Populista eu?
E se atender a Monica Lewinsky?
Já com o mercado de inverno oficialmente fechado, o «Geração de 60» conseguiu ainda inscrever os três reforços que faltavam para completar o plantel. O Diogo Vasconcelos vem da 1ª liga Inglesa e dispensa apresentações. O Martim Avillez Figueiredo estava a ser cobiçado por vários clubes do Norte e é uma estrela com provas dadas no campeonato luso. O Paulo Rangel, qual Rui Costa, regressa a esta casa, que sempre foi sua, depois de prolongada lesão.
Sejam bem vindos!
Rodney Stark, sociólogo, ateu e americano, escreveu, no seguimento de um conjunto de outros textos que iam já nesse sentido, um livro que, tendo embora algumas falhas (aumentadas, aliás, pela edição portuguesa, que se apresenta pouco cuidada), tem a enorme virtude de fundamentadamente se insurgir contra o politicamente correcto há muito tempo instalado no mundo das ideias, afirmando desassombradamente as vantagens do «influxo determinante do cristianismo em geral, e do catolicismo em particular, na configuração e no rosto peculiares da cultura europeia.»
Em The Victory of Reason: How Christianity Led to Freedom, Capitalism, and Western Sucess, publicado em 2005, mostra, resumidamente: a) que o domínio ocidental se deve fundamentalmente ao surgimento, na Europa, do sistema capitalista; b) que esta possibilidade e desenvolvimento do capitalismo se devem à extraordinária confiança que a Europa descobriu na razão; c) que esta vitória da razão – como lhe chama – tem as suas principais raízes no cristianismo, que, ao contrário das outras religiões, vê a razão e a lógica como ferramentas fundamentais para a descoberta da verdade religiosa.
Recomendando vivamente a sua leitura, que ilumina e limpa o sótão frequentemente pouco visitado das nossas ideias, aqui deixo um pequeno excerto do Prefácio:
«Quando os europeus começaram a explorar o mundo, a maior surpresa não foi a existência do hemisfério ocidental mas a própria superioridade relativamente ao resto do mundo. Os grandes povos Maia, Asteca e Inca estavam indefesos perante os conquistadores europeus; as famosas civilizações do Oriente – a China, a Índia, e até os países muçulmanos – eram primitivas em comparação com a Europa do século XVI. Como sucedeu isso? Porque razão, durante séculos, os europeus foram os únicos a possuir óculos, chaminés, relógios que marcavam a hora certa, tropas bem armadas e um sistema de notação musical? Como é que os países que tinham nascido da barbárie e dos escombros da antiga Roma ultrapassaram de tal maneira o resto do mundo?
Há autores modernos que atribuem o segredo do sucesso europeu a uma posição geográfica favorável. (...) Outros afirmam que o desenvolvimento ocidental foi devido ao ferro, às armas ou aos navios, e outros ainda apontam uma agricultura mais produtiva. (...) A resposta mais convincente atribui o domínio ocidental ao surgimento do sistema capitalista, que também só surgiu na Europa. Mesmo os inimigos mais ferozes do capitalismo reconhecem que gerou uma produtividade e um progresso nunca antes imaginado. (...) O capitalismo conseguiu este “milagre” através do investimento regular em maior capacidade produtiva, e através da motivação financeira de administradores e trabalhadores.
Partindo do princípio que o capitalismo foi realmente responsável pelo grande avanço da Europa, resta explicar porque que razão esse avanço só se deu na Europa. Alguns datam o nascimento do capitalismo da Reforma Protestante; outros, das mais variadas circunstâncias políticas. Mas se aprofundarmos a investigação torna-se evidente que a raiz verdadeiramente fundamental do capitalismo e do desenvolvimento do Ocidente é uma extraordinária confiança na razão.
