domingo, 28 de setembro de 2008

Tintin contre Professeur Choron

No inicio dos anos 80, o meu Tio Antonio ofereceu-me a sua preciosa colecçao de cerca de 40 numeros do Hebdo Hara Kiri. Esse foi um momento de incandescente iluminaçao em que os discretos Tintin, Corantin, Coronel Clifton, Corto Maltese, o muito Portugues Espiao Acacio e muitos outros habitantes das paginas do ja’ nessa altura extinto “Tintin”, foram esmagados de forma visceral por um universo de humor “Bete et Mechant” onde a ironia se misturava com o grotesco, o absurdo e o neo-pornografico. As capas de um provocatorio absolutamente gratuito, o total desrespeito pelo bom gosto dos textos e a agressividade da banda desenhada do Hara Kiri abriram-me assim as portas a uma fascinante e "nova" ordem (a)cultural.


O Hebdo Hara Kiri fundado em Paris por George Bernier (aka Prof. Choron - 1929-2005) em 1960, tinha como slogan «Si vous avez deux francs à foutre en l'air, achetez Hara-Kiri, sinon, volez-le !». Com Choron ao comando, a revista encarna ao longo de mais de duas decadas o espirito ultra corrosivo de uma corrente anarquica e radical, que parte de uma contestaçao aberta a De Gaulle, passa pelo Maio de 68 e os libertinos anos 70, apoia a candidatura anarquista-burlesca de Coluche à presidencia em 81 para “ leur foutre au cul”, para vir depois gradualmente a perder a sua força e originalidade iniciais, vindo-se a extinguir completamente em 1989.

Nos anos, Hara Kiri deu tambem vida a uma corrente de desenhadores e argumentistas (Reiser, Gébé, Willem, Wolinski, Cabu, Vuillemin, Lefred Thouron, Nicoulaud, Fournier, Cavanna e o proprio Prof. Choron) que iria revolucionar a tradicional “Bande Dessiné” dos anos 50 e 60 e dar origem a tantas outras publicaçoes de sucesso como L’echo des Savanes, Charlie Hebdo, Circus, e Metal Hurlant. Saidos de algumas desta revistas, podem-se tambem considerar herdeiros directos do Hara Kiri, autores como Lauzier, Veyron, Bilal, Moebius, Tardi, Schuiten, Boucq, Manara, Comes e Bourgeon, que deram forma durante os anos 80 e 90 a um novo periodo de ouro da BD Franco-Belga. Embora o espirito original de subversao se tenha perdido nestes autores domados pela força das editoras e das "version luxe", a influencia seminal do Hara Kiri continua a sentir-se nesta “Neuvieme art”.

Hoje, em pleno seculo XXI e submerso de anglo-saxonicas “buzzwords” como “bail-outs”, “force multipliers” e “adverse morality”, vendido ao capital americano e vivendo uma vida ao sabor do meu “business acumen” e dos meus queridos “long-term stock-option incentives”, gostava de poder chamar o Prof. Choron para vir abrir uma grande frente de anarquica resistencia contra o cinzento esteril, hipocrita e desinspirado destes ultimos tempos. Um seu colaborador descreveu Choron como « .... un gentleman déguisé en salaud. Il a passé sa vie à rire avec talent d’une société de salauds déguisés en gentlemen : notre société. »

2 comentários:

Sofia Rocha disse...

Vasco, quando tinha dez anos lia, às escondidas, na casa de um vizinho, uns exemplares da " Gaiola aberta".Obscenidades, desenhos de mulheres curvilíneas nuas e uns textos corrosivos sobre "poderosos". Aos vinte, estudante em Coimbra, quando me lembrava daquilo, achava " primário".
Hoje, acho que ninguém se atreveria.

bloom disse...

Qualquer comparação entre a "gaiola Aberta" e o Hara-Kiri, é mais que mera coincidência, é manifesta injustiça. O Prof. Choron comparado com o Vilhena?? Tsss tsss tsss...