sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Vetos presidenciais e a feição moderna da "descontinuidade parlamentar"

A tradição dos parlamentos - vinda de Eduardo I e assumida pela teoria prática de séculos - é a tradição da descontinuidade. Isto é, os parlamentos não funcionavam continuamente - viviam com hiatos, férias e interrupções. A experiência traumática dos parlamentos em funcionamento contínuo - os long parliaments da revolução inglesa ou a "convenção" da revolução francesa - aconselhavam períodos relevantes de paragem. O envolvimento dos membros do legislativo nas tarefas diárias do executivo, cuja vida acompanhavam ou pretendiam acompanhar ao milímetro, tinha como resultado o arbítrio e a opressão. Por um lado, pelo estrutura plural e compósita do órgão parlamentar; por outro lado, pela ligação directa aos representados, de cujo voto dependiam. O executivo, apesar de tudo, tinha [...]

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quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Telegramas

Há muito, muitos anos, numa terra distante e quando ainda havia “correios, telégrafos e telefones”, um jornalista inglês mandou um telegrama ao agente de Cary Grant perguntando-lhe: “How old Cary Grant?
Acidentalmente, e como só nesse tempo acontecia, o telegrama acabou por cair nas mãos do actor que, com panache e de coração ao alto, respondeu: “Old Cary Grant fine. How you?”.
[...]

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O estado da Arte

Estando em Veneza visitei a Bienal de Arte e, em particular, a sua exposição principal: Think with the Senses - Feel with the Mind. Art in the present tense. A fazer fé em Veneza não me parece em muito bom estado o estado da arte! No geral, vi uma arte de umbigo ou assente em mensagens políticas maniqueístas. A arte sempre foi profundamente política e, até, subversiva. O que é notório, no entanto, na bienal de Veneza é que a arte se parece hoje esgotar na política. Não se sustenta enquanto arte mas sim através da adesão ou oposição que provoca a mensagem política que veicula. Por detrás das provocações sem substância, a grande maioria dos artistas representados em Veneza parece incapaz ou receosa de nos desafiar. Preferem antes o refúgio que lhe garantem os adeptos da sua mensagem política mais do que da sua arte. É uma arte que não permite várias leituras nem transmite a complexidade do mundo, antes se satisfaz em tomar posição. Eu tomo posição contra esta arte.

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III. Heidegger. Platon: Le Sophiste. Paris, Gallimard, 2001

Bochenski, na sua “História da Lógica formal” queixava-se da tendência que tinha a lógica actual de se limitar à simples manipulação algébrica. Repare-se que falamos de alguém que era tudo menos ignorante da riqueza da lógica matemática actual. No entanto, não posso deixar de lhe dar razão. Embora ficasse satisfeito que o homem público conhecesse regras de lógica elementares, a verdade é que não posso deixar de deplorar um fenómeno bem mais minoritário, mas não menos preocupante, que é o seu paralelo, o da especialização meramente algebrizante na lógica matemática. A passagem por Heidegger obriga-nos a repensar estruturas como a negação e a afirmação, género, espécies. Pensamento que mesmo sob o ponto de vista da lógica matemática não será in[...]
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quarta-feira, 29 de agosto de 2007

II. Heidegger. Platon: Le Sophiste. Paris, Gallimard, 2001

Vejamos apenas alguns pontos curiosos da obra.

O grande problema do “logos” é o da verborreia (p.33), a capacidade que tem a palavra se de tornar falsa, encobridora da verdade. A letra mata o espírito vivifica, diria São Paulo. Que a palavra possa ser falsa, que o “logos” possa encobrir, é verdade que poucos enfrentam com coragem. A nossa época em que a palavra se multiplica, e tudo invade devia-nos levar a pensar duas vezes antes de falar... ou escrever.

A tese de Antístenes de que só é verdadeiro o tautológico, o A é A, mostra uma tentação de todas as culturas para o monolitismo. É o pensamento islâmico do Deus sem associados. Expressão simples, aparentemente sem risco de incoerência, mas falhando no teste da realidade e no te[...]
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Salazar

Não sou, confesso, um fã de Jaime Nogueira Pinto. Não me revejo na sua visão do Mundo, muito menos nas suas opções políticas. Dito isto, é justo que se diga que este seu «Salazar - O outro retrato» é um livro notável a vários títulos. Desde logo porque Nogueira Pinto consegue fazer, em pouco mais de 200 páginas, uma síntese cultivada e inteligente do pensamento político de Salazar e um retrato razoavelmente desapaixona[...]

