quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Agape e Eros em Nygren I








Recapitulemos, porque a questão é essencial. Correndo o risco de me entronizar como escolástico, e bem sabendo que as taxonomias valem o que valem neste caso, mas em nome da clareza, esclareçamos qual a vantagem do conceito de «agape». Este permite tratar com o mesmo conceito cinco situações diferentes. Chamemo-las de tipos. Três tipos horizontais e dois verticais. Três horizontais: Tipo 1: o amor de Deus de Si; Tipo 2: o amor do homem por si; Tipo 3, o amor entre os homens. Dois verticais: Tipo 4, o amor de Deus em relação aos homens (descendente), Tipo 5, o amor dos homens em relação a Deus (ascendente).


«Agape» pode-se aplicar a todas estas cinco situações. O que tem de específico o cristianismo é precisamente a natureza da «agape» ser a mesma em todas estas cinco relações (sem prejuízo da prevalência do Tipo 5 sobre os Tipos 2 e 3). Nesta matéria, com todos os seus limites (todos os temos), NYGREN, Anders, Eros e Agape. La Nozione Cristiana dell’Amore e le sue Transformazioni, Edizioni Dehoniane, Bologna, 2011, é essencial.


Os seus limites são basicamente dois: concentra-se nas relações verticais (Tipos 4 e 5), praticamente descurando as horizontais; opõe de forma demasiado cortante o «eros» e a «agape» (e também a «nomos» de origem judaica). O seu mérito é o de mostrar a importância de Lutero no cristianismo, ao voltar a colocar no centro o Tipo 4, o amor de Deus em relação aos homens. Uma importância cujos limites não pode deixar de sugerir, porque precisamente o conceito de «agape» não é expresso no pensamento de Lutero, embora a ele subtenda.


Vejamos o que diz Nygren sobre cada uma das «agape». Sei bem que não são cindíveis. Mas é precisamente por terem sido tratadas em conjunto que muitas vezes não se percebe a assimetria, a diferença de peso, com que têm sido tratadas.


Quanto ao Tipo 1: o amor de Deus de Si. O esquema do «eros» não é aplicável a Deus, mas apenas porque Deus é «eros» de si mesmo para Plotino (p. 173). Lembra por outro lado a trindade agostiniana do amans, quod amatur e amor (p. 552).


Quanto ao Tipo 2: o amor do homem por si. A «agape» exclui por princípio tudo o que é amor de si (p. 190). Mas para Santo Agostinho não posso amar Deus sem me amar a mim mesmo (p. 550); é sobre o amor de si mesmo em que tudo se funda (p. 551), mas a oposição e a coincidência entre o amor de si e o amor de Deus é tensão permanente em Agostinho (pp. 553, 554); o «amor sui» exprime o tipo de amor, o «amor Dei» o seu objecto (p. 555). Também o amor de si é a regra para o amor do próximo (p. 562). O Renascimento inovou em relação à Antiguidade na sua visão antropocêntrica, a divindade do homem não é uma divindade carente inferior aos deuses, mas originária, com Ficino (pp. 686, 688). Lutero recusa a «agape» de si (p. 726), o amor de si é vicioso (p. 727).


Quanto ao Tipo 3, o amor entre os homens. Para São Paulo o amor por Deus e o amor fraterno estão indissoluvelmente ligados um ao outro (p. 124). Para Santo Agostinho esta ligação é problemática (p. 560). O Pseudo-Dionísio percebeu o perigo de aplicar «eros» em relação aos próximos, por isso preferiu a expressão «agape» neste caso (p. 607). Em Lutero é essencial o amor do inimigo (p. 746), porque o amor cristão é por definição um amor perdido, Cristo veio também pelos pecadores e não pelos justos (p. 747).

1 comentários:

Unknown disse...

Obrigado pela exposição dessa obra.
Deus o abençoe
Cláudio Manoel Martins