A insignificância de um gesto tardio
Voltei a Cuba 22 anos depois. Tinha lá estado durante três semanas numa reportagem sobre a oposição a Fidel, dentro da ilha. Levara uma mala cheia de literatura anti-castro e uma lista de cubanos bravos e teimosos que não desistiam da democracia improvável.
Nesse tempo, secavam as verbas da União Soviética e o embargo dos Estados Unidos apertava a níveis que pareciam insustentáveis. O Regime racionava comida e combustível. E defendia as bandeiras da educação, da saúde e da independência como cantil para a travessia no deserto a que chamava «período especial». A Igreja passava a ser tolerada pela obra social e abria-se o caminho para o turismo. Mas sem infecções capitalistas para o Povo.
À saída do avião, fui recebida por um bafo de ar quente e um soldado forrado de armamento. Fiquei no Havana Livre, o quartel de Fidel na Revolução de 1959 e andei pelas casas dos cubanos mais ilustres e desfavorecidos. A reportagem foi capa e conteúdo de toda a revista de O Independente. Estávamos em 1991 e, a par da falência do sistema comunista, havia combate político.
Agora o tempo estava mais ameno e quem me esperava à saída do avião era um grupo de funcionários solícito que apenas quis ver o passaporte, sem carimbar. O Havana Livre foi remodelado e, do tempo da revolução, sobra apenas uma parede com imagens dos soldados sentados no chão com um desenho dos anos 50, entretanto apagado. Um desconsolo.
Há itinerários e praças de Havana recuperados mas a mancha do Património Mundial permanece em pré-ruína. Nos resorts toca-se agora, sem pudor, a música/hino dos dissidentes de Miami: «Quando sali de Cuba, dejé mi vida, dejé mi amor; quando sali de Cuba dejé enterado mi coraçón». Com a mesma indiferença, o homem do táxi leva no rectrovisor um tira-cheiros com a bandeira dos EUA. «Não faz mal?», pergunto. «Ninguém liga», responde. As ruas enchem-se de canadianos, russos e chineses. O Floridita já não é intransponível pelo preço. Nem o dólar e o consumo, para os da terra. Estão autorizados restaurantes privados que usam palácios a cair como cenário de luxo. Há mais carros novos e as velhas «banheiras», que então tinham 30 anos, parecem funcionar melhor com 50, como se fossem mulheres bem recauchutadas. O Turismo massificado mina a politização do Povo. Torna a ditadura e o embargo numa brincadeira dolorosa de gigantes agastados. E faz de Cuba apenas uma peça de leilão na geo-competição do turismo.
2 comentários:
Belo texto!
E ?
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