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terça-feira, 28 de agosto de 2007

Os radares

Os portugueses, já se sabe, não têm um grande sentido comunitário. Basta olhar para os jardins, paredes e espaços públicos um pouco por todo o país. Basta analisar o número, a representatividade e a vitalidade das associações cívicas, dos «think tanks», dos movimentos de cidadãos que, de resto, praticamente não existem. Culturalmente estamos nos antípodas da tradição anglo-saxónica que Toqueville tão bem descreveu. Verdade?
Nem sempre. Aparentemente há portugueses que resistem. Que, parafraseando Manuel Alegre, não se deixam calar. Que se indignam, se organizam e protestam. Só é pena que este tipo de movimentos nasçam pelas razões erradas. Ou não encontrará esta gente nada melhor para se indignar do que uns radares [...]

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I. Heidegger. Platon: Le Sophiste. Paris, Gallimard, 2001

É certo. Para o homem público o aoristo é um problema dermatológico. E não lhe passa pela cabeça que um espírito rude seja uma categoria gramatical. Ouvindo a expressão apenas sorri, pensando que finalmente foi consagrada sob forma livresca a sua história familiar.

Não estou preocupado aqui em desenvolver as implicações filosóficas desta obra de Heidegger. Mas apenas e mais uma vez a falar da Europa. É muito fácil ao analfabeto proferir inanidades sobre o que é a Europa. O meu papel tem sido o da demonstração de uma tese muito simples. Por forma a que fique claro que a imensa maioria das pessoas que dissertam sobre a Europa apenas proferem flatus uocis.

É evidentemente impossível percorrer todas as fontes europeias. Não[...]
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domingo, 26 de agosto de 2007

Eduardo Prado Coelho

Há pouco mais de um ano, na editora “Guerra e Paz”, depois de ter conseguido que Agustina, num livro intitulado “Fama e Segredo na História de Portugal”, escrevesse 12 histórias sumarentas, de Viriato a Salazar, desafiei Eduardo Prado Coelh[...]

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sábado, 25 de agosto de 2007

Para nos continuarmos a entender...

"Se há algo que permite dizer que os homens são feitos para se entenderem não é o saber que trocam nas salas dos colóquios universitários, nem a racionalidade com que argumentam e provam as diversas configurações da verdade. Se há algo que permite dizer que os homens são feitos para se entenderem, é a morte. Sobre a morte não há muito que pensar (recomendava Spinoza). Mas é a partir da morte que tudo se pensa: as flores e as gárgulas, deus e os búzios da praia, o mar e os estalidos nocturnos das madeiras…"
Eduardo Prado Coelho

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O icebergue

E de repente uma verdadeira legião de virgens ofendidas pôs-se a vociferar, indignada, com o caso do alegado financiamento ilegal da Somague ao PSD. Como se o caso fosse único ou surpreendente. Como se o financiamento em causa, pelos seus contornos e dimensão, não fosse simplesmente patético quando devidamente contextualizado. Como se não fosse um exemplo entre muitíssimos que todos sabem existir. Como se estas virgens púdicas tivessem acordado agora para essa realidade sinistra que há muitos anos mina a qualidade da democracia portuguesa que é o financiamento ilegal dos partidos políticos. Como[...]

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sexta-feira, 24 de agosto de 2007

V. La Proporción Áurea, La Historia de Phi, El Número más Sorprendente del Mundo; Mario Livio, ARIEL, 2006

O tema não se pode esgotar e em última linha talvez seja assim porque a matemática lida com os limites poéticos do ser humano. Descoberta e invenção são em última análise problemas poéticos e a sua destrinça gera iguais problemas na arte e na matemática. A cultura em que vivemos, desgraçadamente fragmentada, deixa muitos campos por estudar. Todo um campo que está por estudar, o do estilo na matemática, porque os matemáticos em geral ignoram retórica. Hamilton, o romântico, não escreve da mesma maneira que Laplace, o clássico (Félix Klein foi dos poucos que começou a abordar esta questão). Mas igualmente os das profundas estruturas matemáticas da poesia, que têm sido deixadas nas mãos de fraudes pseudo-estruturalistas (a velha inépcia de Júlia[...]
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quinta-feira, 23 de agosto de 2007

