terça-feira, 28 de agosto de 2007

I. Heidegger. Platon: Le Sophiste. Paris, Gallimard, 2001

É certo. Para o homem público o aoristo é um problema dermatológico. E não lhe passa pela cabeça que um espírito rude seja uma categoria gramatical. Ouvindo a expressão apenas sorri, pensando que finalmente foi consagrada sob forma livresca a sua história familiar.

Não estou preocupado aqui em desenvolver as implicações filosóficas desta obra de Heidegger. Mas apenas e mais uma vez a falar da Europa. É muito fácil ao analfabeto proferir inanidades sobre o que é a Europa. O meu papel tem sido o da demonstração de uma tese muito simples. Por forma a que fique claro que a imensa maioria das pessoas que dissertam sobre a Europa apenas proferem flatus uocis.

É evidentemente impossível percorrer todas as fontes europeias. Não é um trabalho de uma vida, mas de muitas. Mas tentando analisar todas as dimensões da cultura europeia mostrar que o espaço público é apenas percorrido de inépcias.

Heidegger é por isso aqui apenas mais um exemplo. Mas que ao menos quem fala da Europa saiba os dar. E não ficar pela mera leitura de tratados ou documentos burocráticos. Esses mesmos que se dizem abertos e nada mais sabem fazer senão mostrar o que são: mangas-de-alpaca, pequenos funcionários de alma, por mais pomposos que sejam os seus títulos.

Este livro de Heidegger é francamente divertido. Não me vou dedicar a fazer análises do que tem de relevante sob o ponto de vista filosófico, apenas saliento até que ponto mostra a ingratidão típica de muitos filósofos em relação aos filólogos. E no entanto, percebe-se que a maioria dos trabalhos de base em que assenta o rigor da análise de Heidegger seria impossível sem o trabalho filológico. A sua irritação em relação a Jaeger é nesse aspecto sintomática (Heidegger critica Jaeger, mas afinal reconhece um jovem Aristóteles (p. 456)).

Livro sintomático num outro plano. Duas das obras mais interessantes da filosofia do século XX, esta e a “Ideia de Princípio em Leibniz” de Ortega e y Gassett, fazem um percurso algo estranho. Para chegar a um filósofo (Platão no primeiro caso, Leibniz no segundo), começam por Aristóteles. No caso de Ortega, acaba por nem se quer falar em Leibniz. Aristóteles é revisitado de forma tão intensa que nem ficou tempo para falar de Leibniz. Os arautos do fim de Aristóteles no século XX devem pensar duas vezes antes de dizer tais inconsequências. É inevitável, não se pode passar sem Aristóteles. Por mais burguês que ele cheire, mais escolar (em que sentido?), por mais cinzento de tão científico, ou desprezível de tão pouco científico que o queiram fazer, a sua presença é imensa e inevitável.

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