A Vitória da Razão explora como a razão ganhou importantes batalhas e moldou de forma única a cultura e as instituições ocidentais. A vitória mais importante foi a do Cristianismo. As outras religiões mundiais sublinham o mistério e a intuição, mas o Cristianismo vê a razão e a lógica como ferramentas fundamentais para a descoberta da verdade religiosa. A confiança na razão foi influenciada pela filosofia grega. Mas a filosofia grega teve pouca influência nas religiões gregas. Estas permaneceram típicos cultos de mistério, nos quais a ambiguidade e as contradições lógicas eram provas de uma origem sagrada. (...) Em contraste, os fundadores da Igreja pregaram, desde sempre, que a razão é um bem supremo, um dom de Deus, e a ferramenta que permite um desenvolvimento progressivo na compreensão da Bíblia e da Revelação. O Cristianismo é, portanto, voltado para o futuro, enquanto as outras grandes religiões acreditam na superioridade do passado. Pelo menos em princípio, se nem sempre na prática, a doutrina cristã pode ser modificada em função do progresso, como produto da razão. A confiança no poder da razão entranhou-se na cultura ocidental, apoiada por autores escolásticos e pelas grandes universidades medievais, fundadas pela Igreja. A confiança na razão estimulou o estudo científico e o desenvolvimento de teorias e práticas democráticas. O surgimento do capitalismo foi outra vitória da razão de inspiração religiosa, pois o capitalismo é, essencialmente, a aplicação sistemática e contínua da razão ao comércio – um sistema descoberto pelos grandes centros monásticos.
Ao longo do século XX, a maior parte dos intelectuais ocidentais demonstraram que o imperialismo europeu tinha origens cristãs. Recusaram-se, no entanto, a reconhecer que o Cristianismo foi um factor na supremacia do Ocidente, excepto pela intolerância. Consideraram que o Ocidente ultrapassou o resto do mundo no momento em que superou os “obstáculos religiosos” ao progresso, especialmente os que se opunham à ciência. É um disparate! O sucesso do Ocidente, inclusive o desenvolvimento da ciência, foi construído inteiramente com base em fundamentos religiosos e as pessoas que o tornaram possível foram cristãos devotos. Infelizmente, mesmo os historiadores que concederam ter sido o Cristianismo um factor no desenvolvimento do progresso ocidental, limitaram-se a salientar os resultados religiosos positivos da Reforma Protestante. É como se os mil e quinhentos anos de Cristianismo até esse acontecimento não tivessem a menor importância ou fossem, até, prejudiciais. Um anti-Cristianismo académico de estirpe inspirou o mais célebre livro jamais escrito sobre as origens do capitalismo.
No início do século XX, o sociólogo alemão Max Weber publicou um estudo que se tornou espantosamente influente: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Na sua obra, Weber propõe que o capitalismo surgiu na Europa, porque, entre todas as religiões do mundo, apenas o Protestantismo oferecia uma visão moral que levava as pessoas a restringir o seu consumo material e procurar activamente a riqueza. (...).
Talvez devido à sua elegância, a teoria foi universalmente aceite apesar de estar errada. A Ética Protestante continua a ter um estatuto quase sagrado entre sociólogos, apesar de os historiadores económicos menosprezarem as ideias de Weber, aliás pouco fundamentadas; afinal, o capitalismo surgiu na Europa vários séculos antes da Reforma Protestante. Hugh Trevor-Roper explica: “A ideia de que o capitalismo industrial, em grande escala, era ideologicamente impossível antes da Reforma, é destruída pelo simples facto que o capitalismo já existia.” (...) Os países do Norte apenas tomaram a posição que fora ocupada, durante muito tempo e muito bem, pelos antigos centros capitalistas do Mediterrâneo. Nada inventaram, nem na tecnologia nem na administração de companhias. Além disso, durante o período crítico de desenvolvimento económico, esses centros do capitalismo nórdico eram católicos e não protestantes – a Reforma era ainda num futuro longínquo.
(...)
Apesar de enganado, Weber tinha toda a razão em afirmar que as ideias religiosas tiveram forte influência no desenvolvimento do capitalismo na Europa. As condições materiais necessárias ao desenvolvimento do capitalismo existiram em muitas civilizações, e em muitas épocas, incluindo China, Índia, Islão, Bizâncio, e provavelmente também Roma e Grécia antiga. Porém, nenhuma destas sociedades desenvolveu o capitalismo, porque nenhuma delas desenvolveu uma visão ética compatível com a dinâmica deste sistema económico. Pelo contrário, as maiores religiões não Ocidentais apelaram ao ascetismo e condenaram os lucros, a riqueza foi negada a agricultores e comerciantes por elites apreciadoras do consumo e da ostentação. Porque foi a Europa um caso à parte? Devido ao compromisso cristão com a teologia racional que pode ter sido um factor determinante na Reforma mas que claramente já existia muito antes: há mais de um milénio.
