Os Estados Unidos e as relações especiais
Os ingleses salientam que têm uma relação especial com os Estados Unidos. Ainda noutro dia ouvi um deputado europeu do UKIP britânico afirmando que deveram sair da União Europeia e fazer um acordo com os Estados Unidos, porque o Reino Unido era, não apenas uma grande economia, e um país muito poderoso, como em acréscimo tinha uma relação especial com os Estados Unidos. Não se perguntou-se os Estados Unidos o queriam fazer...
Nem de propósito, poucos dias depois ouço numa televisão alemã um diplomata americano sedeado em Berlim lembrando que os Estados Unidos tinham uma relação especial com a Alemanha. Saliento: desta vez não foi um alemão a dizer que existia uma relação especial – foi o próprio americano que o disse. Não se trata de alguém que se arroga, mas de alguém que o proclama.
Lembro-me também de que nos foi vendido como ouro de lei o facto de haver uma relação especial entre o Reino Unido e os Estados Unidos e de que a prova era a que Blair fora recebido no Congresso americano, honra raramente dada a um político estrangeiro. É certo que a relação é especial: o bilhete custou-lhe biliões de libras na Guerra do Iraque e muitas vidas britânicas. Já pouco tempo depois Sarkozy é recebido no Congresso e depois ainda Merkel. E de graça. O bilhete não lhes custou nada. Relação especial, os ingleses? Sem dúvida. Paga a peso de ouro. Os franceses e alemães entram de graça.
Lembro-me igualmente de termos tido um Governo que teve de lembrar os Estados Unidos de que somos seus amigos, porque eles se tinham esquecido do facto. Realmente, nós portugueses temos uma relação especial com eles.
Mas lembro-me sobretudo do Don Giovanni de Mozart, quando o bom do Leporello, muito lucidamente diz a Dona Elvira:
Madamina, il catalogo è questo
delle belle che amò il padron mio,
un catalogo egli è che ho fatt’io,
osservate, leggete con me.
E que diz ele? Que lê nesse relato?
In Italia seicento e quaranta,
in Lamagna duecento e trent’una,
cento in Francia, in Turchia novant’una,
ma in Ispagna son già mille e tre
Pois é. Todos temos relações especiais com os Estados Unidos, que promete amor a muitas e mesmo outras a quem não prometeu amor se sentem picadas por se dizerem amadas por eles. Critiquei muito certa classe política pela sua origem servil. Pena é que não tenha vindo da seiva de um Leporello, ou que não tenha aprendido com os ouvidos de Dona Elvira. Porque assim lhe cantaria a consciência:
ma in Ispagna son già mille e tre... mille e tre... mille e tre ... mille e tre
Alexandre Brandão da Veiga
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