Ainda a democracia na América
Não resisto a entrar na conversa. Sem negligenciar a inspiração do Miguel, mas em diálogo próximo com o Pedro.
Começando pelo registo de interesses, assumo que estou com o Pedro na atenção a tudo o que prometa ser politicamente novo e assim reabilite a exaltação de fazer e viver a política. Como assumo que partilho com o Pedro o sonho de recuperar o "sentido de premência e acuidade" do debate político.
Mas, concordando embora na essência do que importa, pergunto-me se não há uma evidente condescendência na assunção de que ao novo basta a emoção e de que ao emocional se dispensa o substantivo. Não será essa pretensa linearidade demasiadamente simplista? E, nesse simplismo, não será sobretudo facilitista?
Obama é um excelente pretexto de reflexão. É manifesto que exalta, mobiliza e desafia. Como é patente que traz um sopro novo à arena política. No plano da emoção, faz a diferença. Mas o que propõe efectivamente como modelo de vida e de desenvolvimento? Percebemos o registo e o estilo, mas quais as "policies"? Substantivamente, o que poderá ser o seu mandato? No fundo, no fundo, ninguém sabe. Ora, apesar de toda a frescura, confesso que o facto me inquieta.
No âmago das minhas angústias, dou por mim a ouvir o sorriso do Gonçalo Magalhães Collaço, dizendo-me: "coisas de um mundo crescentemente feminino"... Logo a mim, que sou mulher e que continuarei sempre sem entender por que não se pede substância à emoção... A mim, que sou mulher e que só acredito na emoção substantiva porque só nela vejo perspectiva...
Mas, enfim, talvez seja ainda a certeza de tratarmos de um mundo de homens. E, portanto, dos medos que assombram uma emoção com densidade e horizonte.
2 comentários:
Sofia, está na moda, entre as elites bem pensantes, dizer-se que Obama não tem ideias. O seu amigo Pacheco Pereira, por exemplo, não resistiu à tentação de ir na onda. Para os intelectuais do regime, de qualquer regime, parece sempre mais inteligente recusar o apelo das grandes vagas populares. Não vá alguém pensar que não pensam pela sua própria cabeça.
Eu, seguramente mais ignorante que os demais, é que não encontro diferenças substanciais entre, por exemplo, as propostas de Obama e Clinton, que justifiquem a tese. Por uma simples razão: em termos de conteúdo são quase iguais. Da saúde, à emigração, do ambiente ao aborto, do Irão ao Iraque (aqui com a diferença de se notar maior coerência no pensamento de Barack).
Posto isto, porque é não se acusa Hillary de ser falha de ideias? Será que a (muito eficaz)glorificação da sua «experiência» deve ser considerada razão bastante para que a dispensemos de fazer prova de um programa político muito original, ao contrário do que se exige a Obama? Não será mais razoável concluir que, perante um consenso democrata em torno das questões essenciais, a diferença se faz pela forma e pelo estilo. E que a forma e o estilo contam? E que se contribuem para recuperar alguma da nobreza perdida da política, então já teremos ganho qualquer coisa?
Sofia,
Concordando com a necessidade de, em política, se articular a emoção e a razão (é esse o lugar da ética, propriamente dita), julgo que será - hoje, mais do que nunca - ingénuo pretender "vê-lo" numa campanha eleitoral, sobretudo quando estas remetem, como hoje em dia remetem, para uma espectacularidade mediática que nada tem a ver com o antes e com o depois, sendo que é sobretudo no decurso mais prolongado do cumprimento de um mandato popular que governantes e governados terão de encontrar-se - e desencontrar-se - nesse caminho da construção do ser humano a partir de um determinado lugar.
Parece-me, nesse sentido, muito significativo que, do post sobre a "política na América", há uns dias lançado pelo Miguel Maduro, se tenha já evoluído para os posts sobre a "Democracia na América", onde o Pedro e a Sofia necessariamente nos remetem para o que dizia Alexis de Toqueville, nomeadamente a necessidade de uma sociedade civil "barulhenta", isto é, independente, forte e interveniente.
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