Mesmo assim, o capitalismo só surgiu em alguns lugares. Porque não surgiu em todos? Porque, em certas sociedades europeias, como aconteceu em quase todo o resto do mundo, o seu desenvolvimento foi impedido por tiranos: a liberdade também é necessária para o capitalismo. Isto leva-nos a outra questão: por que razão a liberdade foi tão rara na maior parte do globo, mas foi sustentada em reinos e cidades-estado medievais? Eis outra vitória da razão. Antes de qualquer Estado europeu medieval ser governado por grupos eleitos, havia teólogos cristãos que elaboraram teorias sobre a natureza da igualdade e sobre os direitos do indivíduo – o trabalho de teóricos políticos tão “seculares” como John Locke no séc. XVII tem raízes em axiomas igualitários provenientes de filósofos religiosos.
Para concluir: o sucesso do Ocidente deve-se a quatro grandes vitórias da razão. A primeira foi o desenvolvimento, dentro da teologia cristã, da confiança no progresso. A segunda foi a forma como a confiança no progresso incentivou inovações tecnológicas e de organização, muitas vezes apoiadas por congregações religiosas. A terceira vitória foi que, graças à teologia cristã, a razão influenciou a filosofia e a prática política de tal maneira que, na Europa medieval, surgiram Estados receptivos, com um elevado grau de liberdade pessoal. A vitória final foi a aplicação da razão ao comércio, que resultou no surgimento do capitalismo em ambientes estáveis proporcionados por esses Estados. Foram estas as vitórias que levaram a Europa a vencer.»
* STARK, Rodney, A Vitória da Razão – como o Cristianismo gerou a liberdade, os direitos do homem, o capitalismo e o milagre económico do Ocidente, Ed. Tribuna da História, Lisboa, 2007, tradução de Mariana de Castro, págs. 41-46.
Venho falar-vos a pretexto dos business angels. Uma boa ideia – quero desde já frisá-lo –, com um nome que dá que pensar. E é sobretudo o nome o que aqui me interessa.
Business angels, ou angel investors, são antigos empresários, ou executivos, que, individualmente, ou associados entre si, fornecem o capital necessário para o arranque de projectos empresariais que, pelo risco que comportam, têm dificuldade no acesso aos meios de financiamento tradicionais. Garantindo um retorno financeiro do seu investimento (o qual, até pelo risco envolvido, é de pelo menos 15 vezes o montante do capital investido num prazo de 5 anos), mantêm-se deste modo activos no mundo dos negócios, agora ao seu próprio ritmo, ajudando estas empresas emergentes com a sua experiência e com os seus contactos.
É sem dúvida uma boa ideia. É notoriamente business. Já não me é tão evidente que sejam angels. O nome, contudo, vingou, e com ele a ideia foi atrás. Terá, por isso, interesse explicá-la.
A palavra anjo (do latim angelus; do grego άγγελος) significa genericamente enviado, ou mensageiro, sentido que encontramos expresso na maioria das religiões. Originariamente referida a um mensageiro tanto divino como humano (é o caso do termo hebraico מלאך - mal´ach, que assim será traduzido ainda na Bíblia dos 70), o seu significado foi-se historicamente restringindo aos entes divinos, ou espirituais (como acontece já na Vulgata), sendo hoje normamente considerados como entes espirituais por meio dos quais Deus comunica a sua vontade aos homens.
A enorme importância destes seres que constantemente sobem e descem a escada que vai da terra para o céu, numa a sociedade em que os fins temporal e espiritual do homem não estão dissociados, como é evidentemente o caso da sociedade medieval cristã, fez com que os seus teólogos desde muito cedo se dedicassem à indagação da sua natureza, inclusivamente em vista da grande diversidade com que aparecem ao longo da Bíblia.
São especialmente importantes, neste sentido, o tratado De coelesti hierarchia, atribuído ao Pseudo-Dionísio, as homilias de São Gregório Magno nos seus comentários In Evangelis, e o tratado De angelis, incluido na primeira parte da Summa theologiae de São Tomás de Aquino, a partir dos quais os anjos são compreendidos, consoante a sua maior ou menor proximidade de Deus, segundo (três) ordens e (nove) categorias diversas, que começam nos serafins e nos querubins e acabam nos arcanjos e nos anjos.
