quinta-feira, 18 de junho de 2009

96 milhões de razões

Ao que parece, Cissokho pode já não ir para o Milan por 15 milhões de euros por causa de um dente do siso - o qual poderia causar problemas ao jogador com as inerentes paragens nos períodos de treino, com reflexos na competição.
Cristiano Ronaldo foi vendido ao Real Madrid por 96 milhões de euros.
Estes dois acontecimentos deixam boquiabertos os adeptos de futebol e chocados os que não simpatizam com o desporto e com o futebol em particular.

Convinha que se percebesse definitivamente que o futebol é uma indústria. Uma indústria, que exceptuando os negócios ilegais, se revela como pujante e uma das mais lucrativas do mundo.
E como tal deve ser encarado: deve ser regido por leis que o regulem, assumindo que se trata de um negócio lucrativo e altamente competitivo, em que as regras da concorrência devem ser preservadas sob pena de a verdade desportiva ser irremediavelmente comprometida.

Exemplificando: suponhamos que um clube de futebol resolve ter um plantel de 50 elementos. 25 usa na sua equipa e os restantes coloca-os a "rodar" em clubes considerados "amigos". Primeira consequência: uns clubes vão ser beneficiados e outros prejudicados porque disporão de atletas mais capazes. Segunda consequência: quando quem empresta defronta o clube de menor dimensão, os atletas emprestados geralmente não jogam ou jogam com as consequências que se conhecem, para regressarem em força com os clubes rivais.

Há poucos dias Emanuel Medeiros, CEO português da poderosa European Professional Football Leagues dava-nos conta, em conferência, das questões que ao mais alto nível, justamente o das ligas europeias de futebol, preocupam os clubes: justo retorno dos direitos de autor ou de marca dos clubes pelo lucro que geram, direitos televisivos negociados em bloco por associações de clubes com os media, adopção de mecanismos que assegurem a verdadeira concorrência e competitividade entre clubes.
Por exemplo, a adopção de um número máximo de atletas por plantel, para evitar situações como a descrita que ocorrem por todo o lado e que são uma das formas de introduzir distorções graves na concorrência e na verdade desportiva.

Por esta altura muitos dirão que o futebol é a paixão e a emoção. Tudo isso é verdade.
Todavia, tal não constitui uma novidade, há muito que o marketing e as vendas, descobriram que só vende o que mexe com as nossa emoções.
Se escolhemos entre sabonetes Nívea ou Palmolive é por um mecanismo emocional e nem por isso as grandes superficies comerciais deixam de ser fiscalizadas para aferir do cumprimento da Lei da Concorrência.

A Lei da Concorrência não serve para saber como é que nós distinguimos entre Nívea e Palmolive. Serve para garantir que os sabonetes são sabonetes como diz na embalagem, que existem diferentes marcas no mercado, que competem entre si, que são produzidos por diferentes fabricantes, que os grandes comerciantes não fazem stock do produto, que não especulam com os preços, que as grandes superfícies não acabam com os pequenos comerciantes através das vendas com prejuízo, ou que não incorrem em situações de abuso de posição dominante, evitando ainda a cartelização, conluios ou oligopólios.
Assim actuando defendem a livre concorrência e o interesse dos consumidores.

Não há nada de emocional na recusa em adquirir o passe de um atleta por causa de um simples dente do siso em mau estado. Nem é por razões passionais que se pagam 96 milhões de euros por um passe de um atleta.

O futebol é um negócio lucrativo que usa os meios necessários para rentabilizar o seu produto. Que o seu produto seja o entretenimento, a paixão e a emoção dos adeptos é apenas uma circunstância, determinante, mas uma circunstância.

O futebol, como os sabonetes, compra-se e vende-se. Deve estar sujeito a regras que zelem pela verdadeira e sã concorrência, por muitas razões.

Estou a lembrar-me de 96 milhões delas.

4 comentários:

Maria Ribeiro disse...

Nada honesta, Sofia, a desculpa do MILAN...Logo em Itália, onde os tratamentos dentários são
especializados, ao nível de "uma plástica"... Não se brinca assim com as ilusões dum jovem ,que eles consideraram promissor!

Miguel Boim disse...

Pequena correcção: não é apenas um dente do siso em mau estado.

"Fontes de Carvalho, professor na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto, explicou à Lusa que depois de diagnosticado o problema "as infeções são mais fáceis de tratar do que a questão oclusal", explicando que estes se resolvem "com aparelhos de correção e de reequilíbrio"."

In Jornal Record 18 de Junho de 2009

"O desequilíbrio no maxilar (oclusão) pode originar diverso tipo de lesões nas costas ou nas pernas."

Idem

O problema é que a grande maioria das pessoas ainda olham para os integrantes do organismo Humano, como sendo estruturas separadas, quando para um melhor desempenho e rápida recuperação, as mesmas terão que necessáriamente ser interpretadas como um todo que necessita de estar em equilíbrio. Um milímetro de diferença entre as duas pernas de uma dada pessoa, poderá com o tempo causar dores intensas no pescoço ou nuca, tal como um desequilíbrio fisionómico na zona superior do corpo poderá provocar dores ou lesões nos membros inferiores, obviamente que sempre dependendo dos hábitos posturais ou hábitos de índole cinética de dada pessoa. Para uma melhor compreensão:

http://en.wikipedia.org/wiki/Tensegrity

Táxi Pluvioso disse...

O marketing é fundamental em todos os aspectos da vida do Homem moderno. Sem ele adeus século XXI.

A Lei da Concorrência serve para impedir que o mercado funcione. Quem tem o melhor produto deve dominar e eliminar os outros.

Por exemplo, o Cronaldo é o mais bonito, saca as mulheres todas, e os outros ficam a ver navios. E o Cronaldo, quando foi para Manchester, logo pôs dentes novos para poder mostrar a Deus quando agradece os golos.

RR disse...

Real Madrid, Ronaldos e quantias alienantes à parte, foquemo-nos na realidade nacional.

Facto 1: O FCPorto contratou Cissokho ao V. Setúbal por 300 mil euros em Janeiro último.

Facto 2: Cerca de meio ano volvido, o ACMilan (propriétario do afamado centro de estágios de Milanello) iria contratar o jogador por uma quantia 50 vezes superior.

Deixando estes 2 simples factos em julgamento, resta-me desejar que a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, use o mesmo bom senso que o ACMilan pôs em prática, já em últimas instâncias, e monitorize as relações promiscuas no futebol português. A título de exemplo, e à vista de quase todos, temos assistido às "jogadas de bastidores" entre FCPorto e SCBraga, desde o célebre episódio do "vai/não vai" à CLeague do primeiro e o seu diferendo com o rival minhoto do segundo.

Porque, para uns vencerem, o demérito e/ou complacência de outros tem de existir.

Movimentações destas (que alguns apelidaram de Sistema) podem iludir o Zé Tuga, mas pelos vistos não chegam para ludibriar Berlusconi e seus pares, experientes em tais andanças e relações similares.

Em Itália deu-se o Calciocaos. No país dos brandos costumes, os mesmos continuam a ocupar as mesmas cadeiras, ou a exercer o poder por detrás da cortina.