segunda-feira, 15 de junho de 2009

I. Simpatia e cultura


Uma observação de Pierre Grimal fez-me pensar: afirma ele que apenas é possível haver compreensão histórica caso exista alguma simpatia. Poucos os afirmam de modo tão expresso. E a verdade é que na compreensão de outras culturas esta é uma premissa tanto mais forte quanto menos é enunciada.

Mas poderia ainda ser mais estendido. A simpatia é essencial para a compreensão em geral, não apenas das culturas. Só se decide a estudar répteis quem sente alguma simpatia por eles, minerais quem sente essa simpatia, e assim por diante.

O problema deste argumento é que tem partes verdadeiras e partes falsas e é difícil determinar em que partes erra e em que partes acerta.

Vejamos. Quando vemos uma grande parte dos estudos profundos sobre as mais variadas matérias, a simpatia pode assumir um papel fundamental. Poincaré, um imenso matemático, compreende a geometria com base nos movimentos musculares que formam a nossa percepção do espaço. Einstein imagina-se a cavalgar um feixe de luz. Curtius vive a Idade Média latina positivamente e pode por isso daí retirar um pano de fundo que modifica fundamentalmente o modo de ver comum das continuidades históricas na Europa.

Estes movimentos de simpatia mostram que a simpatia não é irrelevante na compreensão profunda de certas realidades. Mas não é nem condição necessária e muito menos suficiente.

Quando Ortega põe a nu a massa, fá-lo com base no desprezo e isso fá-lo discernir no homem contemporâneo aspectos que poucos conseguiram enunciar. Os maiores símbolos da modernidade são os seus maiores detractores. Baudelaire, Nietzsche e, em certo sentido, Freud contribuem para criar um modelo de homem que não é o seu paradigma e que desprezam. Maistre dissecou como poucos os não ditos da Revolução Francesa a que tanto se opunha. Tocqueville não abdica de ser aristocrata e no seu desprezo pela democracia, mostra as suas grandezas e os seus poderes. Os estudos árabes na Europa (no fundo a grande base da erudição científica sobre a cultura árabe até aos nossos dias) são realizados por homens que têm um profundo desprezo por essa cultura. As origens da antropologia são realizadas por homens com mentalidade colonial e na melhor das hipóteses condescendência pelas culturas primitivas (a mentalidade colonial é em grande medida criação da antropologia, e os movimentos da antropologia posteriores sobretudo à segunda guerra mundial são por isso também em grande medida revolta edipiana contras os pais fundadores, como é costume - e pouco observado).

A simpatia pode assim ser forma de lucidez, mas igualmente o desprezo o pode ser. A tese da simpatia é por isso incompleta, caso tivesse a pretensão de ser universal.

3 comentários:

joão wemans disse...

A "simpatia como forma de lucidez" é uma ideia que me é muito cara, e faz todo o sentido no seio da civilização cristã - a civilização do Amor, tão exaltadada por João Paulo II.
A clarividência do desprezo : creio que só é possível se fruto da admiração (ou conhecimento) do contrário do objecto do desprezo. A este respeito li em tempos um livro muito profundo, "Le Mal est parmi nous", obra colectiva de 1948, em que Gabriel Marcel, na sua contribuição “Techniques d’avilissement dans le monde et la pensée d’aujourd’hui”, fala de como as técnicas aviltantes usadas em campos de concentração, pressupunham um conhecimento do Bem.
João Wemans

Paracelsus disse...

Tudo é Física. Tudo o que não é Física não é.

As apodadas ciências humanas são fogachos cujo objecto de estudo muda cada geração. A tecnologia... a demografia... Condenando os seus imberbes avanços à linguagem médica da Idade Média: os fluidos, o éter, os miasmas...

Dona Redonda disse...

Para além da Física ainda há a Metafísica