Isto nunca foi doutrina de fé, embora tenha sido largamente aceite e divulgado no seio da Igreja, que sempre se preocupou em compreender este natural acesso ao sobrenatural. Assim se discutiu a sua natureza (consensualmente considerada espiritual, num grau superior ao do homem); a sua essência (individual); o seu número (finito, mas prodigioso), o seu género (excepção feita à Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias, vulgo mormons, quase sempre considerados como seres assexuados); a sua liberdade (no judaísmo e no cristianismo, ao contrário do islamismo, os anjos têm livre arbítrio, podendo desobedecer a Deus); as suas tarefas (velar pelo poder de Deus; comunicar a sua vontade aos homens; proteger pessoas, famílias e nações...); etc.
Talvez mais importante do que isto, porém, são as suas representações artísticas e populares, que permanecem para lá das discussões que hoje se considera serem apenas sobre o sexo dos anjos. Qualquer criança, de facto, ao rezar ao seu anjo da guarda, quase que imediatamente o imagina com uma figura humana de extraordinária beleza, com um halo na cabeça, envolto em luz, com asas e capaz de voar. E rezando, de olhos fechados, talvez o anjo venha, com o tempo, a falar com ela, protegendo-a e ensinando-lhe os caminhos para Deus.
Dir-me-ão que isto é uma história para crianças, útil apenas enquanto elas crescem e não conseguem ver as coisas pelos olhos verdadeiros da razão. Talvez sim. Ou talvez não. Certo é que depois deste milenar labor teológico, a Idade Moderna procedeu a uma matematização totalitária da realidade, a partir do que se estabeleceu a irracionalidade de toda a expressão privada na vida pública e se confinou absolutamente a presença de Deus à esfera da intimidade de cada pessoa. E os anjos, no seio desta nova religião, foram também reduzidos a meros entes racionais: matemáticos, primeiro, isto é, convertíveis em princípios consonantes com a nova ciência; e imaginários, depois, isto é, meras ilusões, fruto da ignorância e da superstição, adversária da verdadeira religião – a razão matemática!
Voltando ao princípio desta nossa história, é óbvio, portanto, que estes anjos dos negócios não são verdadeiros anjos. É significativo, porém, que se apresentem e sejam aceites como tal, pois que isso nos dá um indicador fiável sobre aquilo em que acreditamos: à superfície, no dinheiro. Quando ele chega tocam trombetas e a nossa alma rejubila no Senhor! Por isso dizia Sofia de Mello Breyner (num conto sobre Os Três Reis do Oriente), que «os deuses que existiram extinguiram-se há muito e aquilo que adoramos é apenas a cinza do divino. Qual é, na idade em que vivemos, o homem que viu um anjo?»
Não falo contra o dinheiro. Ao contrário: diariamente luto por ele. Mas o preceito segundo o qual devemos dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, permanece, do meu ponto de vista, admirável. Desde muito cedo, aliás, a igreja cristã rejeitou formalmente a pretensão do mago Simão, que terá querido comprar aos apóstolos o poder de fazer milagres. E quando os próprios representantes da igreja, lamentável e generalizadamente, instituiram a troca de bens espirituais por bens materiais, foram sempre duramente combatidos.
É conhecida, nesse sentido, a luta travada pela renovação espiritual da igreja, que levou à fundação das ordens cisterciense, franciscana e dominicana... Mais conhecidas são as condenações da simonia, ou acto de Simão, feitas por Dante (n´ A Divina Comédia, os simoníacos, e entre eles o próprio papa Nicolau III, eram enterrados no terceiro fosso do oitavo círculo dos infernos, num ritual baptismal invertido), por Maquiavel e por Erasmo... E ainda mais conhecida a história de Lutero, que, lutando contra o tráfico dos bens espirituais que se generalizara na igreja, veio a negar a autoridade do papa, que considerou ser o anti-Cristo.
