quarta-feira, 30 de maio de 2007

O Beijo

O beijo que ele deu a Maureen O’Hara em The Quiet Man é o arquétipo de todos os beijos. É mesmo, neste mundo de cópias e simulacros, a única “forma platónica” a ter descido do mundo das ideias à conspícua caverna em que habitamos. No caso, o do beijo entenda-se, a caverna é irlandesa: há lá fora uma tempestade homérica, um relâmpago despedaça a escuridão e ele, Sean Thornton, num movimento redondo e olímpico, puxa para si o indomável corpo e a ruiva cabeleira de Mary Kate. Os lábios encontram lábios e um daqueles ventos, que só um grande filme romântico pode dar-nos, faz estrondosamente bater todas as portas. Poderíamos nunca mais ver mais nada, poderíamos nada ter visto antes, bastava esse beijo em Innisfree. Deu-o John Wayne a Maureen O’Hara, num dos melhores filmes de ambos e num dos melhores filmes dos 20 melhores filmes de John Ford. Evoco a cena para comemorar o centenário do nascimento de Wayne. Sem mais efusões e sem mariquices como ele gostaria.
E ponho-me a pensar se o Pedro Bandeira Freire, fundador dos cinemas Quarteto, também o homenagearia com esta cena. É o que lhe vou perguntar amanhã, 5ª, no Corte Inglês, quando às 19:00 apresentarmos, com a ajuda da Mafalda Mendes de Almeida, o seu livro “Entrefitas e Entretelas”. É no 7º andar e vai lá estar meio mundo e um belo circo mediático. O livro é dele, mas Fellini, esteja onde estiver, vai morrer de inveja por já não poder filmar as histórias de mulheres, as histórias de homens, as histórias de cama, as histórias de copos que neste livro se cruzam. São histórias de Lisboa que não tem nenhum Fellini para a filmar, mas tem o Pedro para a evocar.

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