Fundamento e encontro I
Algures lembrei que um
dos efeitos da recusa dos fundamentos da Europa era a bipolaridade entre a obsessão
do fundamento e o desvio em relação a ele. Na Europa, quando se recusa o
fundamento o efeito é sempre o do desvio ou o da obsessão em relação a ele. Não
me interessava na altura dar soluções civilizacionais ou filosóficas ou as que
fossem à coisa. Não era esse o lugar.
Mas tenho agora de enfrentar
mais directamente a sua estrutura. Como vê o mundo quem recusa ver fundamentos?
Como se comporta o que ele recusa? O que lhe falta?
Como vê ele o mundo? Com
estreiteza de vistas. O mundo aparece-lhe por ali, pasmado, flutuante, não se
sabe sustentado em quê, e não admite sequer que outros tentem saber. No seu
mundo as portas fecham-se. Não se podem discutir os fundamentos da Europa, por
forma a que em cada momento se possa arbitrariamente dizer o que ela é. Às
Segundas-feiras, Marrocos é parte da Europa, às Terças e Quintas é a Turquia,
aos Sábados talvez seja o Cazaquistão. «Mas o que é a Europa?». «Mas o que é a
felicidade?», «Mas o que é a verdade?». Todas estas perguntas sobre a essência
que se querem fim de discussão bebem de um mesmo modo de estar na vida, que usa
a pergunta como forma de parar o questionamento.
Não é incidente que a
pergunta na maioria das línguas exija uma ênfase sonora. Quando se fala mais
baixo, a ênfase está na interrogativa. «ONDE está o João?». Mas se a pergunta é
feita à distância, se for necessário berrar para alguém nos ouvir, na ênfase
cantamos a interrogativa e modulamos o sujeito: «onde está o JOÃÃÛÛ?». A língua
portuguesa, que não costuma ser muito cantada, neste caso canta, entrega-se à
melodia. Talvez não seja indiferente que assim seja.
Quando é fácil que nos
ouçam, insistimos na interrogativa. A única coisa que temos de salientar é que
estamos a interrogar. O resto do discurso ouve-se naturalmente, e por isso não
é necessário dar ênfase a nada mais. Mas quando estamos a falar com interlocutores
longínquos ou mais duros de ouvido temos de insistir sobre o tema. O tema é o dito
«João» que procuramos e não encontramos.
O que é a Europa, a
verdade ou a felicidade, quando perguntado na intimidade e em elo de verdadeira
comunicação, apenas precisa de dar ênfase ao facto de estarmos a questionar.
Quando falamos ao longe, é o tema que tem ênfase. Quando Pilatos pergunta o que
é verdade, repete um tópico trivial da sua época (e de muitas outras). Quem o
ouve baixo apenas percebe que está a fazer uma pergunta. Quem o ouvisse alto sabe
que não é tanto a pergunta que interessa, mas o tema, o da verdade. E o tema,
no seu caso é mera retórica. Foi desfeito pela própria pergunta. A pergunta não
fez ligação, não quis obter resposta. Quis pura e simplesmente dizer que o tema
existia para ser fechado nesse momento.
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