Estai atentos, porém, homens de Deus, porque a luta não acabou e continua. E tal como um anjo não nos sossega quando precisamos de dinheiro para pagar as nossas contas, assim o dinheiro não serena a criança que reza pedindo para dormir em paz. E numa altura em que os Estados começaram já a perder as suas soberanias e o imperium procura novas formas para se estabelecer, temos que voltar a saber como podemos ser unidos no acolhimento de uma força verdadeiramente espiritual. É um dos desafios estruturais do nosso tempo, mas isso vai demorar ainda. Seja como for, e até que chegue um novo Gelásio, distinguindo esses dois poderes, saibamos estar atentos aos abusos dos que querem confundir o céu e a terra, sejam eles as igrejas que em troca de dinheiro prometam bens espirituais; sejam os capitalistas que em troca de bens espirituais prometam dinheiro. Ou assim já não faz mal!?
Moçambique, 27 de Fevereiro
Foi no Maputo, há uns dias atrás que curiosamente assisti à peça de Tennessee Williams, " A streetcar named desire". Encenada e produzida por uma companhia nacional que tem resistido ao deserto cultural, social e económico desta capital nos últimos 20 anos.
Em 1996 quando por aqui passei, encontrei um país com uma perspectiva. Hoje, encontro um "sítio" quase em "estado de sítio" onde tudo é um imenso buraco. Dos serviços básicos de saneamento à distribuição do correio, a única coisa que funciona é mesmo a incompetência.
Universidades em todos os distritos mas sem professores, internet instalada em todo o lado mas sem utilizadores, são apenas dois factos de uma infindável lista de aberrações que poderia fazer.
Franceses, Belgas ou Ingleses, vieram mas foram embora. Acabaram por dedistir.
Moçambique vive apenas do romantismo e do sonho dos seus artistas. Vive de um Malangatana, com quem tive oportunidade de estar num jantar a quatro e que, de "olhos bem fechados" declamou os seus pomemas eróticos e cantou as suas músicas do passado, enquanto as lágrimas lhe corriam pelo rosto como dois rios que desaguam num imenso mar salgado, de onde esta terra nasceu.
Aqui aonde a vida nasceu e se propagou sobre a terra como uma pulsação solitária, parece não haver espaço para mais nada além do sonho.
É pena que Portugal não tenha tempo para sonhar e deitar mão a um país de gente entregue a tão pouca sorte. Assim deixará que Moçambique apenas percorra a rota de o "Eléctrico chamado desejo", acabando como Blanche por, desejando a vida, encontrar a morte, envenenado por seus sonhos e seus desejos.
Deixámos as havaianas no último degrau (de madeira) das escadas que nos levam à praia.
Hoje diz-se havaianas como outrora se dizia kispo. É a mesma lógica – and, besides, it sure as hell beats chinelos.
A praia abriu-se então, mais do que à nossa frente, para os lados – já que o mar rebentava logo ali.
Ao longo da praia bandeiras amarelas, gastas pelos elementos, assinalavam ninhos de tartaruga que o projecto Tamar jurou defender.
Tamar e não Itamar, como a principio erradamente pensei – como um nome para prestigiar o antigo presidente.
...
Nascem num relvado que começa onde morre a praia. Num plano inclinado são centenas de coqueiros. Os ramos, em cima, dispostos como aros, estão penteados pelo vento. Para trás.
Como guerreiros, protegem a costa de um inimigo que há-de chegar – que não pára de chegar. Colocados com um nexo apenas natural, fazem lembrar um parque eólico erigido por um visionário sem sentido de orientação.
Não param o vento mas cortam-no em fatias pequenas – mais fáceis de digerir – que servem aos turistas. Como nós.
Como acontece com os humanos, a grande maioria dos coqueiros alinha na mesma direcção mas alguns, poucos e mais independentes, ordenam-se, diferentemente, de acordo com uma vontade própria.
À direita, enquadrados no azul, fiapos de nuvem (muito) brancos estendem-se tentando uma ponte entre o céu e o horizonte. É o Verão que se vai.
À esquerda, nuvens - cujo topo (também muito) branco, em couve-flôr, contrasta com uma base cortada a régua e esquadro - delizam por cima do mar na nossa direcção. É o Inverno que chega.
Estas nuvens chovem lá longe, à vista desarmada, enquanto um surdo-mudo que não vai à escola nos serve água de coco com uma palhinha e um sorriso na cara.
