segunda-feira, 16 de junho de 2008

I. Noctes Atticae, Aulo-Gélio, Vol I (livros I-IV), Les Belles Lettres, Paris, 2002

Aulo-Gélio pertence à categoria dos autores que tiveram sorte muito errática. Quase desconhecido em certos momentos da História, redescoberto e adorado noutros, repensado e relativamente desprezado em grande parte deles.

Para muitos tornou-se uma das fontes do anedotário e da erudição do séc. II d.C., para outros é apenas anedótico e fantasista. Nem sempre a justiça se encontra no meio termo, porque muitas vezes é em toda a parte que se encontra.

O grande paradoxo da coisa é que Aulo Gélio é hoje em dia francamente desprezado exactamente porque é dos primeiros jornalistas de qualidade da História. A sua obra pode ser vista pelos olhos contemporâneos como uma espécie de revista, em acréscimo revista de elevadíssima qualidade. O jornalista que se esquece não fazer obra perene deveria ler Aulo Gélio e verá que, caso seja o melhor e mais culto do seu tempo, aí tem o seu paradigma máximo. Não irá além disso. E suscitará a mesma diversidade de reacções, sendo excluído de constante e perene admiração. É bom ensinamento de lucidez, mais que de humildade. Diz também algo de uma literatura, cujo padrão hoje impera, baseada no paradigma jornalístico. Essa ainda menos será lembrada.

Pode-se perguntar em relação a esta obra o que tem a ver com o espaço público, pergunta que surgirá a propósito de muitas obras que irei referir e em relação às quais me escusarei de fazer tal demonstração. É simples: descreve-nos uma paisagem mental muito próxima da nossa e formou paisagens mentais que ainda hoje nos marcam.

O título gera efeitos paradoxais. Lembro-me, quando aprendia latim, de que as referências a esta obra nos remetiam para um ambiente difuso de pré-romantismo do fim do século XVIII, em que o refinamento e a contenção não impediam uma sensibilidade à flor da pele, delicada, como a princesa da ervilha debaixo do colchão. Sob este efeito de uma sensibilidade algo cómoda, de uma riqueza grande, mas não dissipada, de prazeres simples e requintados, parecia desenvolver-se o livro. As citações estudadas eram algo uma desilusão neste aspecto, mas o título tem tal força que esta imagem não me abandonou. Até ter lido o dito livro.

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