segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Nazis, arianos e anti-semitas

 

 

O lugar comum é o de que os nazis eram anti-semitas e a ideia de arianismo é tipicamente nazi. Quanto a canalha se satisfaz com ideias simples é bom sinal, porque seria pouco útil à sua paz deixá-la na confusão. Como entre nós podemos usar de alguma intimidade, podemos dar-nos ao luxo de abrir algumas distinções.

A oposição entre arianismo e semitismo não é nazi. Vem da História e da indo-europeística do século XIX.

A ideia não é de direita, mas é partilhada pela direita e pela esquerda. Renan usa-a com naturalidade. E é prova disso também o actual anti-semitismo de esquerda, sempre com a desculpa do povo palestiniano e do sofrimento dos árabes (árabes que nunca se interessaram verdadeiramente pelo destino dos palestinianos na sua maioria).

A ideia não é estranha aos judeus. Os judeus até aos anos de 1930 usavam esta oposição com naturalidade, como se vê pela correspondência de Freud.

Os estudos indo-europeus não são apanágio dos arianos. Um judeu como Benveniste foi um dos seus maiores cultores.

Indo por negação já começamos a limpar o nosso caminho da sujeira da turba. Podemos entrar então na ideologia nazi. E também aqui temos de ver negações.

O pensamento nazi não era em sentido técnico anti-semita. O pensamento nazi não era plenamente favorável ao arianismo nem aos indo-europeus.

Vejamos a primeira negação. Os nazis gostavam muito da maioria dos povos semitas ou semitizados: os árabes.

Como é típico do Maio de 68, herdeiro no nazismo, o nazismo gostava muito de uma religião semita por excelência, o islão. Nas S.S. não eram admitidos capelães, mas houve duas brigadas S.S. muçulmanas e nelas eram admitidos capelões islâmicos. O grande Mufti de Jerusalém foi recebido por Hitler e apoiou o genocídio dos judeus. O mufti de Jerusalém Hadj Amin al-Husayni em 1941 entrega declaração aos alemães e italianos em que propõe que estes proclamem que é reconhecido aos árabes tratarem a questão judaica nos mesmos termos que os nazis e os fascistas. E ministros de Nasser diziam que o maior político era Hitler ainda nos anos de 1950. O Dr. Noureddine Tarraf ministro da saúde de Nasser diz : «Hitler é o homem da minha vida».

O nazismo era anti-judeu. Profundamente anti-judeu. Mas talvez não totalmente anti-judeu. Não apenas houve judeus nazis como Bronnen (ou Bronner) ou o historiador Karo, como suscitava discussão se os judeus holandeses de origem portuguesa eram verdadeiros judeus, ou deviam ser devolvidos a Portugal. Discussão que não foi meramente teórica, porque fez com que alguns deles sobrevivessem à II Guerra Mundial. O nazismo não era inequivocamente anti-sefardita. Era inequivocamente anti-askhenazy.

O nazismo não era totalmente pró-ariano.

A sua relação com o Irão era equívoca, umas vezes por oposição aos semitas dados como exemplo, outras por influência das fontes gregas (afinal as mais antigas fontes literárias sobre a Pérsia antiga são nossas, são gregas) vistos como o inimigo.

Povos misturados como os gregos, assumidos como mistura de helenos e povos autóctones, ou os romanos, que se viam a si mesmos como mistura de povos, eram idolatrados por Hitler, que desprezava as cabanas germânicas em comparação com os belos monumentos romanos.

Puros povos arianos, como os eslavos, eram considerados raças inferiores. E, quando raças germânicas puras como aos holandeses e nórdicos não aceitavam a colaboração com o nazismo, eram vistos como degenerados.

Por isso, recusar o conceito de ariano porque os nazis gostavam dele é multiplamente tonto: não eram os únicos a gostar dele, e não gostavam tanto dele quanto se diz. E só porque os nazis gostavam de respirar não é critério para eu querer deixar de o fazer.

A recusa do conceito de «ariano» apenas mostra que, ao contrário do que muitos imaginam, a Europa não se universaliza, apenas se provincializa, como tanto quiseram muitos europeus, e muitos antigos colonizados. A Pérsia quer-se chamar de Irão, porque se quer a terra dos arianos, e os hindus com muito orgulho chamam-se de descendentes dos Aryas (esqueço agora a polémica das discutidas invasões indo-europeias na Índia).

Para além de questões de justiça, há questões de fecundidade intelectual que me levam a dizer isto. O maior monumento ao espírito humano nas ciências humanas foi a construção indo-europeística. Foi esta que permitiu a formação da linguística geral, que por sua vez permitiu a linguística computacional que os nossos correctores automáticos usam no dia a dia, que ajudou a arqueologia, a genética das populações humanas, sobretudo uma construção intelectual de uma grande beleza formal. Algo que raramente se pode afirmar nas ciências humanas. Que nos queiram provincianos, limitados e sem possibilidade de investigar e expandir, percebo. Que haja europeus obedientes o bastante para nem pensarem noutra coisa senão aceitar estes ditames, diz muito sobre o seu servilismo zangado, mas também sobre a sua pobreza intelectual. Eu, que estou mais próximo dos nossos primos indianos, não me irei coibir de usar os conceitos certos, proibidos apenas para quem aprendeu História em séries de televisão.

 

Alexandre Brandão da Veiga

 

 

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