...
Andava sempre ao seu passo. No seu ritmo. Passava todos os dias à mesma hora.
Trazia na cara a certeza de que não aceitaria – jamais! – acompanhar o passo de outrém.
Era (e seria sempre) assim. Nem mais depressa, nem mais devagar.
Não havia incentivo, ameaça ou convite que a fizessem vacilar na sua dela (firme) convicção.
Nunca seria mais rápida para agradar, nem lenta para chatear. Não temia criticas e não ouvia insultos. Sabia quem era e ao que vinha (ou ía...) e conhecia muito bem o ritmo do seu andar.
Aceitaria a companhia de quem gostava mas (também) não convidava.
Estava tão bem só, como bem acompanhada porque sabia - e bem - que o caminho se faz só, mesmo quando acompanhado.
Se andasse em Bond Street (que não andava) e tivesse guarda-chuva, abria-o. Se não, molhava-se. Mas não se convidava para baixo (salvo seja) de um qualquer umbrella que passasse.
Aceitaria ofertas de boleias, em situações extremas, para se resguadar - mas só... se ao seu passo.
Se o dono do guarda-chuva corresse, ela ficaria para trás – sem mágoa nem recriminação. Nem contra o tempo, nem contra a sorte (ou o azar). Sabia que a chuva caía quando caía e aceitava a realidade sem um franzir de sobrancelhas ou um piscar de olhos. Como um dia li numa feliz expressão (por certo congeminada com ela no pensamento), nem optimista, nem pessimista. Entre ela e a realidade não havia qualquer mal entendido.
Que ninguém, qualquer alguém, pensasse - alguma vez - que a faria correr ou gatinhar (“porquê gatinhar?”, teria perguntado), acelerar ou abrandar, saltitar num só pé ou mesmo em dois, porque o seu andar era único e não admitia excepções.
Era uma mulher curiosa esta que pass(e)ava pela praia. Atraente (também) pela singularidade.
Eric Baudelaire, da Série «États Imaginés», 2005
Uma pequena contribuição para a campanha eleitoral americana. Amenidades como esta, ou a do post anterior, podem encontrar-se neste local bizarro e alegremente infame.
Rui Fonseca - Açores
Tenho especial apreço por Ricardo Costa e Nicolau Santos e mais ainda por aquilo que este último representa para o jornalismo económico no “Expresso” e no país. Logo, não há aqui lugar para divertimentos com teorias da conspiração. Mas a verdade é que os dois levaram um baile do Primeiro-ministro na entrevista de segunda-feira passada. Esse baile podia ter acontecido a si ou a mim e resultou simplesmente do facto de que Sócrates era o mais preparado do grupo. E o “amaciamento” dos entrevistadores a partir de certa altura deveu-se ao facto de eles terem inteligentemente reconhecido a desvantagem, algo onde – perdoe-se-me o eventual machismo – as entrevistadoras femininas mais dificilmente cedem (isto dos blogs é óptimo porque até a psicologia barata nos permitimos).
A impressão com que fiquei da entrevista é que Sócrates está bem preparado para os temas da governação porque é com isso que mais gasta o seu tempo: preparar-se. A impressão que dá é que delega competências e tarefas aos seus ministros e “ajudantes”, concentrando-se na organização do funcionamento do governo, na obtenção de resultados e na sua análise e interpretação. E isto fá-lo com algum saber, como se fosse um CEO de um empresa.
Estas coisas mostram-se melhor com um exemplo. Um dos entrevistadores arrancou com a pergunta segundo a qual o governo queria criar 150 mil postos de trabalho mas nos últimos anos tinham desaparecido uma ou duas dezenas de milhar. Nada disso, retorquiu Sócrates: nos últimos anos foram criados 90 e tal mil postos de trabalho, acrescentando, com grande prazer, “líquidos”. Isto é certo e é um dado de polichinelo. Os entrevistadores enfraqueceram e tentaram emendar a mão mas foi tarde e mote estava dado.