IV. La Proporción Áurea, La Historia de Phi, El Número más Sorprendente del Mundo; Mario Livio, ARIEL, 2006

O autor mostra-se muito prudente ao deitar fora todo este tipo de demagogias. Nem tenta encontrar fora do mundo grego ou europeu grandes avanços sobre o número Phi, nem se mostra crédulo perante as três mil teorias que sobre ele se quiseram construir.

O número Phi é uma das mais fascinantes constantes da matemática. Um pouco menos conhecido que e ou pi é no entanto igualmente misterioso, pela variedade de ligações que permite estabelecer. Proporção criada pelos gregos, é a razão que existe num segmento de recta, dividido em duas partes (desiguais), entre a parte maior e a menor, que tem de ser igual à que existe entre a totalidade do segmento de recta e a parte maior. Irreleva agora a configuração matemática da coisa, e a habilidade ge[...]
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O deserto dos tártaros






Cheguei a Dino Buzzati através da meritória «Ficções» de Luísa Costa Gomes. O conto, magistral, que primeiro prendeu a minha atenção dá pelo nome de «Sete Andares» e narra a vida de um homem que e[...]
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quarta-feira, 22 de agosto de 2007

III. La Proporción Áurea, La Historia de Phi, El Número más Sorprendente del Mundo; Mario Livio, ARIEL, 2006

Se bem me lembro, Eco, no Pêndulo de Foucault, lembra que os fascinados com as estruturas matemáticas fantasiosas que encontram nas pirâmides apenas escondem o que de mais importante existe. A existência destas estruturas matemáticas. Mais importante que isso, o facto de haver uma correspondência entre o espírito e o corpo que a matemática consegue muitas vezes traduzir.

Que realidades externas possam ser objecto de equilíbrios internos, e possam por eles ser traduzidos, até certo ponto não me espanta. Teríamos ser incapazes de sobrevivência se tal não acontecesse. Se a inadequação do nosso espírito ao mundo fosse tal que nenhuma acção fosse possível. Mas que exista uma tal consonância, por mais imperfeita que seja a sua formulação, en[...]
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terça-feira, 21 de agosto de 2007

II. La Proporción Áurea, La Historia de Phi, El Número más Sorprendente del Mundo; Mario Livio, ARIEL, 2006

As pessoas tendem a confundir várias realidades diversas. Uma coisa é a estrutura matemática das realidades, outra ainda é a sua apercepção prática. Mas, mais importante e a anos-luz de quaisquer duas, é a sua compreensão matemática enquanto tal.
Não há matemática sem algoritmo consistente, ou sem demonstração. A última é criação grega e só grega. O primeiro foi o resultado de uma sedimentação que só se encontra desenvolvida desde a Idade Moderna na Europa. Fora da Europa encontramos sofisticação. Os árabes, os chineses e os persas nomeadamente. Encontramos vislumbres de génio entre os chineses, os Maias, os babilónios. Génio consistente apenas encontro [...]
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segunda-feira, 20 de agosto de 2007

The Isle of Innisfree

"Is that real? She couldn't be."

"A fine, soft day in the spring it was when the train pulled into Castletown -- three hours late, as usual -- and himself got off."
Terra e tempo de visões. Nem o milho era transgénico, nem o pano da vergonha cobria o rosto de quem fazia aquilo em que acreditava.
Como diria um dos homens de Innisfree: "He'll regret it 'til his dying day, if ever he lives that long."

