segunda-feira, 29 de setembro de 2008

I. La fondation de Rome, Alexandre Grandazzi, Les Belles Lettres


Quem fizer uma primeira leitura poderá pensar que é mais obra de metodologia histórica que de estudo de um caso concreto. Mas não seria justo afirmar isto desta maneira. Apenas prova que qualquer análise das origens implica sempre repensar o método. Porque o método pressupõe uma origem. Seja a origem a palavra crística, seja o surgimento de Hélade, ou a fusão bárbara no império romano. Roma não é o Cartaxo. A fundação de Roma tem um outro peso, histórico, mítico, ideológico, civilizacional.

Nesse aspecto é dos livros mais profundos que vi sobre um tema aparentemente tão restricto e tão nebuloso como a fundação de Roma. A uns parecerá que este já está dito e redito à exaustão. A outros parecerá que não se deve falar da questão, que deve ser relegada para o plano da lenda.

O que é fascinante neste livro – para além da seriedade e da erudição do autor, o que nunca é de desprezar – é a sua capacidade de nos mostrar como a complexidade dos métodos e a sua diversidade pode contribuir para uma compreensão mais profunda de uma questão que oscila entre ser rebarbativa ou esquecida, entre ser fundamental, ou mera curiosidade. Filologia, arqueologia, geologia, História, todas contribuem para delimitar o que seja a dita fundação de Roma.

Roma e Pavia não se fizeram num dia. Continua a ser verdade científica. Mas que tenha havido uma função de Roma, uma efectiva fundação, não no sentido de criação ex nihilo, mas de sagração das suas fronteiras, e consequentemente exposição da sua identidade, que tenha havido tal realidade, chame-se Rómulo ou não o seu fundador, e que a arqueologia nos corrobore, pelo menos neste sentido, esta fundação, apenas nos pode deixar em admiração. Depois das polémicas entre o hipercriticismo e o fideísmo históricos (para usar as felizes expressões do autor), percebe-se que a lenda como material tem de ser usada com mais cautela, e que por múltiplas vias (como a arqueologia nomeadamente) a lenda pode ser corroborada.

No fundo, existe um paradigma algo de negociante no hipercriticismo. Não é por sorte que surge em ambiente burguês. A sua lógica é a do merceeiro que desconfia sempre que o estão a enganar nas contas. A sua minudência, muitas vezes meritória, mais não é que um sinal de desconfiança generalizada na honestidade alheia. E um imenso gasto de energia em desperdício. Esperto é quem desconfia. Contesta-se tudo ou quase tudo, porque quanto maior o campo do indicado como suspeito menos crentes parecemos, e logo menos crédulos. O problema é que a descrença, aqui como noutras áreas da vida, só por si, ou como crítica de vida, leva sempre a empobrecimento. Acaba por ser acrítica, porque mais não é que recusa sem critério. Não é de espantar, acaba por redundar em birra.

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