Quem sabe menos que o Primeiro ministro pode todavia ainda confrontá-lo com os pressupostos em que o mesmo está envolvido e onde a sua defesa será mais fraca. No caso acima mencionado a pergunta seguinte deveria obviamente ser: "Mas, senhor Primeiro-ministro, em que é que se baseia para atribuir a criação desses postos de trabalho à acção do seu governo?" É que Sócrates está a conseguir fazer passar a mensagem de que tudo o que acontece de bom se deve ao governo e que tudo que acontece de mau se deve à pesada herança que recebeu do PSD e do PP.
Sócrates parece um daqueles alunos que se esforçam todos os dias para serem os melhores da turma e que ficam furiosos quando recebem um 13. Na entrevista de segunda-feira recebeu seguramente um 15 (o 16 ainda está reservado só a Cavaco).
Estou nesta altura a reler a Relectio de indis (1539), na qual Francisco de Vitória, fazendo a defesa dos indíos das Américas, afirma que estes têm, ex natura rei, direitos iguais aos de todos os homens, facto pelo qual o padre dominicano é hoje muito justamente considerado um dos fundadores dos direitos humanos e do direito internacional.
Na primeira parte deste livro, a propósito da conquista das Américas – a qual, sendo um facto, pareceria, talvez, inútil discutir –, Vitória diz que para que essa acção seja boa (como certamente o é, em vista das pessoas que a determinaram, nomeadamente os cristianíssimos soberanos Isabel e Fernando e o justíssimo e religiosíssimo imperador Carlos V), deve ter sido levada a cabo por pessoas com competência para tal – isto é, responsáveis –, pelo que, quer em vista das suas consciências, quer em visto da autoridade que representam, importa discutir a bondade dessas acções.
É o que faz neste – e noutros – livros, onde, sem comprometer a conquista e o progresso da humanidade, reconhece o direito natural dos índios à sua soberania tanto política quanto religiosa.
E se a intervenção de Carlos V, que, na altura, indignado, ordenou o seu silêncio, poderia parecer destinada a calar essa inicial defesa da dignidade da natureza humana, o facto é que quando os motivos são justos conseguimos mover montanhas, como mostra o facto de, poucos anos depois, na famosa Junta de Valladolid (1550-1551), o mesmo imperador ter ordenado a interrupção das conquistas até que a questão da sua legitimidade fosse resolvida na disputa aí entretida entre Bartolomeu de las Casas (defensor dos direitos dos índios) e Juan Ginés de Sepúlveda (defensor dos direitos da conquista).
É um facto extraordinário que a história teima em esquecer. E eu aqui apenas incidentalmente o lembro, para introduzir o tema que quero tratar. Não deixa de ser fantástico, porém, lembrar que tudo isto se passou aqui, nesta espanhola e portuguesa península onde responsavelmente se inaugurava um novo mundo.
Pouco mais de 500 anos depois, de facto, na área metropolitana de Lisboa, cairam umas fortes chuvadas, seguidas de inundações e de cheias, que mostraram a grande fragilidade das nossas cidades, resultando mesmo na morte de algumas pessoas. O que aqui quero notar, contrastando-o com aquilo que é expresso no texto de Vitória, é a atitude dos nossos governantes perante os acontecimentos que surgem importantes na vida do seu país.
O ministro do Ambiente, em primeiro lugar, prontamente afirmou que só uma peritagem poderia apurar as razões das consequências das cheias. Quanto ao resultado dessa peritagem, porém, e certamente melhor informado do que nós, imediatamente antecipou que, sendo as infra-estruturas urbanas uma competência autárquica, a responsabilidade do que aconteceu de nenhum modo pode ser imputada ao seu governo, sendo obviamente das autarquias.
O raciocínio, como veremos, é brilhante, pois, apesar de parecer muito contestado por todos os outros intervenientes, é liminarmente seguido por todos eles, assim se conseguindo atingir o objectivo que forçosamente lhes é comum, a saber: a total desresponsabilização de todos os governantes.
Se não vejamos. Os autarcas, na verdade, indignaram-se. Mas porquê? Porque morreram algumas pessoas nos seus concelhos? Pelo caos que nas suas cidades se instalou? Pelo estado de degradação das obras públicas? Não. Por causa das palavras do do Senhor Ministro, a partir das quais decidiram manifestar-se publicamente, falando todo o dia nas rádios e participando à noite naquela série da televisão que entretém diariamente os portugueses, chamada telejornal. E o que disseram? Já o vimos. No fundo, o mesmo que o Senhor Ministro: eu não sou responsável!