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Meridiano de Sangue


Continuo a minha peregrinação por Cormac McCarthy. «Meridiano de Sangue» é a história negra da expansão americana para Oeste, narrada através da deambulações de um grupo de caçadores de escalpes pela fronteira entre o México e os EUA . É, como seria de esperar, um romance de uma invulgar crueza. «Encontraram os batedores desaparecidos pendurados de cabeça para baixo dos ramos de uma árvore de paloverde enegre[...]
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Liberdade geneticamente modificada

Por razões que não vêm ao caso, passei os últimos dias em casa, mais disponível para a televisão. Desde o primeiro minuto que fiquei estupefacto com a vandalização do campo de milho transgénico em Silves. E mais estupefacto ainda com a complacência dos media e, em particular, das televisões. E com a passividade das autoridades e do Governo em particular.
Tive agora oportunidade de visitar, com efeitos retroactivos, o Abrupto e o Bloguítica. Trabalho notável de cidadania que, por estes dias, ali se fez. De resto, como tem sido timbre de ambos, de há muito a esta parte.
Não restam dúvidas de que a blogosfera é hoje um dos suportes da cidadania e da democracia.

A propósito, a luta contra os transgénicos é legítima e a discussão em torno deles é salutar. Mas a invasão da prop[...]

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I. La Proporción Áurea, La Historia de Phi, El Número más Sorprendente del Mundo; Mario Livio, ARIEL, 2006


A criança de três anos diz “dois”. Os pais entusiasmados chamam toda a vizinhança, e telefonam à família. A criança é um génio, está demonstrado. De uma só assentada a cri[...]
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Salvos pelo FED e pelo BCE?

Os problemas dos mercados bolsistas que estamos a atravessar são demasiadamente complicados para breves palavras. Mas algumas conclusões interessantes se podem já retirar. A mais importante é inegavelmente que as lições da crise de 1929 estão a ser seguidas. O que os dois principais bancos centrais do mundo ocidental – o FED e o BCE – estão a fazer decorre directa e explicitamente dessas lições.

Em 1929, a então recém criada Reserva Federal norte-americana nada fez para ajudar os mercados bolsistas, vítimas de pânico generalizado. Isso agravou a crise financeira, que rapidamente contagiou a economia e, em particular, o emprego. O FED não tinha os meios de que dispõe hoje, mas também seguia uma filosofia diferente, de não intervenção. Isso já não é assim, uma vez que se sabe que[...]

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domingo, 19 de agosto de 2007

Marshalltown, Iowa


Foi concebida, nasceu e casou em Marshalltown, Iowa.

Hoje por hoje, o meu Urgeist. Bonjour tristesse!

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Desabafos de Verão (I)


Começo as minhas férias. Finalmente. Com elas, vem o tempo para desabafos que a pressa dos dias cheios vinha adiando. Quase calando, afinal.

O primeiro c[...]
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terça-feira, 14 de agosto de 2007

II. San Benedetto e l'Italia del suo tempo, Luigi Salvatorelli, Editori Laterza, Roma 2007

A questão é a de saber que sementes ele deixou, que deixam marca nos séculos, e ainda hoje nos marcam.

Pensemos numa instituição que assumiu a função de museu, universidade, hospital, centro de investigação, zona de experimentação económica. Centro de excelência de gestão, ponto de difusão de cultura, mecenas das artes, letras e investigação científica, zona de segurança física das pessoas, asilo, planeador e executor de grandes obras... O elenco não tem fim. Qual instituição hoje em dia se pode arrogar de ter esta multiplicidade de funções? Pode-se dizer que na altura mais ninguém o fazia. Ideia falsa, mas aceitemo-la para efeito de argumentação. Mas que alguém o tenha feito, e não tenha deixado despida a sociedade de possibilidades d[...]
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segunda-feira, 13 de agosto de 2007

I. San Benedetto e l'Italia del suo tempo, Luigi Salvatorelli, Editori Laterza, Roma 2007

Quando vi o então cardeal Ratzinger assumir o nome de Bento XVI apenas me pude sorrir. É sempre difícil adivinhar porque um papa assume um nome. Raras vezes isso é oficialmente explicado (tirando o caso dos papas João Paulo) e mesmo que o seja, as últimas razões que os levam a escolher este e não aquele ficam com ele. Mas que o nome de Bento seja escolhido por um homem com tão vasto conhecimento da cultura europeia apenas poderia ter um significado: escolheu o patrono da Europa.

São Bento pertence a um vasto conjunto de santos cujo nome não foi esquecido, mas que suscita fraca devoção hoje em dia. Em boa verdade trata-se de uma personagem cuja obra suscitou sempre mais ent[...]
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sábado, 11 de agosto de 2007

Entretanto, algures nos Açores...


