segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A marca de Mértola


A primeira vez que a vi foi descendo o Guadiana, nos idos anos 80. Mértola deu-se a conhecer, imponente e sóbria, de pedra e cal, como um porto seguro para quem chega exausto depois da longa viagem azul a partir de Jeromenha. Não havia Alqueva e o Pulo do Lobo era evitado por curto desvio pelas aldeias do fim.
Muito mudou. Desde os anos 70 que a vontade de voltar a ser única no Alentejo construiram a imagem de marca da vila.
Sabíamos que Mértola era o último porto do Guadiana, a partir da foz. Agora os títulos dos panfletos explicam que se trata do último porto do Mediterrâneo. Conhecíamos os mitos da presença muçulmana no Al Andaluz transformado no Paraíso do Islão, alcançado e por alcançar. Em Portugal, apontávamos Silves como a grande musa inspiradora para reis e poetas árabes. Mas para quem visita Mértola agora, parece que o Algarve é como um subúrbio do centro de interesses da civilização islâmica e que os três séculos de presença muçulmana nesta vila vingaram mais do que todos os outros romanos ou cristãos.
Não quero fazer análise histórica pela aritmética dos séculos. O que seria da Irlanda, da Polónia ou da Hungria apenas com o tempo de ocupação que viveram. É conhecida também a tendência para contar a História de Portugal de Norte para Sul, ao sabor da Reconquista Cristã, favorecendo os heróis e as raizes da nacionalidade. Uma leitura mais atenta diz-nos que toda a Civilização veio do Sul e que os autóctones pouco se mexeram com a entrada e saída de cartagineses, romanos, suevos, árabes ou cruzados.
Para quê então esta narrativa que nos leva a ter, em Mértola, a construção de uma imagem de marca tomada por um período de três séculos? O heroi a cavalo na porta do castelo contruído por um Rei português, é muçulmano. Na propaganda, a Igreja Matriz é apresentada como a única Mesquita de Portugal. Ora é sabido que, em todo o Alentejo - e até a Sé de Lisboa - os templos cristãos foram construídos nas fundações das Mesquitas que, por sua vez, se fizeram erguer na base de outros templos cristãos visigodos. A Arqueologia é fértil no aproveitamento das pedras de sinal contrário, como se viu na grande exposição do Jubileu do Ano 2000 na Alfândega do Porto.
Esta lógica pendular da leitura histórica é como a da toponímia de Mértola, ainda ocupada pelos nomes dos heróis vermelhos. Ou será apenas uma táctica turístico-comercial para vender mais um destino?
Mértola é mais rica e mais verdadeira do que isso. Basta lá chegar pelo rio e ceder aos seus encantos.

1 comentários:

George Sand disse...

Linda a fotografia