O Senhor Presidente da Câmara de Loures disse que o Senhor Ministro é um ignorante. A Senhora Presidente da Câmara de Setúbal que as suas afirmações são vergonhosas. O Senhor Presidente da Associação Nacional de Municípios que o Senhor Ministro deu um tiro no pé. E todos estavam de acordo que a culpa era do Senhor Ministro.
O Senhor Presidente da Câmara de Sintra mandou negar categoricamente qualquer responsabilidade da sua autarquia, não querendo, porém, adiantar mais nada, por não querer envolver-se em polémicas com o Senhor Ministro.
O Senhor Presidente da Câmara de Oeiras, mais prudente, disse que os Municípios não são responsáveis pelos acontecimentos, embora, em rigor, também o Ministério do Ambiente não o seja. Porém, se o Instituto da Água tivesse feito atempadamente o seu trabalho no que diz respeito ao ao alargamento do leito da ribeira de Algés, talvez muita coisa se pudesse ter evitado.
A Câmara de Lisboa, pela voz do seu Vice-Presidente, dá mesmo razão ao Senhor Ministro, assumindo inteiramente toda a responsabilidade dos factos decorrentes das cheias. Esclarece, no entanto, que essas mesmas responsabilidades são absolutamente alheias ao actual executivo, devendo ser inteiramente imputadas aos executivos anteriores, com excepção, talvez, para o trabalho que, em tempos, desenvolveram os vereadores do PCP na área do saneamento.
A Senhora Vereadora do movimento cidadãos por Lisboa, por fim, radicalizando a tese do Partido Socialista, esclarece que a culpa, no fundo, é de todos.
Tudo espremido ficamos com um único responsável por esta catástrofe, apontado, há que dizê-lo, pelo Senhor Presidente da Câmara de Oeiras e pelo Senhor Presidente da Câmara de Loures: a natureza, que, segundo disseram, voltou ontem a mostrar toda a sua força.
Contra este argumento, porém, surge a voz voluntariosa dos ambientalistas, que, afirmando que a construção desenfreada nos leitos de cheia dos rios resulta na impermeabilização do solo e, consequentemente, em cheias como as de ontem, responsabilizam por esta tragédia não a natureza, mas os seres humanos, nomeadamente aqueles que promovem a especulação imobiliária a mando dos interesses do capital.
E nós até estaríamos tentados a acreditar nestes bons homens, defensores da natureza, amigos dos pinguins e primos dos activistas do greanpeace, se eles, de facto, nos dissessem que o responsável deste mal é um agente moral – e não físico. Mas temos que ficar desconfiados quando nos dizem, afinal, que o responsável é um agente económico.
De facto, porque é que um partido do ambiente há-de ser de esquerda? E, já agora, porque é que há de ser um partido? Não deveria o ambiente ser defendido por todos os partidos? E será mesmo verdade que as pessoas de direita são ricas e capitalistas que querem fazer mal ao ambiente e as de esquerda são pobres e, digamos assim, cristãs, estando dispostas a tudo para preservar a criação? Não sei. Mas desconfio sempre daqueles que, na sua obstinação idealista, reduzem tudo a um mesmo princípio com o qual indiferentemente explicam toda a realidade, seja a seca no Verão ou a chuva no Inverno.
E posto isto, nós, que neste país existimos e andamos à chuva e queremos viver sossegados... que aqui nascemos e crescemos e até pagamos impostos... perguntamo-nos: Podemos estar sossegados? Podemos confiar em quem nos governa? Estamos, de facto, seguros? A degradação generalizada do nosso espaço público, afinal, não é só o fruto da incipiência da nossa economia, mas o reflexo da ruína das nossas instituições? É a chuva que, em Portugal, quando nasce, é para todos? A resposta, meus amigos, é o silêncio, ou o barulho que não se eleva a voz humana. Porque não há hoje, em Portugal, um D. João, ou um D. Manuel, uns reis Fernando e Isabel, ou um Carlos, imperador, que nos oiçam e nos mandem calar; que nos oiçam e nos mandem falar; que decidam e que nos falem. Não. Nos nossos políticos, infelizmente, não há ordem. Há apenas confusão.