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Comentário a «O Lugar da Democracia» em Abusiva Forma de «Post»

A citação feita pelo João Luís Ferreira no seu «post», «O Lugar da Democracia», do tal Ministro que afirmava, na televisão, a propósito duma luta de gangs, tal não dever ser possível suceder em democracia, afigura-se-me espelhar bem a confusão a que chegou o dito «pensamento político» da actualidade em resultado exactamente da demissão ou recusa de pensar além do mero «pensamento ingénuo», o pensamento que a todos e a cada um dado à nascença, a todos imediatamente acessível, daí resultando também a não menos actual incapacidade de correctamente entender já sequer o real significado de um conceito tão simples como o de «democracia»: o governo do povo, da maioria, como uma das três formas puras que os regimes políticos podem assumir. Tão só isto, apenas isto e[...]
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sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Breve apontamento sobre a entrevista de Pinto da Costa à SIC


Da entrevista de Jorge Nuno Pinto da Costa à SIC não retive o conteúdo. Confesso que não fui sequer capaz de ouvir muito - não me interessa nada.
Mas registei o clima. O charme [...]
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quinta-feira, 9 de agosto de 2007

IV. O mérito

Mais outro vício, porque o que é expulso por uma porta aparece por uma janela. As teorias racistas apenas poderiam nascer em solo anti-aristocrático, como se pode ver pelo fenómeno nazi e fascista.

Se os exemplos históricos de meritocracia estão bem longe da democracia não é por acaso. É que a que se atribuiu mérito, quem atribui o mérito, e a quem se atribui mérito são mais factores de uma cultura que de um regime político. E quem detém esse mérito tem-no sempre em grande medida por causas que não escolheu: uma aptidão, uma inteligência, uma visão, uma atitude perante a vida cuja genética e educação desenvolveram.

Porque aqui entra a terceira faceta da meritocracia. A primeira está no que cada um leva, a sua genética, a sua edu[...]
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Sic transit gloria mundi

Choca-me de sobremaneira a violação do segredo de justiça no caso Maddie. Mas choca-me ainda mais o silêncio dos "media" e dos "profissionais" quanto a essa violação. Todos os dias a Polícia Judiciária parece alimentar novos cenários, todos eles com imenso "piri-piri" mediático. Ou os órgãos de comunicação social - em delírio de fome noticiosa de Verão - mentem ou a polícia não honra os seus compromissos. Tudo é ainda mais impressionante quando substantivamente as notícias andam à volta do círculo íntimo da criança. Pobre país - ou pobre mundo - este em que se perdeu por completo sentido da dignidade pessoal e institucional.

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quarta-feira, 8 de agosto de 2007

III. O mérito

Uma cultura pode dar imenso valor ao mérito (os príncipes da Renascença são disso bom exemplo) sem ser democrática, e muitas democracias menosprezam muitas formas de mérito (para simplificar, nos países anglo-saxónicos, os pensadores, artistas e escritores são menos valorizados, nos países latinos o mesmo se passa com os cientistas e homens de negócios). É a Inglaterra menos democrática por atribuir menos importância pública aos seus escritores e pensadores ou a França menos democrática por esquecer os seus imensos cientistas?

As democracias recolhem a ideia de mérito, porque todos os regimes recolhem a ideia de mérito. Cada um o faz de forma diversa. Nada mais trivial que isto. A Inglaterra nada democrática do tempo de Haendel dá tant[...]
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terça-feira, 7 de agosto de 2007

TAP e FCP: um comentário incidental

Em plena silly season, os meios de comunicação resolveram dar um assinalável destaque às atribulações por que passou o vôo Amesterdão-Porto-Lisboa, que acabou por ser um simples vôo directo Amesterdão-Lisboa. Vôo esse que, por entre vicissitudes várias em terra e no ar, se prolongou por dez horas.
O caso chamou-me a atenção, não enquanto adepto portista, mas enquanto utilizador frequente da TAP e, em especial, do "corredor da discórdia" Porto-Lisboa, Lisboa-Porto. E devo dizer, para que conste, que, de há vários meses a esta parte, não há pior serviço que o da TAP. Não há um vôo no horário. Foi instituído o princípio de que o avião só arranca quando estiver cheio (ou, como sucedeu no referido caso, mais que cheio). Não há mala que se encontre. As portas de embarque mudam. Os autoca[...]

