mal. O que o MEC trouxe foi uma visão nova e uma oportunidade de melhoria.

É também para isto que servem os novos inquilinos.

Pela minha parte, dou-lhe toda a razão.

Afinal o MEC não foi feio. Era só impressão minha.

Contem comigo para a mudança.

Obrigado MEC e toma lá um abraço.

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quinta-feira, 2 de abril de 2009

Raiva

Kristeva
O escritor francês Philipe Sollers, de quem eu, já há tantos anos, tinha uma inveja obscena por ter casado com a bela Julia Kristeva, escreveu a autobiografia “Un Vrai Roman”. Comecei, ainda só comecei, a ler, e tive um ataque de raiva. Incontrolável, infantil, ao ponto de me levar às lágrimas.
Transcrevo a passagem: C’est decidé, je ne ferai rien. En realité, je m’en rends compte aujourd’hui: je n’ai jamais travaillé. Écrire, lire et puis encore écrire et lire ce qu’on veut, s’occuper de pensée, de poésie, de litterature, avec péripéties sociopolitiques, n’est pas travailler. C’est même le contraire, d’oú la liberté.
Raiva: é que os sublinhados e as aspas são mesmo dele.

Sollers

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