quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Pós e pobreza I


Pós-cristãos, pós-modernos e pós-industriais. Três ladainhas que ouvimos desgarradas pelos recantos. E, mais uma vez, três discursos que aparentemente nada têm a ver uns com os outros, excretados em círculos diversos, e que por isso nos deixam vislumbrar o que têm de comum, muito mais que o que os diferencia. Em cada campo em que actuam, na análise das civilizações, na filosofia e nas ciências ditas humanas, na economia dão um ar científico, crítico, lúcido ao discurso. Mas, se vistos em conjunto, torna-se mais óbvio de que fragilidades padecem.

Que existe em comum de mais evidente? A expressão “pós”. Não é questão meramente nominal. Une-os o dizerem que vêm depois de qualquer coisa. E isso significa desde logo quatro coisas.

Em primeiro lugar, consideram-se todos uma superação, por isso mesmo um desenvolvimento, uma ultrapassagem. Está-se além de uma época anterior, forçosamente mais primitiva, mais indigente. Estão além.

Em segundo lugar, o seu privilégio é temporal. Vieram depois e consideram isso como uma vitória, uma forma radical de terem razão. O que veio depois vale mais que o que está antes, porque o que está antes está caduco.

Em terceiro lugar, em nenhum dos casos se define qual o conceito central que unifica o novo movimento. Liberalismo, idealismo, modernismo, poderíamos multiplicar os exemplos até ao infinito. Em todos estes casos, com razão ou sem ela, alguém coloca à nossa frente a sua proposta. É actividade arriscada, porque em qualquer caso se sofre por isso o risco de ser acusado de reducionismo, de visão unilateral das coisas, com maior ou menor fundamento, não interessa.

Em quarto lugar, o que está antes dissolve-se por via da caricatura. Para que se retire a validade do que existe antes usa-se uma estratégia velha como a História da cultura, a caricatura. Antes era assim, e o assim que era é pobre, limitado, inferior. O cristianismo era provincianismo, o modernismo rígido, o industrialismo explorava as pessoas. Nada mais há que reflectir sobre a matéria.

Este espaço aberto, que mais não é que o vazio da proposta tem também as suas consequências. Se apenas me afirmo como o que vem depois de algo, isto significa igualmente várias coisas.

Em primeiro lugar, que não me pretendo arriscar. Não coloco desde logo à frente uma proposta. O espaço está completamente aberto e por isso basicamente não quero sofrer qualquer risco. São ideologias de timoratos.

Em segundo lugar, esse espaço vazio pode ser preenchido de várias formas consoante seja objecto de crítica ou ataque. Este tipo de ideologias apresenta-se por isso como sumamente oportunista.

Em terceiro lugar, mostra o vazio de ideias. Evitando o conceito, não me congregando à volta de um conceito, não estou obrigado a qualquer espécie de racionalidade ou crítica, trabalho num plano de mera sobrevivência da minha doutrina, plástica o suficiente para ser muitas coisas e coisa nenhuma. São ideologias de sobrevivência, mas apenas dos seus ideólogos.

Mas este espaço vazio não é neutro. A própria ideia de ser “pós” significa de um só golpe querer ser mais que o que nos antecedeu. E por isso é sempre um sinal de vitória. Esconde-se por isso que essa vitória tem prazo de validade, porque outros são “pós” a nós mesmos e esses poderão, pelo simples facto de nos sucederem no tempo, considerar-se melhores que nós, mais válidos nos seus pensamentos. É uma ideologia que traz consigo a semente da sua própria derrota.

E como a natureza tem horror ao vazio, este espaço acaba por ser preenchido por critérios bem mais rígidos que os das ideologias anteriores. Não são ideologias dogmáticas. Bem pior. São ideologias obcecadas com o dogma. E, de tanto o quererem expulsar, acabam por criar dogmas implícitos, mais uma vez os mais difíceis de sindicar. Os pós não gostam de crítica à sua posição.

Vejamos cada um deles.

1 comentários:

miguel vaz serra....... disse...

Depois de um belíssimo texto
( aliás como são sempre os seus ) com toques filosóficos e de vocabulário rico para os comuns mortais, eu venho dar uma pincelada de raciocínio "Bordalesco" e digo: Gaspar é o pós de Teixeira e Passos o de Sócrates
( ele que se pensava mais pós que todos os outros ).
Ambos fora de moda sem ainda sequer terem começado História.
Paupérrimos de razão. Pós........