O futuro do WSJ
A compra do WSJ pelo Sr. Murdoch (sobre a qual José Manuel Fernandes assina hoje um artigo notável no Público) é um enorme acontecimento no panorama mediático mundial. Arrisco-me mesmo a dizer que, nos próximos meses, o WSJ vai ser um laboratório de teste para as grandes questões com que hoje se depara a imprensa. A saber:
- Qual o efectivo valor da «qualidade» (leia-se rigor e isenção na informação, credibilidade, «expertise», capacidade de investigação) na imprensa? Continua válido o modelo dos jornais ditos de referência que apostam nesses valores para encontrar um mercado (ou um nicho de mercado) que os tornam projectos editoriais rentáveis e de sucesso? Existe ainda um mercado para a qualidade? A credibilidade compensa, quanto mais não seja a prazo?
- Qual o efectivo valor da independência? Continua actual a máxima segundo a qual a independência editorial dos grandes jornais face aos seus accionistas, anunciantes e demais «stakeholders» é um garante da sua credibilidade e sobrevivência a prazo?
- É possível continuar a compatibilizar rentabilidade e qualidade (e assim assegurar a independência editorial) num mercado com cada vez menos índices de leitura e ameaçado por novos hábitos de consumo de media?
- E é possível fazer «migrar» estes conteúdos e este modelo para novas plataformas de distribuição? Os jornais de referência, devidamente adaptados ao novo meio, têm um futruro na Internet?
- Continua a fazer sentido o modelo «dualista» do WSJ de separar completamente a informação da opinião, pugnando por notícias factuais e inatacáveis do ponto de vista deontológico e uma opinião com alma e com «causas» conhecidas de todos?
No meu intimo espero que, a bem ou a mal, o caso do WSJ venha a dar razão a todos quantos os que, como eu, acreditam não apenas na sobrevivência deste modelo mas até na sua crescente importância num mundo de «overload» informativo onde são cada vez mais necessários «portos de abrigo» de confiança com capacidade para organizar e prioritizar uma informação dispersa e muitas vezes sem rosto. No meu intimo espero que o Sr. Murdoch saiba perceber a diferença fundamental entre o WSJ e o New York Post ou o Sun. Ou que, não a percebendo, o mercado saiba castigar uma eventual deriva do WSJ.
Mas a última palavra pertencerá, de facto, ao mercado. E nada do que se passar nos distantes EUA será indiferente para o futuro da imprensa em Portugal. Sobretudo num momento em que no mercado se confrontam projectos que apostam claramente no modelo dos jornais de referência (o Nuno Lobo Antunes dirá que nem sempre o fazem com sucesso, eu respondo com a garantia que tentam todos os dias fazê-lo com seriedade e empenho) com projectos que cedem de forma evidente à tentação tabloidizante. Por cá os sinais são animadores (pelo menos no que diz respeito à imprensa semanal). Será também assim nos EUA? Estou confiante que assim será. A bem das nossas democracias liberais.
PS:1 Talvez seja escusada mas aqui fica a declaração de interesses: não escrevo como administrador do Expresso mas também não tenho nenhuma presunção de isenção nesta matéria.
PS2: A «conectividade» não é, infelizmente, o forte da Ilha das Flores. O meu silêncio nos próximos dias tem essa desculpa. E terá, para mim, larguíssimas compensações...
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