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II. O mérito

Em primeiro lugar, a que se atribui mérito? À coragem guerreira, à inteligência, à capacidade estratégica para os negócios, à profundidade mística? Por uma ou por outra via facilmente vemos que existe em todas as qualidades a que atribuímos mérito um elemento de esforço pessoal. É inegável. Mas os dados de base não nos foram dados.

Se o mérito for uma qualidade democrática, porque razão quem tem uma genética de maior inteligência, estando por isso favorecido pelo destino, pode ter mais mérito que o aluno que se esforçou duas vezes mais mas nunca há-de perceber o mais elementar teorema de topologia? A imensa maioria das pessoas que estudaram muito mais matemática que Leibniz não lhe poderão chegar nunca aos calcanhares.

Muitas pe[...]
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O futuro do WSJ

A compra do WSJ pelo Sr. Murdoch (sobre a qual José Manuel Fernandes assina hoje um artigo notável no Público) é um enorme acontecimento no panorama mediático mundial. Arrisco-me mesmo a dizer que, nos próximos meses, o WSJ vai ser um laboratório de teste para as grandes questões com que hoje se depara a imprensa. A saber:
- Qual o efectivo valor da «qualidade» (leia-se rigor e isenção na informação, credibilidade, «expertise», capacidade de investigação) na imprensa? Continua válido o modelo dos jornais ditos de referência que apostam nesses valores para encontrar um mercado (ou um nicho de mercado) que os tornam projectos editoriais rentáveis e de sucesso? Existe ainda um mercado para a qualidade? A credibilidade compensa, quanto mais não seja a prazo?
- Qual o efectivo valor [...]

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segunda-feira, 6 de agosto de 2007

A Europa dos pobres

Às vezes dou por mim como sendo a única pessoa que neste País ainda fala dos Fundos de Coesão da União Europeia (ver post anterior a este). Faço isso porque a teoria económica e alguns trabalhos empíricos me convenceram sobre a capacidade dos fundos para ajudar o crescimento dos países mais pobres da EU. Na verdade, apenas conheço estudos aplicados aos casos da Irlanda, da Grécia e da Espanha, onde se conclui que o impacto dos fundos foi amplamente positivo. Não me lembro de nenhum trabalho sobre os efeitos dos fundos de coesão para o caso português embora, indirectamente, Alfredo Marvão Pereira e associados apontem para efeitos positivos do investimento público e por isso também dos fundos europeus.

Como tenho sempre dúvidas e frequentemente me engan[...]
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Lealdade, Fidelidade e Mérito

Um dos nossos problemas é termos transformado aquilo que pode ser uma virtude privada (a fidelidade) num critério de organização social. Não se deve confundir a lealdade (que é uma virtude pública) com a fidelidade (uma virtude privada que se transforma num vício quando aplicada no domínio público). A lealdade admite a discordância e promove o mérito. A fidelidade impõe a subserviência e dissemina a mediocridade. E, já agora, talvez seja bom recordar aqueles que promovem a fidelidade que ela não deve ser confundida com amor… Onde há amor pode esperar-se fidelidade mas nem sempre da existência de fidelidade se pode deduzir a existência de amor….

Vem isto a propósito dos posts anteriores que me tr[...]
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I. O mérito

Existe uma ilusão, a de se considerar que o mérito é uma instituição democrática. Não é assim.

A primeira democracia, a ateniense (deixemos esta premissa na sua nua simplicidade) baseava-se sobretudo no acaso, o sorteio, para a escolha dos representantes. O mérito era deixado a apenas algumas funções o de natureza técnica e militar.

