domingo, 26 de agosto de 2007

Eduardo Prado Coelho

Há pouco mais de um ano, na editora “Guerra e Paz”, depois de ter conseguido que Agustina, num livro intitulado “Fama e Segredo na História de Portugal”, escrevesse 12 histórias sumarentas, de Viriato a Salazar, desafiei Eduardo Prado Coelho para fazer um livro de risco sobre um conjunto de objectos e conceitos que definem o que é, irrefutavelmente, ser português. Desse convite resultou “Nacional e Transmissível”, o último livro que publicou em vida. Do bacalhau ao pastel de nata, do mar do Guincho à saudade, do fado aos diminutivos, Prado Coelho inventariou, e as palavras são dele, “um certo número de tópicos que correspondem a realidades específicas daquilo que se designa como ‘ser português’”.
Prezo muito o livro de Agustina e prezo muito o livro do Eduardo. Mas se com Agustina era já o terceiro livro e a empatia era um dado adquirido, com Eduardo Prado Coelho era a primeira vez, sendo claro que conhecendo-nos há muito, e sem prejuízo de uma cordialidade distante, não era liquido que as nossas tão distintas idiossincrasias resistissem à experiência. Resistiram. Melhor, a forma tão pessoal como o Eduardo “atacou” os diferentes tópicos do livro desarmou-me . Tinha-lhe pedido um “livro de ideias” e ele presenteou-me com uma obra muitas vezes íntima e confessional. Mas há mais e eu, tenham ou não paciência para ler, vou contar-vos.
O Eduardo era vizinho da Guerra e Paz. Ali ao lado moram ou escrevem Lobo Antunes, o Rui Zink, tal como desenha o Vilhena. Todos a resistir no degradado Conde Redondo. De repente, ele, o Eduardo, e a Maria Manuel passaram a ser visitas regulares da editora. Vinham ao cafezinho que temos para todas as visitas e aos pastéis de Belém que íamos comprar a correr só para eles. E discutiam o lay-out do livro com o Luis Miguel Castro – definitivamente o meu “gráfico” preferido – dando-lhe quase sempre o imprimatur de que o Luís precisava.
A mim, o Eduardo deu-me ainda mais. Deu-me uma lição de tolerância, e de paz consigo mesmo, que me fica como referência. Completamente consciente da doença que o consumia, delirante e lucidamente optimista na impossível batalha que travava, o Eduardo atirou-se para o lançamento do livro no “Lux” – escolha dele, claro, incapaz que era de resistir a cumplicidades antigas – e aceitou fazer um périplo de entrevistas que, entre Imprensa, Rádio e Televisão, o deve ter obrigado, em duas semanas, a correr o mesmo que Carlos Lopes correu em toda a sua carreira. Isto sem contar com a viagem, com outro três autores da Guerra e Paz, para uma simpática sessão na livraria da Coimbra Editores.
Mas mais do que esses sinais exteriores, Eduardo Prado Coelho mostrou-me, nessa altura, o que já no livro me surpreendera. Mostrou-me os sinais interiores de uma riqueza (de uma sapiência) a que, se calhar, só se chega depois de um duro e longo aprendizado. Com ele, de quem dizem nunca ter fugido a uma boa polémica, as conversas fluíam agora no sentido de uma harmonia que não deixava de temperar com uma ironia que juntava mais do que dividia. Muito, muito mais do que o confronto, com o Eduardo Prado Coelho, de quem eu tinha lido o “Reino Flutuante” quando ainda era pouco mais do que um fedelho e de quem vim por acidente, a ser o último editor, reaprendi as regras da convivialidade, do sossego na relação entre seres humanos honestos e decentes, do direito a estarmos de bem com o nosso passado, seja qual for o seu cortejo de amores, de erros e omissões, de virtudes, de fracassos ou de êxitos.
Tratávamo-nos por você. A ele, por vezes, fugia-lhe a boca para o tu, a que a minha reserva beirã nunca se autorizou. Atrevo-me hoje: “Eduardo, espero que te tenham recebido bem. E já sabes, menos do que um café e um pastel de nata, é mandá-los bugiar. Para isso tens a Guerra e Paz, tão feliz para te acolher como Mrs. Muir ao seu fantasma”.



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