Porque se fala do Islão?
A questão é bem
diversa. Hoje em dia falamos do islão e até há uns 30 ou 40 anos (não é preciso
recuar mais) mal se falava no Islão, salvo como uma remota recordação de
tempos muito pretéritos, ou a imagem perfeita da decadência e esterilidade
civilizacional.
E eis senão quando se
fala do islão a torto e a direito. Porquê?
Será porventura que
ficámos espantados com as grandes criações do islão na matemática que nos ultrapassam
as nossas? Ou na física? Não. Ou então na biologia e química nos encherão de ensinamentos?
Não. Talvez tenha sido a música em que novos Beethoven foram descobertos em
terras muçulmanas? Não, de novo. Uma literatura diversa que complementa ou
esmaga a nossa? Da mesma forma, uma reposta negativa. Ou então seriam novas
correntes filosóficas que nos rasgam horizontes? Também não. Ao menos a
teologia muçulmana, que nos obriga a confrontar os mais básicos postulados da nossa?
Nem isso, lamento.
Se não são razões
culturais poderiam ser experimentos sociais, realizações políticas que nos
envergonhariam pela sua diversidade e capacidade expensão do ser humano. Será?
Não, não, e um ainda mais cansativo, não.
Não seria estranho que
assim fosse. O hinduísmo e o budismo, como o confucionismo surgem na Europa
com questões, problemas, riqueza e contributos culturais desde muto cedo. Sobretudo
desde a época moderna que levam a estudos filosóficos, linguísticos,
teológicos, literários.
Que nos leva a falar
sobre o islão, assim sendo?
Quatro factores. A expansão
demográfica, a imigração, rendas, e a instabilidade política e civilizacional.
A expansão demográfica,
hoje em dia em desaceleração, mas que já teve os seus frutos, decorre de um
motivo muito simples. Antes reproduziam-se como coelhos e morriam como tordos.
Graças à medicina europeia (chamemo-la da cristã?) e às medidas de saúde pública
de origem europeia (só fizemos aleivosias no mundo como se sabe), continuam a
reproduzir-se (um pouco menos) como coelhos, mas já não morrem como tordos.
A imigração interna,
igualmente. A Europa não acolheu muçulmanos porque se apaixonou pela sua
cultura. A imigração resultou do cruzamento de dois egoísmos: o europeu que carecia
de mão-de-obra barata e abundante e o dos muçulmanos que queriam ganhar mais. Não
correm eles apaixonados pela nossa cultura, que desconheciam aliás quase
totalmente, nem nós pela deles. Egoísmos são os fundamentos de um lado e de
outro. Mas o que se pensou como um fenómeno provisório (os alemães, mais isentos
e rigorosos chamam esse espécime de Gastarbeiter,
trabalhador convidado) torna-se mais perene. Vêm muitos, a generosidade europeia
permite o reagrupamento familiar e vêm mais, e a generosidade dos sistemas
sociais europeus e a nossa ciência melhora-lhes a saúde.
Por outro lado, rendas.
Alguns dos países muçulmanos são rentistas de gaz e de petróleo. Como todos os países
rentistas fazem grandes gastos concentrados e sumptuários. Um dos luxos pode ser
aviões, outro propaganda. Recentemente houve uma exposição em Londres, se bem
me lembro, sobre as 1001 descobertas da ciência islâmica. Curioso o facto de
não se falar paralelamente dos milhões de descobertas da ciência cristã. O facto
é que surgem artigos uns a seguir aos outros sobre a fraude, mostrando que as ditas
descobertas islâmicas são afinal gregas, cristãs, persas. Porque precisa da fraude
tal movimento, se há tal grandeza na civilização? Chegaremos a um dia em que Bach
seria dito muçulmano, como o cristianíssimo Kierkegaard passa por ateu em mãos menos
honestas.
A instabilidade civilizacional
e política decorre de factores bem mais fundos. Só por si merecem um tratamento
próprio. E, lembro apenas que se trata de países que, com maior ou menor
riqueza (Atenas nos século IV e III a.C. era mais pobree menos poderosa e não
deixou de acolher Platão, Aristóteles, depois Epicuro e Zenão) não produzem
nada de realmente novo para a humanidade desde há séculos.
Que interessa segregar
esta questão de outras, como a relevância intrínseca do islão? É simples. É que
se percebe por esta via que, quando se ouve hoje em dia falar no islão, o fundamento
desde discurso é sempre e tão-somente político. Não decorre nem de exemplos nem
de conquistas culturais, sociais ou económicas. Fala-se do islão sempre por razões
políticas.
As motivações políticas
são em si legítimas. Mas para a política. Não me interessa saber se Gauss era
um homem desinteressante politicamente, ou se Euler era um mau conversador. O
seu valor intrínseco como matemático não pode deixar lugar a dúvidas.
Inversamente a mulher de Nicolae Ceaușescu recebeu doutoramentos honoris causa e honras científicas no Reino
Unido e nos Estados Unidos. Da sua obra científica nada sobra.
Uma simples pergunta
dá-nos uma chave para perceber tudo o que se diz sobre o islão no espaço
público, excluindo muito raros estudos efectivamente eruditos. São razões
políticas que impõem esse discurso. Quando se fala da grandeza da cultura
islâmica, são razões políticas e não culturais que impõem esse discurso. Quando
se fala da beleza da religião muçulmana são razão politicas e não culturais ou
religiosas que motivam a pessoas.
Em suma, são argumentos
absolutamente irrelevantes sobre o ponto de vista cultural, social e económico.
Quem quiser que se fique pela política. Mas ao menos que saiba que é só dela
que fala. Se nos afirma estar a falar de religião, de cultura, de criação,
apenas labora na mentira. Fala de política, nada mais.
Alexandre Brandão da
Veiga
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