domingo, 27 de abril de 2008

PSD: Um Marco António sem gelo, p. f.

Num filme discreto e tocante, "Fugitive Pieces" (2007, Jeremy Podeswa), um homem não consegue libertar-se dos fantasmas traumáticos da infância, até ao dia em que percebe que esses fantasmas não reclamam a sua presença. Pelo contrário: só querem ser deixados em paz. É também o dia em que percebe que não se deve tentar juntar as peças do puzzle - deve-se viver tranquilamente cada uma delas.
Há uma frase no epílogo do filme que, como um brinco de pérolas, se agarra com facilidade ao lóbulo da orelha, uma frase retirada - presume-se - do romance/floresta poética de Ann Michaels no qual a fita é inspirada: "O mistério da madeira não é ela arder, é ela flutuar". Desculpem: o que tem isto a ver com Marco António, aquele homem-Bê que parece um desenho rápido de um ilustrador dado a depressões?

Paul Valéry dizia que "a política baseia-se na indiferença da maioria dos interessados", e as sondagens, os estudos de opinião e as próprias eleições confirmam isso com a periodicidade alérgica das sinusites (o que não seria grave se não se tratasse de um pedaço importante do futuro de todos). Ora, quantos políticos - dos tiranetes de província aos meta-barões da grande cidade - já compreenderam o mistério da madeira?

Façam um breve exercício, e pensem nos políticos que vocês confiam acreditar real e desinteressadamente no serviço público, no bem comum, na construção social da comunidade que integra como os objectivo maiores de uma carreira.
Claro que essa crença não constitui, em si mesma, qualquer sinal de competência, muito menos de inspiração: um sociopata (e não é preciso ver muitos telejornais para chegar à conclusão que existem vários na política portuguesa) acredita firmemente na justeza das suas convicções.
Mas o ponto de degradação a que chegamos - não apenas na telenovela colombiana em que se transformou a luta pela liderança no PSD, mas também pelos aflitivos exercícios de autoridade do PS - coloca os problemas nesse plano: resta alguém na política que, pelo final do dia, quando se deita na cama e olha para as lâminas de luz a surgirem da rua, repousando no tecto antes de passarem para a casa seguinte, adormeça a transformar os sonhos de todos nos seus sonhos?

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