Ainda hoje em dia, e estruturalmente, a democracia baseia-se na escolha pelo povo. Será que esta escolha tem algo a ver com o mérito? Não haverá pessoas de maior mérito muitas vezes em pequenos partidos que não são escolhidos apenas porque pertencem a pequenos partidos? A própria escolha democrática se opõe necessariamente à[...]
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domingo, 5 de agosto de 2007

A propósito do ‘caso Dalila Rodrigues’

Quase tudo foi escrito e dito. Tentei ler e ouvir. Até as derivações inusitadas de alguma opinião que me habituei a considerar e respeitar…
Por mim, em rigor, não tenho nada de decisivo a acrescentar sobre o caso. Não conheço toda a história, não conheço os pormenores, não conheço as pessoas. Poderia, evidentemente, raciocinar com base na minha própria pré-compreensão dos factos, assumindo as premissas de que partiria. Desde logo, a presunção legítima de não tomar uma respeitada professora catedrática, com nome, obra e carreira, por pessoa imatura, leviana e irresponsável, capaz de desrespeitar, com ligeireza, e movida por uma qualquer ânsia de protagonismo, o quadro de actuação institucional aplicável ao exercício das suas funções. Como também a presunção,[...]
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O Euro de Sarkozy

Porque é que Sarkozy fala agora do governo económico do Euro? Por ser francês, dizem alguns, querendo com isso implicar que naquele pais o Estado e o centralismo económico prevalecem sempre. Mas, então, porque é que Chirac não trouxe esse tema para a agenda? O paradoxo é resolvido, penso eu, se for tido em consideração que o que o novo Presidente francês quer de facto é relançar o aprofundamento da integração europeia e que isso passa por lançar a ideia do governo económico europeu. Sarkozy, aliás, logo no dia seguinte à eleição, mostrou a sua faceta europeísta ao revelar que dava mais importância ao novo Tratado a 27 do que à forma como ele deveria ser ratificado. Mas vejamos algumas destas questões por partes.

A unificação das moedas que hoje fazem o Euro resultou acima de tu[...]

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Ensino

Quando em férias, há uns dias, li de relance um debate neste blog em que a certa altura o Nuno Lobo Antunes dava a sua concordância com a frase, tornada ditado popular, que diz que “quem sabe faz, quem não sabe ensina”. Na altura não tive tempo para reagir e agora apetecia-me discordar dessa ideia.

Ensinar é obviamente uma ocupação importantíssima e muito do que cada um de nós é decorre da aprendizagem ao longo dos vários ciclos de ensino. Dou o meu exemplo: porque tive um óptimo professor de Matemática no Liceu, consegui fazer um curso de Economia com maior facilidade pois essa disciplina nunca foi para mim um bicho-de-sete-cabeças. Porque não tive praticamente educação musical (ninguém a teve na altura) e tive professores péssimos de desenho, sou um[...]
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A estrada


Há anos que tenho discussões verdadeiramente épicas com o meu amigo Domingos Amaral. Não concordamos em nada. Do Benfica ao cinema, da política à música, da literatura a um alegado desnível permanente que ele jura existir entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Se ele diz branco eu digo preto, se eu aplaudo, ele apupa, e aí por diante. É dessa inesgotável capacidade de discordância, e da imensa tolerância que a acompanha que é,[...]
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Mediocridade Cultural

A Ministra da Cultura prossegue a sua cruzada contra todos os que vão tendo o supremo desplante de se erguer acima da mediocridade generalizada. Depois da Cinemateca, do São Carlos, agora a o Museu Nacional de Arte Antiga.
«Em terra de cegos quem tem um olho é rei», diz o ditado. À falta de uma visão para a Cultura a Ministra vai-se rodeando de ceguinhos. É uma forma peculiar de fazer política...

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quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Da teoria da prática a algumas questões práticas da teoria

O meu texto anterior provocou uma série de reacções tendo transbordado, como notou o Paulo Rangel, para a relação entre teoria e prática. Acontece que, na minha opinião, sendo a distinção entre teoria e prática importante a dicotomia e oposição entre elas deve ser combatida. Perdoem-me o cliché de dizer que não há boa prática sem teoria nem boa teoria que não se traduza (ou comprove) numa prática. Sendo um cliché não deixa de ser largamente verdade… Dois exemplos (práticos e não "teóricos"...), na política e na universidade, com base nos comentários feitos:.

1 – Na política: a inconsistência das nossas políticas a que a Inês Dentinho faz referência é tanto produto da substituição da ideologia pel[...]
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