segunda-feira, 28 de maio de 2007

II. A herança de Blair

Interessa-me agora a herança política de Blair. Uma política deixa marca sobretudo por ser de um político, não de um gestor de economia. Que se meça o sucesso de um político começando pelo seu êxito económico diz muito sobre o que se espera do político. Que seja uma espécie de caixeiro-viajante. Não consta que César fosse um perito em finanças, nem o mesmo é central ao analisar Walpole ou Catarina II. O que se diz dele? O que se diz de Blair?

Que mudou a esquerda europeia, para começar. Vejamos. Não mudou a esquerda nos países nórdicos e na Holanda, que sempre se caracterizaram pelo pragmatismo. As soluções de adaptação à globalização que estes países adoptaram foram endógenas, baseadas numa maior flexibilidade mas igualmente em diversos mecanismos de segurança e reciclagem dos factores de produção, incluindo e sobretudo o trabalho. Não mudou a esquerda da Europa central. Com efeito, o pragmatismo dos neocomunistas da Europa central, bem como o dos socialistas destes países, é igualmente endógeno. É explicável por décadas de saturação ideológica, associadas à vontade de mudança e ao oportunismo político.

Terá mudado a esquerda alemã? Realmente é verdade que Schroeder se impressionou muito com Blair. Mas nunca houve no pós-guerra um chanceler tão incompetente quanto Schroeder. Conseguiu o que mais nenhum outro fez neste período. Ter um balanço económico desastroso e um balanço estratégico negativo. Tendo-se de início aproximado de Blair acabou por ser levado por forças geoestratégicas mais firmes a virar-se para a França e para Rússia. Tarde demais, fazendo a Europa perder tempo. Teve a arte de errar no que errou mas errar igualmente na forma como acertou. Errou ao apoiar a adesão turca agastando internamente o próprio SPD e a sua ala feminina sobretudo, mas igualmente as suas bases, errou ao atrasar a construção da Europa, errou ao apoiar a Rússia, não por a ter apoiado, mas por ter maculado qualquer apoio à Rússia pela forma como o fez.

Blair não mudou a esquerda francesa igualmente.

Então que esquerda europeia mudou Blair? A latina. Tão simplesmente a latina. Mas isto porque os países latinos (Portugal, Espanha e Itália) vivem um período, uma moda de atracção anglófila. A prosperidade espanhola foi preparada por um socialista que nada deveu a Blair (Gonzalez) e seguida por um conservador que nada aprendeu com ele (Aznar). E na Itália nada ensinou a Berlusconi quanto a liberalismo, e Prodi sempre foi um pragmático, um tecnocrata (pouco mais é aliás).

Mudou, não a esquerda europeia, nem sequer a latina nas suas políticas, porque essa mudança veio de factores endógenos ou da pressão mundial e europeia, mas apenas os afectos e o discurso da esquerda latina. Porque Blair é o político dos afectos e do discurso. Pouco mais.

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